Homens de 40 a 70 anos de idade apresentam tendência de queda da testosterona total sérica e da testosterona biodisponível a cada ano. Este processo, conhecido como andropausa ou, mais apropriadamente, hipogonadismo masculino tardio (HMT), resulta em sintomas que podem impactar negativamente a qualidade de vida do indivíduo.
Atualmente, o tratamento desta condição é feito pela administração de testosterona. Entretanto, apesar da terapia de reposição hormonal resultar em melhora no quadro do paciente, doses repetidas são necessárias, além de não restaurarem o padrão fisiológico da testosterona no sangue.
Por conta disso, novas abordagens terapêuticas para o HMT estão sendo propostas constantemente. Uma delas, publicada no final de 2021, mostrou grande potencial. E é sobre este tratamento que falaremos à seguir.
Testosterona
A Testosterona é um hormônio esteroide virilizante produzido nos homens principalmente nos testículos (e nas mulheres por precursores adrenais). É um hormônio relacionado com as características sexuais secundárias masculinas e espermatogênese, além de ter um importante efeito anabolizante.
No homem, a maior parte da testosterona (95%) é produzida nas células de Leydig testiculares sob o estímulo do LH (Hormônio Luteinizante). A produção tem um ciclo circadiano, com os maiores valores pela manhã e os menores pela noite.
Aproximadamente 60% da testosterona que circula na corrente sanguínea liga-se fortemente à Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais (SHBG), 38% está fracamente ligada à albumina e 2% está livre.
Uma vez que este hormônio se liga muito forte à SHBG, essa fração ligada é dita como não biologicamente ativa. A fração biologicamente ativa (biodisponível) é composta de testosterona livre + ligada à albumina. E a testosterona livre… bom, está livre da ligação de proteínas!
Assim, o valor de testosterona total é a soma da testosterona ligada à SHBG + ligada à albumina + livre. Na maioria das vezes se avalia a concentração de testosterona total. A biodisponível e/ou livre acaba sendo utilizada em situações na qual a SHBG possa estar alterada, como obesidade, cirrose e distúrbios da tireoide.
Um aumento nos valores circulantes de testosterona nos homens pode ser decorrente de tumores testiculares, adrenais ou hipofisários. Se isso ocorrer durante a juventude pode causar puberdade precoce.
Já níveis hormonais reduzidos no homem podem sugerir hipogonadismo, hiperprolactinemia ou Síndrome de Klinefelter. Importante lembrar que entre outros problemas, a redução de testosterona pode cursar com infertilidade.
HMT e a terapia de reposição hormonal
O hipogonadismo masculino tardio (HMT) é causado por uma redução na produção de testosterona testicular em homens com idade avançada. Esta condição é caracterizada por vários sintomas, como fadiga, diminuição da libido, disfunção erétil, depressão, anemia e diminuição da massa muscular e densidade óssea, levando a uma baixa qualidade de vida. A baixa concentração de testosterona sérica também está associada à síndrome metabólica e diabetes mellitus.
Para auxiliar na manutenção dos níveis séricos normais, a terapia de reposição de testosterona (TRT) é o tratamento mais indicado atualmente, estando disponível nas formas injetável, oral ou tópica. Entretanto, a duração da eficácia de uma única administração é limitada nessa forma de tratamento, tornando necessárias administrações repetidas.
Além disso, as TRTs atualmente disponíveis não restauram os padrões de flutuação fisiológica dos níveis de testosterona no sangue regulados pela gonadotrofina e pelo hormônio liberador de gonadotrofina com mecanismos de feedback. Por conta disso, o tratamento pode trazer efeitos indesejados leves, como acne e aumento de pelos, até graves, como progressão tumoral (visto que alguns tumores são sensíveis a hormônios).
Partindo do pressuposto que o declínio nos níveis de testosterona no HMT sejam decorrentes de uma diminuição e disfunção nas células de Leydig nos testículos, uma terapia plausível para esta disfunção é o transplante de células de Leydig.
