Endometriose: potenciais alvos farmacológicos envolvendo MHC

endometriose

Em uma visão imunológica da endometriose, a presença de células endometriais ectópicas ocorre devido à falta de ação de células do sistema imune (como as Natural Killer (NK) e os linfócitos T CD8). Uma possível explicação para essa alteração seria um erro na apresentação de antígenos para essas células, que ocorre através do complexo principal de histocompatibilidade, o MHC.

Que moléculas estão envolvidas nessa apresentação de antígenos? Será que elas poderiam ser vistas como alvos farmacológicos no tratamento da endometriose?

A Endometriose acomete cerca de 10% das mulheres

A endometriose é uma doença ginecológica debilitante definida como a presença de epitélio semelhante ao endométrio fora da cavidade uterina, geralmente com um processo inflamatório associado.

Os locais mais comumente afetados são o peritônio pélvico, os ovários, os ligamentos uterossacrais, a bolsa de Douglas e o septo retovaginal. O tecido aberrante responde à estimulação hormonal, passando por crescimento e descamação cíclicos, semelhantes ao tecido endometrial localizado corretamente. Os implantes de endometriose frequentemente contêm tecido fibroso, sangue e cistos.

Os sintomas mais comuns envolvem períodos menstruais e ovulação dolorosos, cólicas pélvicas severas, sangramento intenso, dor durante o sexo, dor ao urinar e evacuar, sangramento e dor entre os períodos menstruais, períodos menstruais com duração de 7 ou mais dias, problemas digestivos e fadiga constante.

Os sintomas variam dependendo do tipo de lesões e muitas pacientes são assintomáticas, sendo frequentemente diagnosticadas durante consultas de infertilidade.

vaginismo e dispareunia endometriose

A endometriose ocorre em aproximadamente 10%–15% das mulheres em idade reprodutiva e está presente em 20%–50% das mulheres com infertilidade e 71%–87% das mulheres com dor pélvica crônica.

Cerca de 176 milhões de mulheres em todo o mundo sofrem de endometriose; no entanto, especialistas acreditam que o número é significativamente maior devido à subnotificação, diagnóstico incorreto e falta de um método diagnóstico não cirúrgico e não invasivo. As mulheres esperam, em média, de 3 a 10 anos por um diagnóstico. Ainda, mulheres têm um risco 5 a 7 vezes maior de desenvolver a doença se um parente próximo tiver a patologia.

Dia Internacional da Higiene Menstrual

Leia também: Etiologia, fisiopatologia, sinais e sintomas da Endometriose.

 

Aspectos imunológicos da Endometriose

É bem estabelecido que a endometriose é uma condição inflamatória crônica e que o processo de desenvolvimento de lesões endometrióticas é análogo ao processo de cicatrização de feridas.

A doença se manifesta por respostas imunológicas celulares e humorais comprometidas, incluindo infiltração peritoneal com células imunológicas, ativação de macrófagos, respostas linfocitárias anormais e citotoxicidade das células naturais killer (NK) comprometida, bem como a produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias e reguladoras.

A endometriose também está associada à ativação policlonal dos linfócitos B e ao aumento da produção de autoanticorpos; no entanto, o papel desse fenômeno na patogênese da doença ainda é desconhecido.

Embora a interrupção da atividade citotóxica seja responsável pela sobrevivência das células endometriais na cavidade peritoneal, quantidades aumentadas de citocinas e fatores de crescimento promovem a implantação e o crescimento de implantes. Eles induzem a proliferação de células endometriais, iniciam a angiogênese e, através da quimiotaxia, garantem um fluxo constante de células mononucleares do sistema imunológico para a cavidade peritoneal.

A reação inflamatória que ocorre na cavidade peritoneal das mulheres com endometriose parece ser responsável pelos principais sintomas dessa doença, ou seja, dor (aumentada produção de citocinas e prostaglandinas) e infertilidade (aderências e cicatrizes, que são resultado de processos inflamatórios que podem danificar mecanicamente as trompas de falópio; também a doença inflamatória pélvica, prejudicando a foliculogênese, a qualidade dos óvulos, a fertilização e a implantação do embrião).

endometriose

Diversas teorias foram propostas para explicar a origem da endometriose, sendo a teoria da menstruação retrógrada de Sampson a mais aceita e, ao mesmo tempo, a mais antiga. Esta teoria presume que a endometriose ocorre devido ao fluxo retrógrado de células endometriais através das tubas uterinas durante a menstruação.

No entanto, foi demonstrado que esse processo ocorre em 90% das mulheres, enquanto a endometriose é diagnosticada em apenas 10% delas. Isso implica que deve haver um mecanismo que bloqueia o sistema imunológico de remover as células endometriais e, portanto, interfere na sua função, levando à implantação do endométrio ectópico e à formação de lesões.

