A pandemia de COVID-19 tem sido o grande foco dos estudos atuais. Com o avanço das pesquisas, já foi possível observar os efeitos indiretos do coronavírus. Além da doença respiratória, o vírus pode induzir alterações histopatológicas ou funcionais em vários órgãos, como os testículos, e questões de fertilidade são levantadas.
Orquite em pacientes com COVID-19
Alguns estudos evidenciaram a presença de orquite em pacientes infectados por coronavírus. Parece que a alta temperatura resultante da febre persistente e o desenvolvimento de uma resposta autoimune secundária pode levar ao desenvolvimento da condição.
Estudos anteriores já tinham evidenciado orquite por infecção por vírus da família SARS. Por compartilharem cerca de 80% de homologia genética, era previsto o mesmo efeito por Sars-Cov-2. Além disso, já foram relatadas queixas genitais e desconforto escrotal em quase 20% dos pacientes com COVID-19.
Na tentativa de buscar respostas, um grupo conduziu um estudo com 81 homens em idade reprodutiva com infecção por coronavírus e 100 homens saudáveis de mesma idade. Eles encontraram níveis significativamente elevados de hormônio luteinizante (LH) em todos os pacientes com COVID-19. Ainda, uma redução relação testosterona/LH e hormônio estimulador de folículo (FSH)/LH. Dessa forma, foi sugerido um possível hipogonadismo.
No entanto, esse estudo teve diversos vieses, sendo o primeiro deles (e talvez o mais relevante) a coleta de amostras: os pacientes e controles não tiveram coletas no mesmo horário do dia. E sabemos que os níveis hormonais variam muito ao longo do dia!
Ainda, não é possível afirmar se as alterações encontradas se devem a um efeito direto ou indireto do coronavírus nos testículos. Como já mencionamos, a febre alta e persistente na COVID-19 pode afetar as células germinativas.
Receptores ACE2 no tecido testicular?
Já foi identificado que para a entrada do coronavírus na célula é necessária a interação entre o receptor ACE2 e a proteína viral Spike. Inclusive, é por essa razão que o desenvolvimento de muitas vacinas teve como alvo essa proteína.
Do outro lado da moeda, temos o receptor ACE2 expresso em outros órgãos não relacionados ao trato respiratório, como testículos. Alguns estudos demonstraram alta expressão de ACE2 em espermatogônias, células de Leydig e células de Sertoli. Dessa forma, o interesse pela relação entre a infecção por coronavírus e a fertilidade masculina foi questionada.
ACE2 catalisa a geração da molécula vasodilatadora angiotensina 1‐7 a partir da angiotensina II (ao separar a fenilalanina e a Ang 1‐9 da angiotensina I). Como a angiotensina II, também a Ang1 ‐7 precisa de um receptor para demonstrar sua função e este receptor é denominado como MasR.
Ta mas e daí?
Depois da ligação do coronavírus em ACE2, a expressão desse receptor é reduzida na membrana das células. Essa regulação causa uma diminuição da conversão de angiotensina II em Ang1-7 – resultando em aumento da angiotensina II. Em geral, esse evento é acompanhado pelo estresse respiratório, inflamação e possíveis alterações miocárdicas.
Acontece que tanto Ang1-7 quanto seu receptor (MasR) já foram identificados com alta expressão no testículo humano, em túbulos seminíferos, no compartimento intersticial e principalmente células de Leydig. Mas como vimos, na infecção por coronavírus, há uma redução de Ang1-7, e não se sabe exatamente como essa falta pode afetar na fertilidade masculina.
O mesmo acontece com TMPRSS2?
Uma vez que a proteína spike se ligou ao receptor ACE2, a protease transmembrana serina 2 (TMPRSS2) na superfície da célula hospedeira cliva a spike em duas subunidades. Isso permite a entrada e liberação do RNA viral para que a replicação e transcrição do genoma viral possam começar. Dessa forma, TMPRSS2 é tão importante quanto ACE2 para a entrada viral nas células.
Já foi visto que, assim como ACE2, TMPRSS2 é expresso em testículos, espermatogênias, células de Leydig e células de Sertoli (e também no endométrio e na placenta). No tecido prostático, sua expressão é aumentada.
Então qual a conclusão?
Mas vamos com calma! Não podemos fazer afirmações diretas, nem confirmar o tropismo do coronavírus para tecidos testiculares. Até porque, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!”.
Até agora, o coronavírus só foi identificado no sêmen em apenas quatro casos de pacientes com a COVID-19 em fase aguda, e esses dados ainda são bem controversos. Não podemos extrapolar para uma atividade sistêmica nos receptores ACE2 e TMPRSS2.
Até o momento podemos apenas dizer que: os receptores ACE2 e TMPRSS2 desempenham um papel muito importante na entrada celular do Sars-CoV-2, e que o sistema genital masculino apresenta elevada expressão destes receptores.
E claro, é importante destacar: até o momento não houve nenhum estudo indicando efeitos adversos e os impactos das vacinas na fertilidade masculina; até mesmo as vacinas de vírus inativado!
Mas de fato, os dados disponíveis são relevantes e as descobertas preliminares sugerem que COVID-19 pode impactar a saúde reprodutiva dos homens. Ainda é prematuro tirar conclusões definitivas, mas já fica o alerta. Vamos aguardar novos estudos.
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Referências: