O câncer de pâncreas possui uma alta taxa de letalidade: 88% dos pacientes não sobrevivem à patologia. Nesse contexto, um estudo publicado na Nature em maio desse ano destacou que esse câncer abriga neoantígenos que podem ser alvo para vacinas.
Os pesquisadores apontam que a vacina contra câncer de pâncreas é promissora quando combinada a atezolizumabe e mFOLFIRINOX para a melhora da sobrevida livre de recorrência.
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Observações recentes mostram que carcinomas pancreáticos podem apresentar mais neoantígenos do que o previsto
O único tratamento curativo para adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) é a cirurgia e, mesmo assim, quase 90% dos pacientes apresentam recorrência da doença em 7 a 9 meses, além de a taxa de sobrevivência de 5 anos ser de apenas 8 a 10%.
Embora as quimioterapias adjuvantes com múltiplos agentes consigam atrasar a recorrência e sejam o cuidado padrão no câncer de pâncreas ressecado cirurgicamente, quase 80% dos pacientes têm recorrência da doença em torno de 14 meses, e a sobrevida de 5 anos é inferior a 30%. Radioterapia, medicamentos e terapias direcionadas também são ineficazes.
Os tumores de pâncreas são quase completamente insensíveis (taxa de resposta inferior a 5%) aos inibidores de checkpoint imunológico. Essa insensibilidade é parcialmente atribuída ao fato de que os tumores de pâncreas têm uma baixa taxa de mutação que gera poucos neoantígenos, tornando os tumores fracos em termos de antigenicidade com poucas células T infiltrantes.
No entanto, observações recentes mostraram que a maioria dos carcinomas pancreáticos, na verdade, abriga mais neoantígenos do que previamente identificado. Além disso, estudos de longo prazo com sobreviventes revelaram que neoantígenos podem estimular células T nos PDACs.
Tumores primários enriquecidos em neoantígenos imunogênicos também abrigam cerca de 12 vezes mais células T CD8+ ativadas, o que se correlaciona com um atraso na recorrência da doença e maior sobrevida do paciente.
Assim, como a maioria das neoplasias de pâncreas abriga neoantígenos com potencial para estimular células T, estratégias para entregar neoantígenos podem induzir células T específicas e afetar os resultados dos pacientes.
Vacina contra câncer de pâncreas: entenda o estudo
Baseado na observação de que pacientes com câncer de pâncreas que sobrevivem a longo prazo desenvolvem respostas espontâneas de células T contra neoantígenos específicos do tumor (ou seja, neoantígenos que não são compartilhados entre os pacientes), o grupo de avaliou se vacinas adjuvantes individualizadas podem estimular células T, e fornecer benefícios clínicos em pacientes com o tumor ressecado cirurgicamente.
A tecnologia de vacinas terapêuticas de mRNA facilitou a entrega rápida de vacinas individualizadas de neoantígenos, que se integrou totalmente a um fluxo de trabalho oncológico de rotina. Além disso, o uso de mRNA apresenta algumas vantagens: pode ser rapidamente produzido como vacinas individualizadas com múltiplos neoantígenos; pode ativar células apresentadoras de antígenos; e pode ser entregue de forma eficiente usando formulações em estágio clínico recentemente desenvolvidas.
Portanto, os pesquisadores formularam a hipótese de que uma vacina de mRNA individualizada induziria células T específicas para neoantígenos em câncer de pâncreas, eliminaria micrometástases e atrasaria a recorrência do câncer.
Para testar essa hipótese, os pesquisadores conduziram um ensaio clínico de fase I, com administração sequencial de:
- Atezolizumabe – anticorpo monoclonal humanizado do tipo IgG1 contra o ligante de morte programada (PD-L1). Ao se ligar em PD-L1, o atezolizumabe previne seletivamente a interação entre os receptores e o ligante, regulando as células T antitumorais e restaurando suas funções. Dessa forma, a ativação de células T é capaz de suprimir o crescimento e melhorar a imunogenicidade do tumor.
- Autogene cevumeran – vacina de mRNA, individualizada, contendo até 20 neoantígenos restritos ao complexo principal de histocompatibilidade (MHC) em nanopartículas de lipoplex, administrada por via intravenosa.
- mFOLFIRINOX
O tratamento foi administrado em pacientes com adenocarcinoma pancreático, cirurgicamente ressecável, com o objetivo de amplificar as células T específicas para neoantígenos que foram inibidas pelo sinalização de PD-1 e estimular células T virgens para os neoantígenos da vacina.
A segurança da vacina contra câncer de pâncreas foi analisada nos 19 participantes do estudo, e foram apresentados apenas efeitos adversos comuns, como febre.