 

Papel da apresentação de antígenos na endometriose

Diversas moléculas participam da apresentação de antígenos e devem ser investigadas quanto à influência no processo de endometriose, como:

– Aminopeptidases do retículo endoplasmático (ERAPs);

–  Transportadores associados ao processamento de antígenos (TAPs);

– Proteína relacionada à ligação do TAP (TAPBPR);

– Proteínas de baixo peso molecular do imunoproteassoma (LMPs);

– Leucil e cistinil aminopeptidase (LNPEP);

– Tapasina.

Essas moléculas podem influenciar na suscetibilidade, início e gravidade da endometriose. Esses componentes participam da via de processamento de antígenos via Complexo Principal de Histocompatibilidade I (MHC-I) e podem induzir mudanças significativas nos peptidomas ligados ao MHC-I que podem, por sua vez, influenciar a resposta das células imunológicas às células endometriais ectópicas.

MHC

Peptidomas alterados ou incorretos podem afetar a interação das células NK e dos linfócitos T com as células endometriais ectópicas.

Na superfície das células, existem receptores com função ativadora ou inibidora, como receptores semelhantes a imunoglobulinas killer (KIRs), receptores semelhantes a imunoglobulinas leucocitárias (LILRBs), receptores de citotoxicidade natural ou receptores semelhantes a lectinas de células killer. Esses receptores interagem com as células ectópicas, e a interação apropriada determina se as células do sistema imunológico removerão ou não a célula endometrial ectópica.

 

Indo um pouco mais além na biologia molecular

Inicialmente, a cadeia recém-sintetizada do MHC-I associa-se com diversas proteínas para manter sua estrutura intacta. Em seguida, a tapasina liga-se ao MHC I e facilita seu transporte pela TAP, um transportador no retículo endoplasmático.

Os peptídeos antigênicos estão no retículo endoplasmático, onde serão processados pelas aminopeptidases ERAP1 e ERAP2. Ocorre a junção do MHC I com os peptídeos antígenos, e eles podem seguir para a superfície celular, onde há a interação com os LT CD8 e NK.

endometriose

ERAP1 e ERAP2

Essas enzimas moldam criticamente o imunopeptidoma MHC-I: elas removem os resíduos N-terminais dos peptídeos precursores antigênicos e geram peptídeos de comprimento ideal para se encaixar no sulco da classe I do MHC.

Polimorfismos nesses genes podem influenciar a expressão de proteínas, sua atividade e especificidade de substrato, relacionando-se com uma predisposição para a endometriose.

A incapacidade de formar os complexos corretos de classe I do HLA com os peptídeos apropriados pode resultar em falta de resposta imunológica por linfócitos CD8+ e células NK, contribuindo para a fixação do endométrio ectópico em vários locais dos órgãos femininos.

Alguns polimorfismos dos genes ERAP1 e ERAP2 estão associados à falha de implantação recorrente após fertilização in vitro e ao aborto recorrente após concepção natural. Além disso, um nível aumentado de proteína ERAP2 no plasma foi associado ao aborto após fertilização in vitro. Deve-se notar que um grande grupo dessas pacientes eram mulheres que sofriam de endometriose.

Endometriose: potenciais alvos farmacológicos envolvendo MHC

LNPEP

LNPEP é outra aminopeptidase cujo papel no mecanismo patológico da endometriose ainda não foi elucidado. Está envolvida na geração de peptídeos antigênicos para apresentação cruzada no MHC I.

 

Tapasina

É uma proteína que liga moléculas da classe I do MHC ao TAP no retículo endoplasmático.

 

TAPBPR

TAPBPR é uma proteína de ligação MHC-I, que funciona como uma segunda chaperona específica de MHC-I e revisora de peptídeos.

 

TAP

TAP forma um poro transmembranar na membrana do retículo endoplasmático, onde direciona o carregamento de peptídeos de alta afinidade em moléculas nascentes do MHC-I.

 

LMPs

LMPS são proteassomas, ou seja, complexos de proteinase. Os proteassomas clivam peptídeos para que esses possam se ligar ao MHC I.

telomeropatias

Conclusão

Alterações genéticas e proteicas em componentes envolvidos no processamento de antígenos podem constituir locais potenciais para o desenvolvimento de muitas doenças, como a endometriose.

Além disso, a regulação farmacológica da atividade de elementos individuais na via de processamento de antígenos através do MHC-I é uma forma promissora de modular a resposta imune adquirida, com possíveis aplicações no tratamento da endometriose.

A inibição de aminopeptidases humanas já foi identificada como uma abordagem potencial para a terapia de diferentes tipos de câncer e doenças não malignas, indicando que esse alvo também poderia ter sucesso na endometriose.

consulta com ginecologista SOP

Referências:

NOWAK, I.; BOCHEN, P. The Antigen-Processing Pathway via Major Histocompatibility Complex I as a New Perspective in the Diagnosis and Treatment of Endometriosis. Archivum Immunologiae et Therapiae Experimentalis 72, 8 (2024), DOI: 10.2478/aite-2024-0008

 

Google search engine

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui