A Síndrome de Munchausen (ou transtorno factício) é um transtorno psiquiátrico no qual uma pessoa assume o papel de um paciente doente, fingindo ou criando problemas físicos ou mentais.
Esses pacientes costumam ser um mistério para os profissionais de saúde, e os resultados radiográficos e laboratoriais podem ser inconsistentes com a história e o exame físico. Além disso, o tratamento é extremamente difícil, tendendo a ser ineficiente.
Por meio da compreensão dos critérios diagnósticos, características da doença e abordagens de tratamento, os médicos podem estar mais bem preparados para lidar a Síndrome de Munchausen quando encontrada. Um diagnóstico precoce auxilia na prevenção e tratamento de consequências mentais e físicas, além de uma redução considerável de procedimentos desnecessários nos serviços de saúde.
Veja uma revisão sobre o assunto.
Transtorno Factício – Síndrome de Munchausen
Por definição, a Síndrome de Munchausen é um transtorno psiquiátrico no qual o paciente finge doenças físicas ou mentais. Os sinais e sintomas podem ser fingidos ou criados, desde falar que está com dor abdominal até colocar sangue em um exame de urina. O objetivo é “parecer doente”.
Os sintomas e sinais podem ser autorrelatados ou “por procuração” (by proxy), quando alguém cria sintomas em um terceiro – em geral, de pai para filho.
A doença (CID10: F68.1) é mais comum em mulheres, em pessoas com traços de personalidade antissocial e borderline, e naquelas com certa experiência na área de saúde. Embora de difícil diagnóstico, pode acometer até 1% da população, e representa cerca de 1,3% dos pacientes hospitalizados.
A etiologia é multifatorial, pautando-se principalmente nos seguintes pilares:
- Fatores Psicossociais: estressores prévios como abandono, perdas, abusos, traumas ou mesmo prazer em enganar os médicos. Através da fabricação de uma doença médica, esses pacientes são capazes de receber atenção e, às vezes, cuidados dentro da comunidade de saúde que talvez não tivessem em casa. Alguns pacientes que conseguem aceitar e entender seu diagnóstico relatam uma intenção de criar “um senso de importância” e “lugar de pertencimento”.
- Neurocognição: disfunção no hemisfério cerebral direito – alterações na capacidade de organização conceitual, manejo de informações complexas e comprometimento de julgamento.
- Alterações neuroanatômicas: o que pode incluir – lesões na substância branca, atrofias corticais frontotemporais e hiperperfusão do tálamo.
Até o momento, a fisiopatologia da doença é desconhecida.
Como identificar os sinais e sintomas?
Na grande maioria dos casos, os pacientes apresentarão queixas somáticas correlacionadas a uma doença médica. Embora a apresentação do transtorno de Munchausen possa variar amplamente, algumas das apresentações são mais comuns, como dor abdominal, náuseas, vômitos, dor no peito.
Além disso, não é incomum que o paciente propositalmente induza sintomas, como comer comida estragada, criar lesões na pele causando feridas. Ainda, o uso de sangue intencionalmente na urina é muito comum, assim como injeção proposital de insulina e uso de laxantes para induzir diarreia. Convulsões, psicose, fraqueza e ideação suicida também são relatados.
Como diagnosticar?
O diagnóstico é puramente clínico, e deve-se observar o paciente, conversar e analisar. É importante estar atento em algumas características que podem auxiliar no diagnóstico.
Pacientes com histórias dramáticas, inconsistentes, e sempre em busca de novos hospitais devem ser monitorados com cautela. Em geral, os pacientes também apresentam histórico de internações frequentes, e apresentam resistência e hostilidade quanto é solicitado o prontuário anterior.
Ainda, como comentamos, a maioria dos pacientes com a síndrome possuem amplo conhecimento de terminologias médicas, e vão se utilizar disto. Há também casos nos quais os pacientes sentem orgulho em ser “um desafio médico”, visto que os sintomas são inespecíficos e difíceis de confirmar com exames laboratoriais ou radiográficos.
Os sinais em geral são flutuantes e tendem a melhorar com placebo – e piorar com medicamentos. A falta de resposta ao tratamento pode funcionar como um sinal de alerta.
Para o diagnóstico da Síndrome de Munchausen, utiliza-se o DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), em que todos os seguintes critérios devem ser preenchidos:
- Falsificação de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos, ou indução de lesão ou doença, associada a fraude identificada.
- O indivíduo se apresenta a outros como doente, incapacitado ou lesionado. Em caso de transtorno factício imposto a outro (by proxy), o indivíduo apresenta o outro a terceiros dessa forma.
- O comportamento fraudulento é evidente mesmo na ausência de recompensas externas óbvias.
- O comportamento não é mais bem explicado por outro transtorno mental, como transtorno delirante ou outra condição psicótica.
Como tratar?
Primeiramente, na suspeita diagnóstica, o profissional de saúde deve ser cauteloso e evitar perguntas acusatórias. Ao sugerir encaminhamento psiquiátrico, alguns pacientes podem apresentar piora dos sintomas.
Por ser um transtorno no qual o paciente cria os sinais e sintomas, tratamentos convencionais são praticamente ineficazes. Os estudos mostram que antidepressivos e/ou antipsicóticos não mostram benefício contra a doença.
Para estes pacientes, recomenda-se atenção multidisciplinar, incluindo psiquiatra, psicólogo, prestador de cuidados primários e assistente social. É essencial abordar as necessidades emocionais subjacentes do paciente para determinar a motivação para a síndrome de Munchausen. Na maioria dos casos, os pacientes não compreendem a lógica do diagnóstico.
A terapia cognitivo comportamental (TCC) é a mais eficaz, mas ainda com baixo índice de aceitação e resposta. Em alguns casos, direcionar a terapia para traumas de infância pode ajudar.
Avaliar a presença de outras comorbidades psiquiátricas associadas também é importantes, e sempre deve-se afastar causas orgânicas para os achados clínicos presentes. Lembrando que medidas de segurança devem ser tomadas em casos de transtorno factício “by proxy”, protegendo as pessoas vulneráveis próximas ao paciente com o transtorno.
Síndrome de Munchausen após a pandemia de COVID-19
Um questionamento importante levantado recentemente por autores é quanto aos riscos de desenvolvimento da síndrome de Munchausen pós-COVID. É “fácil” imitar os sintomas da COVID-19, visto que estamos bem familiarizados com eles. Ainda, como negar objetivamente perda de olfato e paladar?
Há relatos de falsificação de relatórios de testes para detecção de SARS-CoV-2, visto a facilidade em editar textos online. É necessária maior atenção dos profissionais de saúde nessa era pós pandemia.
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Referências:
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Abeln B, Love R. An Overview of Munchausen Syndrome and Munchausen Syndrome by Proxy. Nurs Clin North Am. 2018 Sep;53(3):375-384. doi: 10.1016/j.cnur.2018.04.005. PMID: 30100003.
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