Veja os achados do trabalho
Com relação à eficácia da vacina contra o câncer de pâncreas, os pesquisadores mediram a resposta das células T aos neoantígenos: as análises detectaram uma resposta das células T em 50% dos pacientes.
Analisando os neoantígenos especificamente, o estudo observou que 25 neoantígenos (11%) provocaram uma resposta de células T. Metade dos pacientes apresentou resposta de células T a pelo menos um neoantígeno. Além disso, metade dessas respostas era politópica (reconhecia mais de um neoantígenos), indicando uma resposta adequada de células T em uma considerável proporção de pacientes com câncer de pâncreas.
Os pesquisadores confirmaram os dados obtidos pela análise imunológica com a ferramenta de predição CloneTrack, que envolve análises matemáticas e imunológicas. Assim, verificaram que a vacina realmente induz a expansão de células T policlonais.
Ao analisar o fenótipo e a função dos linfócitos T expandidos (através do sequenciamento de RNA), os pesquisadores observaram que as células T eram linfócitos T CD8 que expressavam marcadores de lise (como perforina 1 e granzima B) e citocinas (como IFN-gama). Também encontraram células semelhantes a linfócitos T efetores induzidos por proteínas virais protetivas.
As células T mantiveram a funcionalidade após o tratamento, com produção de IFN gama, com uma reexpansão uniforme com reforço de vacina e persistência sustentada (ou seja, são funcionais e duráveis).
E a sobrevida?
Em um acompanhamento 18 meses após a vacinação, observou-se que os pacientes que responderam à vacina (que possuíam células T expandidas) tinham uma sobrevivência livre de recorrência (RFS) maior do que os pacientes que não responderam à vacina.
Além disso, em consistência com esses resultados, os pacientes que responderam à vacina apresentavam níveis mais baixos de CA 19-9 – biomarcador amplamente utilizado na avaliação de pacientes com câncer de pâncreas.
Os pesquisadores se certificaram de que o prognóstico entre os dois grupos (quem respondem e quem não respondeu à vacina) era semelhante, assim como o funcionamento do sistema imunológico (verificado através da resposta a uma outra vacina de mRNA administrada concomitante – a contra SARS-CoV-2).
Dessa maneira, os autores verificaram que a resposta de células T após a vacinação realmente se correlaciona com um atraso na recorrência de câncer de pâncreas.
O estudo observou algum desfecho em micrometástases?
Um dos pacientes (paciente 29 do estudo) respondeu ao processo de vacinação com a segunda maior porcentagem de células T expandidas. Ele desenvolveu um nível sérico aumentado de CA 19-9, com uma nova lesão hepática de 7 mm, sugestiva de metástase após preparação da vacina.
Uma amostra de biópsia não revelou malignidade nas células, mas sim um infiltrado linfoide denso que incluiu todos os clones de células T CD8+ expandidas após a vacina, com um potencial efetor e lítico. A realização de uma PCR digital revelou que esse infiltrado continha células raras que possuíam a mutação TP53 R175H, idêntica à mutação R175H no tumor primário deste paciente.
Essa lesão hepática desapareceu no próximo acompanhamento, sugerindo que as células T expandidas podem possuir a capacidade de erradicar micrometástases.
Considerações finais
Os pesquisadores demonstraram que Cevumeran, uma vacina de neoantígeno baseada em nanopartículas de mRNA-lipoplex de uridina, em combinação com atezolizumabe e mFOLFIRINOX, parece segura, viável e gera células T específicas para neoantígenos em 50% dos pacientes com adenocarcinoma de pâncreas ressecável.
As células T expandidas pela vacina eram duráveis, persistindo até 2 anos após o tratamento. Também foi observada uma correlação com um atraso na recorrência da doença. Apesar do tamanho limitado da amostra, esses resultados iniciais justificam estudos maiores de vacinas individualizadas de neoantígenos de mRNA em adenocarcinoma pancreático.
Uma observação interessante é que a taxa de resposta observada com a vacina contra o câncer de pâncreas (50%) pode destacar a necessidade de biomarcadores para selecionar melhor os pacientes e tumores para este tratamento.
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Referências:
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Xie, N., Shen, G., Gao, W. et al. Neoantigens: promising targets for cancer therapy. Sig Transduct Target Ther 8, 9 (2023). https://doi.org/10.1038/s41392-022-01270-x.
TEIXEIRA, H. C. et al. Proteínas de checkpoint imunológico como novo alvo da imunoterapia contra o câncer: revisão da literatura. HU rev. 2019; 45(3):325-333. DOI: 10.34019/1982-8047.2019.v45.2882.
NATIONAL CANCER INSTITUTE. Immune checkpoint inhibitors. Disponível em: https://www.cancer.gov/about-cancer/treatment/types/immunotherapy/checkpoint-inhibitors.