Um estudo realizado no Instituto Butantan em parceria com a USP, publicado pela revista Nature Communications em 26 de outubro, identificou que o parasita causador da esquistossomose é capaz de criar uma resposta imune, gerando uma “memória” nas células defesas do organismo de macacos rhesus (Macaca mulata). Os pesquisadores puderam observar que em uma segunda infecção os anticorpos respondem com muito mais rapidez, o que acelera a sua cura.
A pesquisa foi realizada em macacos infectados com o parasita e trouxe novas informações. Foram identificados genes envolvidos na via de autofagia do parasita inibidos pela defesa imune do primata que impedem que o protozoário se multiplique e contamine o hospedeiro.
Esquistossomose
A esquistossomose é uma doença parasitária que está diretamente relacionada ao saneamento precário, e é causada pelo protozoário Schistosoma mansoni. Ela é transmitida através de caramujos (Biomphalaria glabrata) infectados pelas larvas do protozoário (miracídios) causador dessa doença que estão normalmente presentes em água doce.
Aqui no Brasil essa doença é um problema de saúde pública e é popularmente conhecida como “xistose”, “barriga d’água” ou “doença dos caramujos”. O período de incubação da doença é de cerca de duas a seis semanas.
A transmissão da esquistossomose ocorre quando o individuo infectado elimina os ovos do parasita por meio de fezes ou urina; os ovos desse parasita eclodem quando em contato com a água e liberam as larvas que infectam caramujos – os caramujos são considerados os hospedeiros intermediários e esses vivem em águas doces.
Após quatro semanas da infecção, as larvas abandoam os caramujos em forma de cercarias que ficam livres em águas naturais onde podem viver por até 48 horas, e infectam seres humanos que entrem em contato com essas águas.
É importante ressaltar que a transmissão da esquistossomose não ocorre através do contato direto com o doente, e também não ocorre autoinfecção. Qualquer pessoa pode ser infectada pelo parasita causador da doença.
Grande parte dos portadores da infecção são assintomáticos, porém, na fase aguda o paciente infectado pode apresentar diversos sintomas, entre esses:
- febre;
- dor de cabeça;
- calafrios;
- suores;
- fraqueza;
- falta de apetite;
- dor muscular;
- tosse;
- tonturas;
- sensação de plenitude gástrica;
- prurido (coceira) anal;
- palpitações;
- impotência;
- emagrecimento;
- endurecimento e aumento do fígado.
A esquistossomose é uma doença que ocorre principalmente em regiões tropicais e subtropicais, principalmente em comunidades carentes sem acesso a água potável e sem saneamento adequado. Já foi registrada em mais de 54 países, principalmente na África e Leste do Mediterrâneo. Nas América, atinge a América do Sul, destacando-se a região do Caribe, Venezuela e Brasil.
No Brasil estima-se que cerca de 1,5 milhões de pessoas vivem em áreas sob o risco de contrair a doença. Sendo que os estados das regiões Nordeste e Sudeste são os mais afetados, e a ocorrência da doença está diretamente ligada à presença dos moluscos transmissores. É uma doença negligencia que mata mais de 200 mil pessoas anualmente em todo o mundo.
Diagnóstico e Tratamento
O diagnóstico da esquistossomose é feito principalmente por meio de exames laboratoriais de fezes, através desses exames é possível detectar os ovos do parasita causador da doença. Além disso, o médico também pode solicitar testes de anticorpos para verificar sinais de infecção e em casos mais graves da doença é possível ser feito através da ultrassonografia.
O único tratamento disponível para esquistossomose no momento é o medicamento Praziquantel que atua aumentando a permeabilidade celular ao cálcio nos esquistossomos – o que faz com que esses tenham fortes contrações e paralisia muscular. Com isso, há o desprendimento das ventosas das paredes dos vasos sanguíneos e geram o deslocamento do parasita.
Esse medicamento é efetivo apenas em casos mais leves da doença, é ineficaz contra as formas imaturas dos vermes, e não combatem a reinfecção. Além disso já existem relatos de tolerância de parasitas ao medicamento.
Possível vacina a vista para esquistossomose
O estudo desenvolvido por Amaral e colaboradores foi dividido em duas etapas de experimentos, in vivo e in vitro. Foram avaliados, 12 macacos rhesus que foram infectados com 700 cercárias do parasita causador da esquistossomose e foram acompanhados por 42 semanas, passando por todas as fases de infecção (estabelecimento da doença, maturação e auto cura).
Nesse primeiro momento, todos os macacos se curaram em um período de 12 a 17 semanas após a infecção. Todos os macacos liberaram ovos nas fezes e alguns animais apresentaram sintomas leves, como diarreia e desidratação.
Após 42 semanas que os macacos já tinham passado pelo período de infecção e já estavam agora livres dos parasitas, eles foram submetidos a uma segunda infecção. Nessa segunda infecção nenhum dos macacos apresentou sintomas clínicos da doença. Entre a primeira e quarta semana após a reinfecção os esquistossomos nem chegaram a amadurecer até vermes adultos e não foram liberados ovos nas fezes dos macacos.
Na fase de testes foi observado que das 700 cercarias, menos de três foram recuperadas de cada macaco no final do experimento, todas estavam atrofiadas. Esse fato, levantou a hipótese de que, os anticorpos possivelmente bloquearam a alimentação e desenvolvimento dos parasitas, fazendo com que esses não amadurecessem.
Para que essa hipótese pudesse ser provada, os parasitas foram incubados em laboratório com os anticorpos gerados pelos macacos. Quando incubados juntos, foi possível observar a morte dos parasitas e foram identificados nove genes que são indispensáveis para a sobrevivência e manutenção do metabolismo dos parasitas que foram inibidos pelo sistema imune do macaco.
A pesquisa mostrou que a partir da décima semana de infecção o parasita é eliminado, gerando uma resistência à reinfecção. Os perfis dos anticorpos identificados sugerem que existe uma proteção mediadora de antígenos, os antígenos identificados são os próprios produtos liberados durante o desenvolvimento dos esquistossomos. Quando os esquistossomos foram cultivados, foi possível observar que eles perdem as marcas de ativação da cromatina, mostrando diminuição da expressão de genes relacionados aos lisossomos envolvidos na autofagia.
Próximos passos
A descoberta de que os macacos rhesus são capazes de desenvolver uma resposta imune duradora, de forma a responderem mais rápido após uma segunda infecção, e de que há anticorpos gerados contra o parasita que encaminham a cura, indicaram que é possível utilizar os alvos desses anticorpos no desenvolvimento de vacinas nos próximos anos.
Os próximos passos do estudo serão a identificação de proteínas do parasita que são atingidas pelos anticorpos dos macacos, para que possam ser realizados testes como candidatas para fazerem parte de uma vacina contra a esquistossomose, considerada uma doença negligenciada e típica de países pobres.
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Referências:
Esquistossomose: causas, sintomas, tratamento, diagnóstico e prevenção. Ministério da Saúde.