Depressão e inflamação: uma relação independente de fatores genéticos, psicossociais ou hábitos de saúde

Já não é de hoje que os estudos indicam uma desregulação de processos inflamatórios no transtorno depressivo maior.

Um estudo publicado na American Journal of Psychiatry, uma revista de alto impacto científico (19.2), buscou avaliar a relação entre depressão e inflamação, e identificou que pacientes depressivos possuem níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias e da Proteína C Reativa (PCR).

Falamos em um artigo anterior aqui no portal sobre a PCR ser um biomarcador na depressão (se você perdeu, confira aqui). Mas será que essa associação ocorre através de fatores ambientais, de hábitos de vida ou critérios médicos? A genética é a responsável por essa relação? Ou ainda, há uma associação direta entre inflamação e depressão?

PCR elevada e pacientes depressivos: qual a relação?

Através de um biobanco no Reino Unido, constituído por 86 mil participantes, o estudo de Pitharouli e colaboradores buscou avaliar a relação entre depressão e níveis de PCR, utilizando dados genéticos e fenotípicos. A pergunta central seria: existe relação entre a doença e a inflamação? Caso exista, ela ocorre devido a fatores secundários, como genética e hábitos de vida?

Os principais resultados encontrados pelo estudo foram:

  • Os níveis de PCR estavam mais elevados em pacientes depressivos;
  • Pacientes com transtorno depressivo tinham as seguintes características em relação aos indivíduos controle:
    • 2,5 anos mais novos;
    • Geralmente mulheres;
    • IMC mais alto;
    • Estado socioeconômico mais baixo;
    • Apresentavam histórico de trauma na infância com maior frequência;
    • Possibilidade maior de serem fumantes;
    • Mais doenças auto reportadas;
  • Os níveis de PCR foram associados a idade, sexo, IMC, hábito de fumar e comorbidades;
  • Análises de escore de risco verificaram que há fatores genéticos envolvidos na relação entre transtorno depressivo e PCR;
  • Histórico de trauma na infância estava associado à PCR.

depressão

De acordo com as análises realizadas, o estudo observou que a contribuição genética para o aumento da inflamação na depressão se deve mais a uma regulação dos hábitos de alimentação e fumo do que a uma predisposição genética “autoimune”.

Isso foi observado através de uma análise de escore de risco: ao considerar o IMC e o consumo de tabaco como fatores de risco, a associação entre depressão e inflamação perde força.

Tal achado é consistente com estudos anteriores que encontraram uma forte associação entre transtorno depressivo e IMC, bem como com consumo de tabaco. Ou seja, há um componente genético subjacente ao aumento da inflamação na depressão, mas por genes que regulam o tabagismo, a alimentação e talvez outros comportamentos, e não a uma predisposição autoimune genética.

Além disso, o aumento da inflamação observado em pacientes depressivos é apenas parcialmente explicado por fatores clínicos e sociodemográficos como idade, sexo, IMC, consumo de álcool e tabaco, exposição à trauma na infância, estado socioeconômico e estado de saúde auto reportado (incluindo a utilização de antidepressivos ou anti-inflamatórios ou ter uma doença autoimune).

alcoolismo depressão

Podemos dizer que há um “subtipo imunológico” da depressão?

De 20 a 30% dos pacientes com transtorno depressivo maior apresentam valores de PCR > 3 mg/L. Esse dado pode chegar até 45% quando falamos de pacientes depressivos com excesso de peso e resistentes ao tratamento.

Pacientes depressivos possuem aumento dos fatores de risco clínicos e psicossociais para inflamação. Ainda, a inflamação já foi associada a histórico de trauma no início da vida, assim como a problemas de saúde – doenças cardiovasculares, diabetes e câncer.

A depressão pode estar associada a um aumento do índice de massa corporal (IMC), e o excesso de peso contribui para a inflamação crônica de baixo nível (entretanto, não necessariamente a associação precisa ocorrer através do IMC).

Fatores genéticos podem estar envolvidos na associação entre depressão e inflamação, sendo que o transtorno depressivo maior pode estar frequentemente associado com desordens autoimunes. Estudos com genes candidatos mostram que componentes genéticos do sistema imune estão associados a um risco aumentado para um tipo de depressão mais severa e resistente ao tratamento.

Alguns estudos sugerem que a PCR possa ter um papel causal na depressão, sendo que o nível sanguíneo dessa proteína possui uma correlação positiva com seus níveis no fluido cérebro-espinhal. Dessa maneira, a PCR poderia ser um biomarcador que explique como o aumento da inflamação influencia na depressão.

Como já mencionamos no artigo anterior, como um biomarcador bem caracterizado de inflamação sistêmica, a PCR é facilmente avaliada em ambientes clínicos de rotina. A medição altamente sensível da PCR está prontamente disponível na maioria dos laboratórios de bioquímica médica, e seus níveis são geralmente estáveis em amostras biológicas armazenadas.

teste de coombs indireto depressão e inflamação

O que podemos concluir?

O histórico de trauma na infância, estado socioeconômico e doenças autorreportadas explicam grande parte – mas não tudo – da associação entre depressão e altos níveis de PCR. Entretanto, uma associação significativa entre depressão e níveis de PCR permanece, mesmo realizando análises com diversos fatores de confusão.

Agora, sabe-se que não são fatores genéticos intrínsecos que estão mediando essa associação, visto que o efeito dos genes desaparece quando consideramos na análise o IMC e o consumo de tabaco. Então, o que está gerando esse aumento de inflamação na depressão?

Obviamente, fatores não mensurados/não conhecidos podem estar atuando. Embora o biobanco possua uma amostra muito ampla, alguns dados podem estar incompletos. Além disso, fatores não capturados podem gerar influência, como exposição a depressão materna no útero, falta de uma alimentação saudável e de rotina de exercícios físicos ou infecções severas.

Entretanto, uma possível explicação é que o aumento da inflamação pode ser um componente biológico central do fenótipo depressivo, como parte da ativação de caminhos moleculares relacionados ao estresse. Dessa maneira, é possível que haja uma associação direta entre inflamação e depressão.

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Mesmo que a biologia explique a relação entre inflamação e depressão (e de fato, explica!), é importante dar peso para as explicações mais reconhecidas, como o excesso de hábitos pouco saudáveis, contexto socioeconômico mais adverso, ou mais problemas de saúde, e não apenas “culpar a inflamação”.

Ainda, se de fato seja possível identificar um “subtipo” de transtorno depressivo inflamatório, seria possível prever melhor a gravidade da doença e a eficácia do tratamento.

Referências:

PITHAROULI, M. C. et al. Elevated C-Reactive Protein in Patients With Depression, Independent of Genetic, Health, and Psychosocial Factors: Results From the UK Biobank. Am J Psychiatry, v. 178, n.6, 2021.

Transtorno depressivo imunometabólico: um subtipo menos conhecido de depressão. Medscape – 17 de abril de 2023. https://portugues.medscape.com/verartigo/6509447#vp_1

 

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