Predisposição genética a alterações cerebrais pode explicar o abuso de álcool

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Será que consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode ser associado a diferentes padrões estruturais cerebrais? Se sim, esses padrões seriam determinados geneticamente? Há uma predisposição ao abuso de álcool?

É o que um novo estudo, publicado na JAMA Psychiatry, se propôs a discutir.

Consumo sem limites!

O consumo de bebidas alcoólicas frequentemente é estimulado em nossa sociedade, especialmente entre jovens. Porém, o álcool é uma substância psicoativa que causa dependência, e seu uso excessivo é um dos principais fatores de risco para incapacidade e morte prematura.

Além do fator social, a complexidade genética também influencia na vulnerabilidade ao abuso de substâncias. Hipóteses como a de alteração no sistema dopaminérgico, por exemplo, relacionam os padrões de recompensa cerebral e a hereditariedade.

Porém, estudos com abuso de substâncias sempre são difíceis de serem conduzidos, incluem muitos vieses, e raramente propõe causalidade.

Tentando buscar novas respostas, um grande estudo foi publicado na JAMA Psychiatry, com mais de 750 mil participantes, e análises de neuroimagem, análises genéticas e avaliações comportamentais e clínicas sobre consumo de álcool.

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Predisposição a alterações cerebrais e consumo de álcool: uma associação unidirecional

Todos os dados do estudo foram obtidos de estudos GWAS (Genome Wide Association Studies), que são estudos de associação genômica ampla, capazes de correlacionar (métodos matemáticos) as características clínicas identificadas com as variantes genéticas detectadas.

Dentre as medidas de neuroimagem, foram incluídas 19 medidas de estrutura cerebral por RM, destacando nas análises a espessura cortical global e a área de superfície cortical global. Para análise de consumo de álcool, foram avaliadas três coortes diferentes, que incluíam dados de bebidas alcoólicas consumidas por semana, frequência de consumo excessivo e transtorno por uso da substância.

Os pesquisadores encontraram associações entre as medidas avaliadas: espessura cortical global, área de superfície cortical global, consumo excessivo de bebidas e predisposição genética ao alcoolismo. Os principais achados foram:

  • Uma predisposição genética para a redução da espessura cortical global pode estar associada ao maior consumo de álcool;
  • Em sentido oposto, a predisposição genética ao uso de álcool não pareceu relacionada a alterações de estrutura ou plasticidade cerebral;
  • Uma predisposição genética para o maior volume do globo pálido direito também foi associado ao aumento do consumo excessivo de álcool e maior risco para alcoolismo. No entanto, após o refinamento das análises, a associação estatística não foi confirmada, necessitando de mais estudos.
  • Foram encontrados 8 genes associados à região do globo pálido direito e pelo menos um gene relacionado ao comportamento. Os genes identificados estão numa região específica que pode estar relacionada ao hormônio liberador de corticotropina e seus agonistas, a regulação positiva ao estresse e adaptações comportamentais ao uso nocivo da substância. Porém, os autores comentam que são apenas hipóteses e devem ser avaliadas com cautela.
  • Outras regiões também foram associadas ao uso nocivo da bebida, como globo pálido esquerdo, tronco cerebral e alterações de volume da amígdala e putâmen direito.
  • Foi visto que a transmissão de glutamato tem um papel essencial. Em uma análise de estudos celulares, foram vistos 30 tipos celulares diferentes relacionados ao comportamento, sendo 27 glutamatérgicas excitatórias e 3 GABAérgicas inibitórias.

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Considerações finais

Os estudos que avaliam a influência do álcool nas estruturas cerebrais têm foco bidirecional: o quanto o seu consumo altera a neuroanatomia, mas também como a neuroanatomia influencia no risco ao abuso.

Nesse sentido, alguns trabalhos já mostraram que pode haver uma redução da espessura em regiões corticais com o alcoolismo, e algumas alterações podem ter uma influência na neurotoxicidade causada pelo psicoativo, ou na preferência ao consumo de bebidas.

Mas, de fato, identificar uma associação direta é muito difícil – e improvável. Ensaios clínicos randomizados e cegados para inferir causalidade não são nada práticos nesse contexto (tampouco éticos). Dessa forma, os pesquisadores precisam ser criativos em utilizar abordagens alternativas, com grandes conjuntos de dados, a fim de caracterizar da melhor forma possível a hipótese testada.

Nesse sentido, esse estudo tem uma vantagem: o uso de randomização mendeliana (um velho conhecido aqui dos nossos artigos). Essa análise permite identificar associações direcionais, evitando variáveis de confusão em estudos observacionais. Ainda, ao incluir as variáveis genéticas, os dados ficam robustos!

Ainda assim, há limitações como todo trabalho. De toda forma, as recomendações para pacientes em uso nocivo de álcool e com risco de transtorno por abuso de substâncias permanece a mesma. É importante ficar atento aos sinais de cada paciente, e alertar quanto aos efeitos prejudiciais do consumo excessivo.

Referências:

Mavromatis LA, Rosoff DB, Cupertino RB, Garavan H, Mackey S, Lohoff FW. Association Between Brain Structure and Alcohol Use Behaviors in Adults: A Mendelian Randomization and Multiomics Study. JAMA Psychiatry. 2022;79(9):869–878. doi:10.1001/jamapsychiatry.2022.2196

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