A pandemia e home office: uma necessidade de mudanças
Com a chegada da pandemia de COVID-19 as incertezas eram imensas e os medos imensuráveis. A semana em casa tornou-se meses, e o meses tornaram-se anos.
Mesmo com as ruas vazias e a movimentação de pessoas escassa, o trabalho como necessidade humana de sustentação financeira, evolução e até mesmo de estudo, precisou se adaptar à nova realidade. Na medida do possível, as pessoas deixaram de se deslocar para seus escritórios, oficinas e salas, e os trocaram pelo recanto seguro de casa.
O início foi difícil, um teste aqui, outro lá, mas por fim o teletrabalho ganhou uma massa de adeptos, trazendo novos desafios no que rege as leis trabalhistas e segurança do trabalhador. Com o tempo a lei engatinhou, estudou e amadureceu a nova dinâmica e os novos controles que deveriam ser instituídos.
Mas afinal, o que nos traz de novo os novos adendos e reformas feitos na CLT (Consolidação das leis de Trabalho) para trabalho em home office?
Desde sua elaboração, o artigo 6º da CLT não distinguia o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, do trabalho realizado à distância, desde que estivessem caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Em seu parágrafo único, informa que: “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão”.
Com a reforma trabalhista de 2017, porém, foi acrescentado ao artigo 6º um parágrafo único, o qual rege o período de duração de jornada de trabalho (inclusive os atributos de hora extra).
Nele lê-se que não estão submetidos ao controle de horário: 1) empregados que exercem atividade externa incompatível com fixação de horário, 2) os gerentes e 3) os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa (este último aprovado pela Medida Provisória 1.108/2022).
MEDIDA PROVISÓRIA 1.108/2022
Esta MP trouxe medidas importantíssimas que irão impactar diretamente nas relações de trabalho e de saúde do trabalhador, dentre elas:
– Equiparou o teletrabalho e o trabalho remoto – que pressupõe os serviços fora das dependências da empresa de maneira preponderante ou não, e que não se caracterize como trabalho externo.
– O teletrabalho ou home office, não se confunde e nem se equipara ao operador de telemarketing ou de teleatendimento.
– Deverá constar expressamente quando for teletrabalho (isto é, claramente escrito) no contrato de trabalho.
Pontos de atenção dessa Medida Provisória
O empregado submetido ao regime de teletrabalho poderá prestar serviço por jornada (com controle de hora e recebimento de hora extra) ou por produção/tarefa.
A CLT enfatizou que na hipótese de trabalho por produção/tarefa, não irá ser aplicado o disposto no Capítulo II, Título II da consolidação. Isso significa que o funcionário não ficará sujeito ao pagamento de horas extras, controle de horário, condição de repouso/intervalo – porque ao estar longe do empregador, é o funcionário que controlará suas tarefas.
Aqui temos um grande alerta, porque quando houver uma compulsão por produtiva sem controle, há o risco de desenvolvimento de diversos transtornos mentais relacionados ao trabalho por jornada mais intensa e extensa (por exemplo: síndrome do pânico, depressão, ansiedade, burnout….)
Outro ponto de grande discussão foi o parágrafo 9, em que prevaleceu que: as questões sobre horário e comunicação com o empregador pode ser feito por acordo individual (assegurando os repousos legais), em vez de discutidas em convecção ou em acordo coletivo.
Aqui um segundo ponto que gerou muita discussão e muito importante para a saúde do funcionário é que uma pessoa precisando de trabalho está fragilizada e muitas vezes irá assinar qualquer acordo individual – o que de novo nos leva a desenvolvimento de diversos e inúmeros transtornos relacionados ao abuso de trabalho.
E o acidente de trabalho nesse novo cenário?
O conceito de acidente de trabalho dá-se no artigo 19:
Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do Art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Art. 20: consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas
I – Doença profissional, sendo entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo ministério da Previdência Social à é a doença típica da profissão
II – Doença do trabalho, assim entendida e adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I à é a forma como o trabalho é realizado que faz a doença aparecer
O artigo 75-E da nova reforma trabalhista da CLT de 2017 diz que: “o empregador deverá instruir os empregados de maneira expressa e ostensiva quanto as precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. Além disso há a assinatura do termo de entendimento do funcionário quanto as instruções.
Porém, do ponto de vista jurídico, só a comunicação e assinatura não são tudo a ser analisado. Espera-se que o empregador tenha dado orientações e treinamentos para estes quadros, e espera-se um acompanhamento e fiscalização do teletrabalho do funcionário, em que se faça cumprir as normas de segurança.
No quesito de fiscalização de teletrabalho, é sugerido inclusive uma analogia ao trabalho doméstico e seu controle. O que nos traz a lei do doméstico (LC150/2015) – Art. 44:
“A verificação, pelo Audito-Fiscal do Trabalho, do cumprimento das normal que regem o trabalho doméstico, no âmbito do domicílio do empregador, de penderá do agendamento e de entendimento prévios entre a fiscalização e o empregador – parágrafo 1º – a fiscalização deverá ter natureza prioritariamente orientadora… parágrafo 3º: durante a inspeção do trabalho… o Auditor Fiscal do Trabalho far-se-á acompanhar pelo empregador ou por alguém de sua família por este designado.”
Ainda, a fiscalização deverá ser realizada em horário comercial segundo os usos e costumes do local e com respeito aos direitos fundamentais – intimidade e vida privada do empregado.
Ou seja, os acidentes de trabalho deverão ser analisados de acordo com seus nexos causais, se serão enquadrados ou não no acidente de trabalho, a depender do descrito em riscos de acordo com o trabalho descrito em PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), com os treinamentos e orientações do empregador a fim de evitar acidentes e com a realização de fiscalizações da mesma forma que seria se feito de forma presencial.
Sendo ainda um campo em que se podem prever várias futuras mudanças pelos pontos a serem estudados e aprendidos tanto pelos médicos do trabalho, como pelos engenheiros de segurança, e equipe de saúde adjunta, devemos nos manter sempre atentos a novas modificações na CLT ou de novas MP.
—
Referências:
IX Fórum de Medicina do Trabalho do CFM (dia 10/08). CFM – Conselho Federal de Medicina. 10 de agosto de 2022.
Fórum do CFM debate o acidente de trabalho em home office. 11 de agosto de 2022. CFM – Conselho Federal de Medicina. https://portal.cfm.org.br/noticias/forum-do-cfm-debate-o-acidente-de-trabalho-em-home-office/