Biomarcadores digitais na prática clínica.
O uso de biomarcadores é essencial na transformação da prática clínica em diversas áreas terapêuticas, de forma a permitir a medicina de precisão e o cuidado individualizado. São medidas de um estado biológico, capazes de representar de forma objetiva processos normais, patogênicos, respostas farmacológicas ou intervenções terapêuticas.
Combinado a essa proposta, temos um grande avanço que é o desenvolvimento de métodos cada vez menos invasivos. Nesse sentido, surgem os biomarcadores digitais, que utilizam dispositivos tecnológicos.
Então por que não utilizar a voz humana como um biomarcador? Ao associarmos dispositivos digitais, pode ser um poderoso marcador para a saúde.
Mudanças da voz podem indicar diversas patologias.
Durante a vida, todos nós vivenciamos alterações normais da voz – na infância, puberdade, envelhecimento. O processo da fala, por mais comum que nos pareça, é bastante complexo. Necessita de toda uma organização funcional e coordenada do cérebro, da laringe, dos pulmões, da boca. Logo, é justificável que qualquer alteração nessas regiões possa alterar a voz.
Porém, diversos estudos já vêm mostrando que alterações patológicas em outras áreas também podem alterar a voz. Não apenas no sistema respiratório e no sistema nervoso, mas também alterações cardíacas e musculares.
A grande limitação da análise de voz como biomarcador é subjetividade. Dificilmente o indivíduo ou as pessoas próximas notam pequenas alterações (mas provavelmente a sua Alexa saberia!). Por essa razão, a combinação com a tecnologia, inteligência artificial e aprendizado de máquina são essenciais.
Identificações mais “fáceis” – câncer de laringe, paralisia das pregas vocais, distonias.
Obviamente, em algumas condições é mais fácil a identificação das alterações vocais – rouquidão como sinal inicial em câncer de laringe, por exemplo. Ainda assim, a média de identificação destes sintomas é de 16 semanas, pois diversos fatores podem confundir o paciente.
O uso de biomarcadores digitais pode ser interessante nesse sentido. Um algoritmo treinado para identificar alterações vocais em pacientes rapidamente vai identificar os sinais. Ainda, é possível auxiliar os profissionais de saúde no atendimento especializado, redução de testes diagnósticos desnecessários e exclusão de diagnósticos diferenciais.
Doença de Parkinson e Transtorno bipolar – biomarcador de voz com resultados promissores.
Doenças neurológicas costumam alterar a fala de modo geral. O paciente pode falar mais arrastado ou com mais dificuldade. Porém, diversas condições compartilham desses sinais e sintomas, além de que o aparecimento dos sintomas pode ser já em estágios mais avançados.
Nessa linha, o Parkinson’s Voice Initiative é um projeto que permite que indivíduos com a sem a Doença de Parkinson se inscrevam e contribuam com dados de voz do seu smartphone. O objetivo é estar a hipótese de que é possível detectar e prever com precisão a doença por meio dessas gravações.
Até agora, os resultados mostram 98,6% de precisão de detecção! Porém, os estudos ainda precisam ser aprofundados, excluindo outros fatores de confusão como ruído ambiental e comportamento não intencional dos participantes.
Outra vantagem notável é para diagnósticos psiquiátricos. Mesmo que subjetivamente, notamos alterações de humor pela voz, e isso pode ser útil quando associado à tecnologia. Alguns aplicativos já estão sendo usados para monitorar alterações de voz em chamadas telefônicas e prever mudanças de humor.
O projeto PRIORI (do inglês, Predicting Individual Outcomes for Rapid Intervention) da Universidade de Michigan usa um aplicativo de smartphone para registrar mudanças nas características acústicas da fala e padrões de uso diário dos smartphones para prever mudanças de humor em pacientes com transtorno bipolar. O maior objetivo do projeto é avaliar a gravidade dos sintomas depressivos ou maníacos, prever as mudanças de humor, e reduzir o risco de suicídio.
EVOCAL Health – uma iniciativa para análise de voz em saúde.
A EVOCAL Health é uma das startups que foca em desenvolvimento de tecnologias na área de saúde. Uma das plataformas disponíveis pela equipe monitora e analisa dados de voz de pacientes e busca correlações com doenças cardiovasculares, respiratórias e neurodegenerativas.
Segundo eles, há uma combinação de inteligência artificial, aprendizado de máquina e gerenciamento de produtos, o que permite o monitoramento remoto e autogerenciamento do paciente para prevenir, prever e gerenciar a saúde.
Há diversos outros estudos e equipes avaliando a utilização das alterações vocais em distúrbios de saúde. Quem sabe, a tecnologia possa identificar alterações de voz de doenças que ainda não entendemos os mecanismos por completo, ou que não pensamos que possam alterar a voz – hipertensão? Arteriosclerose? Osteoporose?
Vamos aguardar!
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Referências:
PRIORI – Predicting Individual Outcomes for Rapid Intervention – acoustic-based smartphone app predicts bipolar mood swings. Dez 2022.
PVI – Parkinson’s Voice Initiative. Dez 2022.
Voice Could Be a Major New Biomarker – Medscape – Dec 08, 2022.
Tracy JM, Özkanca Y, Atkins DC, Hosseini Ghomi R. Investigating voice as a biomarker: Deep phenotyping methods for early detection of Parkinson’s disease. J Biomed Inform. 2020 Apr;104:103362. doi: 10.1016/j.jbi.2019.103362.
Shin D, Cho WI, Park CHK, Rhee SJ, Kim MJ, Lee H, Kim NS, Ahn YM. Detection of Minor and Major Depression through Voice as a Biomarker Using Machine Learning. J Clin Med. 2021 Jul 8;10(14):3046. doi: 10.3390/jcm10143046.
Sara JDS, Maor E, Borlaug B, Lewis BR, Orbelo D, Lerman LO, Lerman A. Non-invasive vocal biomarker is associated with pulmonary hypertension. PLoS One. 2020 Apr 16;15(4):e0231441. doi: 10.1371/journal.pone.0231441. PMID: 32298301; PMCID: PMC7162478.
Fagherazzi G, Fischer A, Ismael M, Despotovic V. Voice for Health: The Use of Vocal Biomarkers from Research to Clinical Practice. Digit Biomark. 2021 Apr 16;5(1):78-88. doi: 10.1159/000515346. PMID: 34056518; PMCID: PMC8138221.