CRISPR: Vamos modificar seu código de barras?

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É tudo culpa do DNA?

Você consegue enrolar a língua? Você tem covinhas? Você sente um gosto muito amargo de algumas verduras?

Bom, as respostas estão escritas em seu DNA, junto com uma série de outras informações que fornecem certas características, habilidades e suscetibilidades. Seu DNA também contém informações sobre sua saúde – tanto seu estado atual quanto suas chances de desenvolver certas doenças.

O teste genético pode dizer se você tem certos genes relacionados a maiores chances de ter doenças. Em alguns casos, esse conhecimento pode ajudá-lo a tomar decisões sobre prevenção. Mas de que adianta saber suas chances de ter doenças como degeneração macular, Huntington, Parkinson ou Alzheimer se você não pode (pelo menos atualmente) evitá-las definitivamente?

Agora, considere o seguinte: e se um procedimento pudesse mudar o DNA que diz que você provavelmente desenvolverá uma doença específica? Ou alterar o DNA que causou a doença com a qual você está vivendo agora? Incrível, né?! E se eu contar que isso já faz parte do trabalho de diversos cientistas. Eles estão usando uma nova técnica de edição de genes chamada CRISPR/Cas9 – ou simplesmente CRISPR – para modificar o DNA de animais e plantas, e até mesmo células humanas em placas de Petri e em ensaios clínicos.

Te deixei sem palavras? Pois é, e foi exatamente por desenvolver a técnica CRISPR que duas mulheres e cientistas, as Doutoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, foram merecidamente laureadas com o Prêmio Nobel de Química 2020.

CRISPR

Como funciona a técnica CRISPR ou “tesoura molecular”?

Para entender, precisamos relembrar a biologia das nossas células. Bom, quase todas as nossas células possuem um genoma. O genoma é o conjunto completo de DNA que nos torna único. Pense nele como seu código de barras individual.

Para editar seu DNA, as cientistas usam um processo que observaram na bactéria E. coli. A E. coli possui um sistema imunológico integrado que a permite destruir os vírus que podem tentar atacá-la – SIM, os vírus também atacam bactérias. Como proteção contra infecções as bactérias memorizam as sequências de DNA de invasores anteriores para que, quando eles retornem, o sistema imunológico esteja precisamente preparado para eliminá-los (Algo, parecido com a produção de anticorpos do nosso sistema imune).

Para criar esse instantâneo genético, a bactéria rouba fragmentos do código genético do intruso, chamados espaçadores. Elas então colam essa sequência em seu próprio DNA, e começam a fazer cópias, ou moléculas de cadeia única conhecidas como RNA. Essas moléculas de RNA CRISPR agem como um guia para detectar a sequência viral quando ocorre uma nova infecção.

Uma outra peça da maquinaria CRISPR, é a enzima que atua como tesoura molecular (a Cas9 é a mais conhecida). Enquanto a sequência CRISPR reconhece o invasor, a Cas9 corta o vírus e o destrói para que ele não possa se replicar.

Sendo assim, CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) nada mais é que um acrônimo, que significa repetições palíndrômicas curtas regularmente interespaçadas agrupadas. “Palíndromo” significa qualquer sequência que lê o mesmo para a frente e para trás. O termo é utilizado para nomear a região do genoma das bactérias caracterizada pela presença de sequências curtas e repetidas, que foram adicionadas após uma invasão.

Baseado nesse mecanismo de defesa das bactérias, os cientistas descobriram como informar a essas enzimas (Cas9 e outras) a sequência a ser editada em um genoma. Eles utilizam um RNA construído e sintetizado em laboratório (imitando a sequência da memória de bactérias) para conduzir a enzima Cas9 até uma região de interesse do genoma a ser cortada e modificada. O RNA sintetizado é chamado de RNA guia ou sgRNA, justamente porque ele vai guiar a cas9 até a região de interesse.

As células possuem mecanismos naturais de reparo de sequência de DNA, que são ativados toda vez que este é danificado. Uma vez que o DNA é cortado pela proteína Cas9, o sistema de reparo dessa célula é ativado e vai “consertar” o fragmento alvo. Esse reparo pode acontecer por recombinação homóloga ou não homóloga.

Na recombinação homóloga a célula utiliza um molde de fragmento de DNA, que pode ser natural da célula ou exógeno. Neste caso é possível inserir genes. Já na recombinação não homóloga a célula apenas une as duas extremidades do fragmento de DNA. Neste caso é possível inativar genes. Esse tipo de edição de genes, funciona como um software de processamento de texto para excluir ou corrigir um erro de digitação, podendo desligar um gene ou alterar a ordem de suas letras do genoma.

Os cientistas utilizam desse mecanismo de reparo de DNA embutido da célula para, então, introduzir as mudanças que desejam fazer no genoma.  Sendo assim, a técnica pode ser utilizada em um universo de organismos, seja células vegetais, animais e humanas para alterar partes que podem causar doenças ou outros problemas.

UFA! Quanta coisa e que complexidade!!! Essa imagem resume de uma forma bem simples:

CRISPR

Já estamos modificando células humanas?

A verdade é que SIM, mas tudo dentro da ética. Existem diferentes ensaios laboratoriais utilizando a técnica CRISPR para uma variedade de doenças como Alzheimer, doença de Huntington e câncer.

Em 2020, foi a primeira vez que os médicos usaram o CRISPR dentro de um corpo humano vivo, ou edição de genes “in vivo”. Médicos em Oregon pingaram um líquido incorporado com a ferramenta CRISPR na retina de um adulto que nasceu com um tipo raro de cegueira hereditária. As gotas foram projetadas para reparar um gene chamado CEP290 para restaurar a visão.

Indiscutivelmente, CRISPR é um meio para um objetivo racional: consertar, curar ou reverter mutações genéticas que causam doenças ou de outra forma prejudicam vidas. As terapias genéticas mais antigas tratavam principalmente doenças. Mas o CRISPR oferece uma promessa muito mais carregada: a capacidade de banir doenças hereditárias do pool genético.

Os cientistas já demonstraram com ratos que o CRISPR pode conter os sintomas da síndrome do X frágil, uma causa genética do autismo que pode levar a uma sensibilidade severa à luz e ao som e a comportamentos obsessivos e repetitivos. O CRISPR também curou cães da distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara de perda de massa muscular que afeta principalmente meninos.

Tratamentos semelhantes para humanos não estão longe. E poucas pessoas podem antecipar esse futuro com mais ansiedade do que os pais de crianças com doenças congênitas devastadoras.

Porém, esse futuro pode vir com consequências não intencionais ou “efeitos off target (fora do alvo)”. O que isso quer dizer? Por mais cuidadosos que os cientistas sejam, o organismo humano é complexo e ao alterar uma única molécula podemos gerar respostas contraditórias de outros sistemas e órgãos.

Além disso, não existe um total controle da ligação do CRISPR com a região especifica de interesse, esse por alguma razão, pode se ligar em outras regiões e provocar alterações não programadas. Por isso, são necessários muitos estudos antes de aplicar a técnica indiscriminadamente. Voltaremos a discutir os riscos do CRISPR em um outro post.

 

 

O objetivo da ciência é a busca pela melhor qualidade de vida e cura de doenças, e sendo bem aplicada, a técnica de CRISPR pode trazer inúmeros benefícios de uma maneira mais simples, rápida, eficaz e barata para todo o sistema.

Ah e vale a pena lembrar que a técnica não traz benefícios somente para a área de saúde, mas também para agricultura e agropecuária. Mas como somos voltados para área de saúde vamos encerrar a discussão por aqui.

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Referências

Collins, Sonya. CRISPR: Is It Possible to Remove Disease From DNA?

Marshall, Lisa. CRISPR and the End of Genetic Diseases: The promise and perils of a life-changing gene splicer.

Bezerra, Mirthyani.  Entenda o que é Crispr, a técnica que deu o Nobel a dupla de mulheres.

CropLife. CRISPR: A surpreendente técnica de edição genética.

Xiao-Jie L, Hui-Ying X, Zun-Ping K, Jin-Lian C, Li-Juan J. CRISPR-Cas9: a new and promising player in gene therapy. J Med Genet. 2015 May;52(5):289-96. doi: 10.1136/jmedgenet-2014-102968. Epub 2015 Feb 24. PMID: 25713109.

 

 

 

 

 

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