A medicina baseada em evidências está em xeque durante a pandemia.
O surgimento de uma doença fatal e globalizada expôs, talvez, nos últimos dezoito meses, alguns vícios da aplicação da medicina baseada em evidências na prática médica, talvez, dois principais:
- a) a desvalorização do ceticismo como ferramenta fundamental do método científico;
- b) o abandono relativo do princípio hipocrático do “primum non nocere” como norteador da prática médica.
Em relação ao primeiro item, os casos de profissionais que elevaram a prática de consultório a nível de evidência científica (“todos os pacientes tratados por mim com esse ou aquele método foram curados”) abundam. Esquecem, talvez, que o pior inimigo do investigador científico é a vontade de comprovar sua tese. De modo contrário, a boa ciência anda “pari passu” com o ceticismo, quando o investigador, tendo toda a intenção de reforçar uma tese “A”, encontra um resultado “-A”.
Esse voluntarismo, que faz surgir o viés na investigação científica, anda também de mãos dadas com a ideia de que tratar é melhor do que não tratar, o abandono contemporâneo do “primum non nocere”. O enfrentamento de uma nova doença, sem tratamento bem eficaz ainda estabelecido, faz ainda mais necessária a humildade epistêmica que deveria pautar a prática médica. Orientações, vindas, inclusive, de órgãos internacionalmente reconhecidos, para o abandono da adoção de medidas simples e inócuas, como o uso de máscaras e o distanciamento social, marcam alguns dos erros que muito provavelmente marcarão a história da atual pandemia.