O café é o estimulante central mais consumido em todo o mundo, e foco de diversos estudos. Nesse artigo, vamos comentar sobre um trabalho publicado em março desse ano, que observou um aumento do colesterol total de consumidores de café expresso.
Consumos diferentes, desfechos diferentes.
Antes de começar, vale destacar: os trabalhos com o consumo de café são sempre muito controversos e incluem vieses. É importante analisar com cuidado cada desfecho encontrado. Uma variável importante a ser analisada dentro dos trabalhos é quando a forma de consumo.
O café tradicional fervido, feito com a fervendo água junto com café moído (de forma grosseira) em um bule já foi associado a um aumento significativo do colesterol. Já o filtrado parece não ter o mesmo impacto.
Os grãos contêm diversas substâncias, dentre elas os diterpenos e cafestois, responsáveis por aumentar os níveis séricos de colesterol. O método de extração do café afeta significativamente o teor dessas substâncias – quanto mais filtrado, menor o teor na infusão final.
Café e colesterol: mocinho ou vilão?
O consumo moderado de café, de acordo com as Diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), não é prejudicial à saúde. É por essa razão que a maioria dos estudos avalia desfechos em consumo excessivo.
No Guideline da ESC há uma nota quanto a possibilidade do aumento de risco de morte por doenças cardiovasculares em 25% em consumidores excessivos de café não filtrado (>9 copos/dia). Há destaque para o cafestol, responsável pelo aumento dos níveis de LDL.
Nesse sentido, o trabalho publicado em março desse ano foi coerente em avaliar o consumo de café expresso, até então sem recomendações específicas de consumo.
O estudo em questão faz parte de um dos mais abrangentes da Noruega (chamado Estudo Tromsø), que desde 1974 até 2016 foi repetido a cada 6 ou 7 anos. Esse trabalho específico incluiu 21.083 participantes da última rodada, de 2015 a 2016.
Os dados foram coletados na forma de questionário, incluindo consumo da bebida (0, 1-2, 3-5 ou mais de 6 copos ao dia), e qual o tipo consumido. Exames físico e laboratorial também foram realizados.
Como primeiros resultados, os pesquisadores observaram que o consumo da bebida é maior em homens do que em mulheres, e em pessoas mais velhas (em comparação aos não consumidores). Aqueles participantes que consumiam excessivamente eram consumidores mais ‘diurnos’.
Quanto ao desfecho buscado no objetivo principal do trabalho, os autores observaram que o consumo moderado de café expresso esteve associado a um aumento de 0,13 mmol/L (IC 0,04-0,23) do colesterol sérico total. Ao consumir 3-5 copos ao dia, homens apresentaram um aumento de 0,16 mmol/L, enquanto mulheres apresentaram um aumento mais discreto no colesterol total (0,09 mmol/L).
O tipo fervido (água e café juntos) e o filtrado apresentaram o mesmo sentido de associação, mas apenas em consumidores excessivos (>6 copos ao dia), como já era esperado.
Questionamentos importantes
O trabalho apresentou resultados significativos em um número grande de indivíduos avaliados. Ainda, os resultados encontrados para outros tipos de consumo, além do expresso, foram validados e corroborados por estudos anteriores. Mas não podemos deixar de comentar alguns vieses importantes – inclusive mencionados pelos autores.
Os dados foram avaliados no formato de questionário, o que inclui “copos de café”. Esse valor pode variar de forma individual, e de forma regional. No Brasil, por exemplo, a medida padrão de um expresso é 25 – 30 mL, enquanto na Noruega essa medida pode ser até quatro vezes maior. Será que 3 a 4 expressos noruegueses não são considerados excessivos?
Além disso, a composição de cada tipo de café pode ser diferente, a depender da sua fabricação e espécie. Os subtipos “arábica” e “robusta”, por exemplo, contêm quantidades de substâncias capazes de alterar o colesterol consideravelmente diferentes.
Considerações finais – não devemos tirar conclusões definitivas
Como mencionamos no início desse artigo, é importante ressaltar que estudos como esse incluem muitos vieses. A maioria dos estudos compara uso excessivo vs. uso nenhum, e há diversos desfechos diferentes quanto ao consumo de café. Cada trabalho deve ser avaliado com muita cautela.
Mas então, como devemos utilizar esse tipo de trabalho na prática?
O objetivo principal desse tipo de estudo é tentar elucidar os componentes presentes no café (ou em qualquer outro produto consumido), e se há um impacto na saúde quando consumidos em doses moderadas.
Ainda, é importante estar atento ao consumo em indivíduos geneticamente predispostos ou em condições de hipercolesterolemia, nos quais os efeitos do café podem ser mais proeminentes.
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Referências:
Svatun ÅL, Løchen M, Thelle DS, et al. Association between espresso coffee and serum total cholesterol: the Tromsø Study 2015–2016. Open Heart 2022;9:e001946. doi: 10.1136/openhrt-2021-001946
Visseren FLJ, Mach F, Smulders YM, et al. ESC National Cardiac Societies; ESC Scientific Document Group. 2021 ESC Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. Eur Heart J. 2021 Sep 7;42(34):3227-3337. doi: 10.1093/eurheartj/ehab484. PMID: 34458905.