Ossos, pra que te quero?
Já imaginou como seríamos sem nossos ossos? Pessoas amorfas, sem sustentação e com dificuldade de locomoção, para dizer o mínimo. Eles se adaptam à nossa faixa etária, se reconstruindo constantemente ao longo de nossa vida. Quando jovens, mais ossos são formados. Mas depois dos 20 anos, a taxa de perda óssea pode superar a reposição deste tecido.
Entretanto, observar isso pode ser um desafio. Quando se trata de avaliar nosso sistema musculoesquelético, mais precisamente distúrbios ósseos, há falta de métodos disponíveis e eficientes. Por exemplo, para avaliar fraturas, os médicos contam com raio-X, obtendo dados pouco benéficos nos estágios iniciais do reparo. Outro exemplo, é o monitoramento da osteoporose. Nenhuma diretriz de prática clínica formal bem aceita está disponível para monitorar terapias anti-osteoporose. Os métodos atuais podem ser limitados por questões metrológicas e clínicas.
Além disso, lesões musculoesqueléticas estão entre as condições mais incapacitantes. Determinar o andamento da cicatrização destas lesões é crucial para tomar decisões clínicas corretas para os pacientes. E parece que há uma luz no fim do túnel, direto da Universidade do Arizona.
Um novo dispositivo
A equipe da Universidade do Arizona desenvolveu um dispositivo sem bateria, sem fio e ultrafino composto de sensores e optoeletrônicos chamado eletrônico de osseosuperfície (ou osseosurface electronic, do inglês). Como o nome sugere, é implantado diretamente nos ossos e fornece informações em tempo real da tensão óssea, termografia de resolução em milikelvin e aplicação de estimulação óptica de modelos em movimento. A má notícia? Os modelos testados ainda não incluem humanos.
Ainda assim, a arquitetura do dispositivo, que permite funcionamento sem bateria, adesão por meio de partículas de cerâmica de fosfato de cálcio que acompanha o crescimento ósseo, demonstração de cirurgias em tecidos profundos em modelos animais e leitura com smartphone destacam características adequadas para pesquisa exploratória e utilidade como plataforma diagnóstica e terapêutica.
Resultados encorajadores
Deixaremos de fora a análise da engenharia e sistema do dispositivo. Abordaremos os resultados obtidos com os testes in vivo em roedores. Antes de mais nada, é importante ressaltar que o projeto recebeu aprovação do Comitê Institucional de Uso e Cuidado de Animais da Universidade do Arizona para a realização dos testes.
Os primeiros testes foram importantes para identificar falhas de funcionamento do dispositivo, as quais foram posteriormente corrigidas. A recuperação pós-cirurgia foi avaliada pela medição da temperatura pelo biossensor. A equipe observou queda da temperatura local durante os primeiros 30 minutos após a implantação (resposta esperado por conta da anestesia). Após a recuperação da anestesia, a temperatura do membro permaneceu dentro da faixa normal.
O dispositivo também foi capaz de registrar o perfil de tensão óssea dos animais em movimento em esteiras. Foram identificados quatro pontos distintos durante um ciclo de marcha: (1) midstance, (2) lift-off, (3) mid-swing e (4) touch-down. Além disso, os implantes eletrônicos osseosuperfície não afetam a marcha. Mesmo após o implante, as características espaço-temporais da marcha, como frequência e comprimento da passada, são mantidas.
Fonte: Cai, L., et al. (2021). https://doi.org/10.1038/s41467-021-27003-2
Através da análise histológica, foi verificado que a implantação do dispositivo não desencadeou resposta inflamatória nos animais, mesmo após duas semanas a cirurgia. Também não foi observado incômodo no animal pelo dispositivo implantado. O bem-estar dos animais foi observado pelo ganho de peso constante 2 dias após a cirurgia até o encerramento do estudo.
Por fim, talvez o mais surpreendente: a leitura dos dados do dispositivo podem ser feitas com um smartphone. Através da tecnologia NFC (Near Field Communication), a mesma que permite o pagamento de tarifas pela aproximação do cartão de cŕedito, o aparelho celular fornece a energia necessária e se comunica com o biossensor, mesmo implantado sob a pele.
Fonte: Cai, L., et al. (2021). https://doi.org/10.1038/s41467-021-27003-2
Eu, Robô?
Este talvez seja o primeiro passo para o desenvolvimento de um dispositivo capaz de avaliar a saúde dos ossos de forma eficaz e em tempo real. A arquitetura do dispositivo permite que sua implantação em pacientes possa ser facilmente integrada aos procedimentos cirúrgicos ortopédicos existentes. Além disso, a possibilidade de leitura pelo smartphone permite uma solução imediata para monitorar a reabilitação pós-fratura e gerenciar as condições musculoesqueléticas, por exemplo.
Enquanto isso, a adesão por cerâmica de fosfato de cálcio permite o funcionamento do dispositivo por muitos anos, sem a necessidade de cirurgia secundária. Se funcionar em humanos, o dispositivo permitirá a aquisição de dados do estado de saúde óssea, possibilitando um intervenção terapêutica personalizada para facilitar o tratamento e a reabilitação do paciente. Fiquemos na torcida.
______________________________________________________________________
Referências:
Molly S. Brett. Bone-Mineral Density Monitoring During Osteoporosis Treatment. 2021.