O comprometimento cognitivo é um grande e crescente desafio de saúde global na era do envelhecimento populacional. Estima-se que número de pessoas com demência deve triplicar até 2050 em todo o mundo.
Dado que a maioria dos tipos de comprometimento cognitivo é incurável até o momento, investigações de potenciais fatores de risco modificáveis para prevenir o declínio cognitivo são urgentes para uma sociedade em envelhecimento. Com isso em mente, um grupo de pesquisadores buscou avaliar a influência da exposição ao ozônio, a qual estamos frequentemente expostos, no déficit cognitivo em idosos.
Exposição aos poluentes – um risco constante à saúde
Com a revolução industrial, veículos motorizados e instalações industriais contribuíram para o aumento das taxas de poluição do ar. Dentre os principais poluentes de preocupação em relação à saúde pública, pode-se elencar: monóxido de carbono, ozônio, dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre.
Irritações cutâneas e oculares e problemas respiratórios estão entre os problemas mais frequentemente observados em decorrência da exposição a poluentes. Ainda, a poluição do ar é um fator de risco bem estabelecido para doenças cardiovasculares, e problemas mais graves podem ocorrer em casos de exposição constante e de longo prazo.
Segundo a OMS, quase a totalidade da população respira partículas que excedem os limites das diretrizes permitidas, e a taxa de mortalidade associada aos poluentes do ar é 4 milhões de pessoas por ano.
O problema do Ozônio
O ozônio (O3) é formado a partir da reação entre o dioxigênio (O2, a molécula normal de oxigênio) e um oxigênio singleto (O, átomo de oxigênio). O oxigênio singlete é uma molécula extremamente reativa, e de curto período de vida, que pode ser formada fotólise do dióxido de nitrogênio (NO2) ou da ionização do O2.
Naturalmente, há um influxo de ozônio da camada mais externa da atmosfera, para as camadas inferiores, entretanto os níveis de ozônio presentes naturalmente não chegam a ser prejudiciais. O problema se dá pois, com a maior presença de gases poluentes como o NO2 nas camadas mais baixas da atmosfera, há um favorecimento da formação exagerada de ozônio.
Mas o que toda essa bioquímica interessa nas questões de saúde?
O ozônio pode causar diversos danos para a saúde humana quando em exposição prolongada, ou em níveis considerados não seguros. Um novo estudo de pesquisadores da Universidade Yale associou a exposição prolongada ao ozônio com o déficit cognitivo registrado em idosos.
Os pesquisadores analisaram o material particulado ultrafino presente no ar das regiões analisada, e foi possível monitorar a presença e concentração de ozônio presente. O estudo publicado na revista Environment International (fator de impacto 9.621, dentre as 20 melhores do grupo de ciências ambientais) em janeiro desse ano, e analisou cerca de 10.000 idosos entre 65-110 anos. O objetivo foi identificar até que ponto a exposição ao ozônio pode ter impactado no déficit cognitivo do grupo estudado.
Os dados obtidos pelos pesquisadores demonstraram que para cada 10 microgramas de exposição média anual de ozônio, o risco de comprometimento cognitivo se elevava em cerca de 10%.
Por meio de uma análise mais refinada os pesquisadores puderam concluir que a associação era mantida mesmo excluindo fatores de risco individuais, como tabagismo, consumo de álcool ou escolaridade. Ou seja, os idosos expostos a maiores quantidades de ozônio possuíam maior chance de desenvolvimento de algum tipo de deficiência cognitiva em relação aos grupos de menor exposição.
O que pode estar acontecendo, a nível fisiológico?
A inflamação e o estresse oxidativo são as hipóteses mais estudadas na relação entre o ozônio e o comprometimento do SNC.
A inalação de ozônio pode induzir inflamação pulmonar e a produção e liberação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1β, TNF-α e IL-6. Essas citocinas podem alterar a função da barreira hematoencefálica e atingir o cérebro, onde podem induzir a síntese de citocinas adicionais e outras moléculas pró-inflamatórias. Além disso, concentrações elevadas dessas moléculas podem levar ao estresse oxidativo e inflamação em algumas áreas do cérebro, contribuindo para danos no SNC.
Outros estudos em modelos animais mostraram que a exposição aguda ou crônica ao ozônio pode resultar em peroxidação lipídica cerebral, neurodegeneração no hipocampo e estriado, e comprometimento da memória. Além disso, descobriu-se que a barreira hematoencefálica em camundongos idosos é altamente penetrável em resposta à exposição ao ozônio, levando a maiores resultados neuroinflamatórios.
Fortalecendo o papel da inflamação na mediação da associação entre exposição à poluição do ar e declínio cognitivo, um estudo recente encontrou uma associação de proteção entre o uso de anti-inflamatórios não esteroides e cognição em homens expostos a material particulado ultrafino.
Considerações finais
É necessário cautela, pois o estudo não avalia uma relação causal – apenas uma associação entre exposição a ozônio e déficit cognitivo. Dessa forma, carece de análises biológicas de dano em decorrência da exposição ao ozônio.
No entanto, ainda que com limitações, o estabelecimento desta associação é de grande relevância, uma vez que pode ser utilizado como embasamento para pesquisas mais aprofundadas acerca do tema.
Ainda, visto que 9 em cada 10 pessoas estão expostas ao ozônio em seu dia a dia, o interesse pelo seu papel inflamatório pode nos ajudar em prevenção e terapias direcionadas.
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Referências:
GAO, Qi et al. Long-term ozone exposure and cognitive impairment among Chinese older adults: A cohort study. Environment international, v. 160, p. 107072, 2022.
ZHANG, Junfeng Jim; WEI, Yongjie; FANG, Zhangfu. Ozone pollution: a major health hazard worldwide. Frontiers in immunology, v. 10, p. 2518, 2019. https://doi.org/10.3389/fimmu.2019.02518