

O rastreamento do câncer de mama foi tema central de uma mesa redonda no 62º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, que abordou também a aplicação do sistema BI-RADS na prática clínica.
Os especialistas revisaram as diretrizes atuais de detecção precoce e destacaram a falta de consenso entre as principais entidades médicas sobre as melhores estratégias de rastreamento.
Ainda há divergências em relação a idade mínima para rastreamento do câncer de mama no Brasil
Durante o 62º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, uma mesa redonda abordou temas fundamentais para a prática ginecológica relacionados ao rastreamento do câncer de mama e à aplicação do sistema BI-RADS na rotina clínica.
A sessão foi coordenada pela Dra. Maria Júlia Gregório Calas, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia – Regional Rio de Janeiro, e contou com discussões aprofundadas sobre mama densa, críticas aos atuais protocolos de rastreamento do câncer de mama e aspectos técnicos do BI-RADS ultrassonográfico.
Os especialistas destacaram as diretrizes vigentes para detecção precoce do câncer de mama, ressaltando que ainda não há um consenso unificado entre as principais entidades.
Atualizações do 62º Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia
Em resposta a essa lacuna, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em parceria com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), elaborou recomendações próprias, consideradas mais eficazes para a realidade brasileira.
Entre os principais pontos, está a divergência em relação à idade de início da mamografia. Enquanto o Ministério da Saúde indica o início do rastreamento do câncer de mama aos 50 anos, as entidades médicas defendem sua realização a partir dos 40 até os 74 anos, enfatizando o impacto positivo dessa conduta na detecção precoce e na redução da mortalidade.
A Dra. Hilka Flávia Barra do Espírito Santo Alves Pereira, vice-presidente da FEBRASGO na Região Norte, enfatizou a importância de estratégias específicas para mulheres com alto risco para câncer de mama — como aquelas com história familiar positiva, mutações genéticas conhecidas ou exposição a fatores de risco cumulativos. Ela ressaltou que o rastreamento do câncer de mama intensificado pode ser determinante para o diagnóstico em estágios iniciais, com maior chance de cura.
Além disso, reforçou a necessidade de políticas de conscientização populacional, incentivo a hábitos saudáveis e garantia de acesso equitativo aos exames e serviços de saúde.
O Dr. Alexandre José Calado Barbosa, presidente da FEBRASGO Regional Alagoas, trouxe à discussão a abordagem adequada das pacientes com mamas densas, reconhecidamente um desafio diagnóstico. Ele propôs a estratificação das pacientes em risco habitual e alto risco.
Para aquelas em risco habitual, recomendou-se mamografia anual associada, quando necessário, à ultrassonografia e ressonância magnética. Já para pacientes de alto risco, a inclusão rotineira da ressonância magnética anual foi destacada como estratégia complementar ao rastreamento mamográfico.
O especialista também ressaltou a importância da avaliação mamária durante a gestação, considerando a complexidade das alterações fisiológicas da mama nesse período e o risco de diagnósticos tardios.
No que se refere ao sistema BI-RADS mamográfico, o Dr. Alexandre enfatizou a relevância da padronização dos laudos para garantir uma comunicação clara entre os profissionais, orientar condutas baseadas em evidência e permitir auditorias de qualidade. A adequada interpretação das categorias BI-RADS é essencial para o manejo clínico eficaz.
O Dr. Gil Facina, presidente do Conselho Científico da Sociedade Brasileira de Mastologia, apresentou uma análise crítica das políticas de rastreamento em vigor, abordando tópicos como cobertura populacional insuficiente, riscos de sobrediagnóstico e o papel central do ginecologista nesse cenário.
Segundo ele, é imprescindível que o ginecologista compreenda e utilize o BI-RADS de forma sistemática, saiba estratificar o risco individual da paciente e esteja apto a fornecer aconselhamento qualificado sobre diagnóstico e tratamento.
Por fim, a Dra. Maria Júlia Gregório Calas discutiu as indicações e limitações do uso da ultrassonografia mamária, com foco no contexto ginecológico. Ela esclareceu que, em mulheres de risco habitual, o método não deve ser utilizado isoladamente como ferramenta de rastreamento. Além disso, destacou pontos específicos:
- Mulheres com menos de 30 anos, geralmente com lesões benignas, não devem ser submetidas a exames periódicos de imagem de rotina;
- Em pacientes na pós-menopausa, nódulos novos merecem atenção especial, dada a maior probabilidade de malignidade;
- A ressonância magnética não deve ser empregada como substituta da biópsia em lesões BI-RADS 3 identificadas pela ultrassonografia, nem como método de controle dessas alterações.
A mesa redonda reforçou a necessidade de atualização constante dos profissionais ginecologistas quanto aos protocolos de rastreamento do câncer de mama e ao uso apropriado dos recursos diagnósticos, visando sempre à detecção precoce e à conduta adequada frente às alterações mamárias.
Quais são as diretrizes para Rastreamento do Câncer de Mama no mundo?
As diretrizes para o início do rastreamento do câncer de mama variam entre as diferentes organizações mundiais, mas há um consenso sobre algumas recomendações.
De acordo com a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (USPSTF), o rastreamento bienal com mamografia deve começar aos 40 anos para mulheres com risco médio, com base em modelos que mostram uma redução moderada na mortalidade por câncer de mama.
A American College of Radiology e a Society of Breast Imaging recomendam o início do rastreamento anual aos 40 anos para mulheres com risco médio, sem limite superior de idade, a menos que comorbidades severas limitem a expectativa de vida.
A American Cancer Society sugere que mulheres com risco médio comecem o rastreamento regular aos 45 anos, com a opção de iniciar entre 40 e 44 anos, e que mulheres de 45 a 54 anos sejam rastreadas anualmente. Após os 55 anos, recomenda-se a transição para o rastreamento bienal, com a opção de continuar anualmente.
Para mulheres com histórico familiar de câncer de mama, recomenda-se considerar o início do rastreamento do câncer de mama 5 a 8 anos antes da idade em que o parente foi diagnosticado, especialmente se o diagnóstico ocorreu antes dos 45 anos. Além disso, mulheres com mamas densas podem se beneficiar de estratégias de rastreamento adaptadas à densidade mamária, começando aos 40 anos.
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Referências:
62° CBGO 2025: Recomendações para a Ginecologia sobre rastreamento do câncer de mama. Sexta, 16 Maio 2025.
CDC – Screening for Breast Cancer. https://www.cdc.gov/breast-cancer/screening/index.html
US Preventive Services Task Force et al. “Screening for Breast Cancer: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement.” JAMA vol. 331,22 (2024): 1918-1930. doi:10.1001/jama.2024.5534