Os benefícios do transplante podem ir desde a eficácia duradoura da terapia até a secreção do hormônio de maneira fisiológica.
Com essa ideia em mente, um grupo da Kobe University no Japão decidiu estudar o potencial do transplante de células-tronco pluripotentes humanas induzidas (hiPSCs) secretoras de testoterona semelhantes às células de Leydig como uma terapia eficaz para o HMT.
Transplante de células de Leydig
O grupo de pesquisa da Kobe University se baseou em estudos prévios que mostraram a superexpressão do gene NR5A1 como gatilho para a indução de células semelhantes a Leydig a partir de células-tronco embrionárias de camundongo. Para superexpressar este gene, as células precursoras humanas hiPSCs foram expostas à doxiciclina. Mas isso tudo são informações técnicas.
Gene NR5A1: o gene nuclear receptor subfamily 5 group A member 1 ou, subfamília de receptores nucleares 5 do membro 1 do grupo A, participa da diferenciação sexual e do desenvolvimento das gônadas e das glândulas suprarrenais.
O que chamou atenção para as células estimuladas foram duas características. A primeira, elas eram capazes de produzir testosterona. A segunda, eram morfologicamente semelhantes às células de Leydig encontradas nos testículos humanos.
Para testar se a testosterona produzida era funcional, o grupo avaliou o efeito do hormônio produzido em linhagens celulares LNCaP de câncer de próstata, conhecidas por serem sensíveis à testosterona. O que se observou foi o crescimento da linhagem tumoral, indicando que o hormônio produzido pelas hiPSCs tem função similar à testosterona comercialmente disponível.
Outro resultado que vale menção é o tempo de produção da testosterona pelas hiPSCs. Os níveis máximos de secreção do hormônio foram observados até o 35º dia após a estimulação com doxiciclina, quando passaram a diminuir gradualmente até o 49º dia (última medição). Ou seja, as células foram capazes de produzir testosterona por até 4 semanas, período maior que o necessário para a repetição da dose das TRTs.
Pensando mais além, uma opção terapêutica seria a realização dessa “reposição” com células tronco de uso mensal. Parece razoável, mas ainda não é o ideal.
Limitações…
Apesar dos resultados promissores do estudo, algumas pontas soltas permanecem após o trabalho ter sido publicado.
Os pesquisadores não foram capazes de definir o motivo da diminuição de testosterona após o 35º dia: pode ter sido uma menor produção pelas células ou por morte celular. Isso pode ser um limitador futuro para o crescimento destas células, principalmente em longos períodos de cultivo.
Um ponto chave no estudo foi a ausência de resposta da secreção de testosterona pelas células após tratamento com LH, sendo este um mecanismo essencial para garantir a secreção de testosterona de maneira fisiológica nos homens. Na ausência deste mecanismo, o transplante de hiPSCs se comportaria de maneira semelhantes aos TRTs disponíveis.
Outra preocupação do grupo está relacionada a aceitação do transplante. Mas, como o testículo é considerado um local imunoprivilegiado, “o transplante feito no testículo pode ser uma estratégia racional para superar a rejeição imunológica, mas levanta algumas preocupações sobre a tumorigênese“.
Conclusão
O trabalho apresentado pelo grupo da Kobe University é pioneiro e apresenta resultados muito promissores quanto ao desenvolvimento de uma terapia duradoura e mais eficaz para o tratamento do HMT. Mas, o pioneirismo também reflete em diversas perguntas sem respostas.
“Espera-se que o transplante de células de Leydig seja uma alternativa promissora ao tratamento convencional de reposição da testosterona“, citam os pesquisadores. Mas até lá, novos estudos, inclusive em modelos animais, são necessários para que este método seja considerado para o tratamento do hipogonadismo.
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Referências:
Medscape (2021). Transplante de células precursoras para produzir testosterona no hipogonadismo?