A pandemia de COVID-19 agravou os casos de depressão e ansiedade em todas as faixas etárias
Embora pouco discutido, há um número considerável de crianças com sintomas ansiosos e depressivos, e que experimentam comportamentos de automutilação e ideação suicida, destacando a necessidade de atenção redobrada à saúde mental infantil.
De acordo com dados da OMS, a pandemia de COVID-19 criou um aumento de sintomas de ansiedade e depressão em todo o mundo – e isso não seria diferente em crianças.
Deixando um pouco de lado os fatores biológicos, a interação cuidador-criança, principalmente na primeira infância, é essencial para a saúde mental do adulto. Com a pandemia, diversos fatores influenciaram nessa relação – fechamento de escolas, grande estresse dos familiares, cuidadores desenvolvendo sintomas psicológicos.
Uma metanálise publicada esse ano indicou que, de quase 100.000 crianças de 6-12 anos avaliadas, 7,5% apresentaram ideação suicida, e 21,9% indícios de automutilação. Essa prevalência foi ainda maior quando relatada pelas crianças (10,9%), em comparação aos relatos apenas pelos pais.
Nesse sentido, muitas crianças podem estar em situação de vulnerabilidade emocional, necessitando de estratégias de prevenção mais apropriadas, equipes de apoio emocional e maior suporte familiar.
Traumas e estresse na infância podem resultar em sintomas depressivos na vida adulta
Sabemos que a relação causa e efeito não é tão simples e aplicável em mesmo grau a todas as crianças. As mesmas exposições a eventos psicológicos podem até ter efeitos opostos em crianças diferentes.
Os sintomas também podem variar conforme a idade e as questões individuais de cada criança, o que pode dificultar o diagnóstico. Sintomas comportamentais como irritabilidade, raiva, agressividade e labilidade emocional dificilmente são relatados como críticos – especialmente na adolescência.
Porém, é consenso que o trauma e situações de grande estresse na infância são fatores de risco comum e potente para o desenvolvimento de transtorno depressivo maior na idade adulta.
Além disso, é possível notar uma diferença entre traumas “únicos” e traumas “crônicos”. Em geral, crianças que passam por eventos únicos traumáticos recebem apoio psicológico e intervenção terapêutica com maior frequência – o que resulta em menos danos no futuro.
Já em situações crônicas (como traumas recorrentes, crianças em situações de vulnerabilidade), o apoio à saúde mental e a terapia “de segurança” são mais limitados, visto a situação de base enfrentada. Nesses casos, o risco de desenvolvimento de distúrbios psicológicos é maior, principalmente pela normalização do trauma vivenciado.
Nesse sentido, alguns estudos indicam que há um risco de sintomas de início mais precoce, crônicos ou recorrentes, além de maior probabilidade de comorbidades associadas.
O tratamento ativo também é eficaz em adultos que sofreram traumas na infância
Alguns trabalhos também sugerem que farmacoterapias e psicoterapias podem ser menos eficazes em pacientes com história de trauma na infância. Porém, uma grande metanálise contestou essas afirmações.
Publicado na revista The Lancet Psychiatry, o trabalho buscou comparar a eficácia da terapia com fármacos, psicoterapia e intervenção combinada em pacientes com transtorno depressivo maior em indivíduos com e sem traumas na infância.
Apesar de apresentarem depressão mais grave no início do estudo, os pacientes com trauma na infância se beneficiaram do tratamento ativo de forma semelhante aos pacientes sem histórico de trauma na infância.
Nesse sentido, psicoterapia e farmacoterapia devem ser oferecidas a pacientes com transtorno depressivo maior, independentemente do status do trauma na infância. Esses resultados trazem uma esperança no tratamento destes pacientes.
Foco em saúde mental desde a infância
Alguns pesquisadores avaliaram as dificuldades enfrentadas na infância e como isso foi relacionado na vida adulta. Sentimentos de desconfiança pessoal, vergonha e dependência emocional são amplamente relatados.
Identificar os sintomas de forma precoce, fornecer apoio psicológico e terapias individualizadas (farmacológicas ou não) desde a infância é essencial, e pode reduzir o sofrimento dos pacientes e predizer melhores desfechos clínicos.
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Referências:
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