Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, para o ano de 2020, cerca de 37,7 milhões de pessoas foram portadoras de HIV ao redor do mundo. Deste total, estima-se que cerca de 14% dos pacientes não sabiam que eram portadoras da doença.
Os tratamentos antirretrovirais mantêm a doença controlada, mas não levam a cura. Recentemente, foi relatado o caso da segunda paciente em que a doença entrou em remissão de forma espontânea.
HIV e interação com o hospedeiro
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) tem como principal alvo de ataques células do sistema imunológico, em especial as células T CD4. Este grupo de células imunológicas desempenha papel primordial na coordenação da imunidade humana.
As células CD4 são chamadas de células efetoras (T ‘’helper’’) e estão associadas principalmente na identificação e ataque de antígenos não pertencentes ao organismo, também estimulando a proliferação de outras células imunológicas, como os linfócitos B.
Ao infectar estas células, o HIV, quando em ciclo lítico, domina o metabolismo destas células para produção de cópias de si mesmo, o que leva a morte destas células. Tal ação acaba por enfraquecer o sistema imunológico do paciente acometido pela infecção.
Tem cura?
Existem opções terapêuticas profiláticas pré-exposição que podem ser utilizadas de maneira eficiente para que a infecção pelo vírus seja evitável. Entretanto, em caso de contágio, diversos tratamentos são atualmente disponíveis.
Os tratamentos antirretrovirais mantêm a doença controlada, fazendo com que os números de copias do vírus não seja detectável em exames de rotina. Entretanto os tratamentos não levam a cura da doença, sendo que, em caso de suspensão do uso, há recidiva da doença.
Ainda assim, existem relatos na literatura médico-científica de pacientes curados. Na maioria dos casos relatados, os pacientes passaram por procedimentos, como transplante de medula óssea, e apresentaram remissão da doença logo em sequência. Entretanto, raros são os eventos de cura “espontânea” da doença – sem que haja intervenção médica além do convencional.
Uma notícia de esperanza: relato de remissão espontânea
Todavia, recentemente, foi noticiado o relato da segunda paciente em que a doença entrou em remissão espontaneamente. Trata-se do caso de uma paciente argentina, apelidada de “paciente esperanza“. Alguns especialistas da área na Argentina e nos EUA comentaram o caso.
A Dra. Natalia Laufer, do Instituto de Investigaciones Biomédicas en Retrovirus y SIDA (INBIRS) e professora na Facultad de Medicina de la Universidad de Buenos Aires comenta que, embora com cautela, essa paciente possa “representar um caso de cura esterilizante”.
Até o momento, sabe-se que cerca de 1% dos pacientes acometidos pela doença conseguem controlá-la de maneira eficiente, sem a necessidade de tratamentos medicamentosos. Este grupo seleto de pacientes são denominados “controladores de elite” sendo estes capazes de manter a carga viral indetectável.
A paciente argentina que conseguiu a cura da doença de maneira espontânea possuía poucos reservatórios virais – locais onde o vírus é capaz de se manter replicante, mesmo que em baixas taxas, e se “esconde” do sistema imunológico, para se manter viável.
O único caso semelhante é de uma paciente da California de 67 anos, que depois de conviver com o HIV por 28 anos, deixou de apresentar traços replicantes do vírus em seus tecidos.
Mesmo com o ânimo de alguns cientistas, outros preferem manter uma visão um pouco mais cautelosa acerca do tema. A Dra. Deborah Persaud, chefe interina do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade Johns Hopkins e diretora do IMPAACT HIV Cure Scientific Committee nos EUA, elenca que as afirmações de alguns cientistas “podem causar confusão, porque não há provas definitivas de que a paciente jamais tenha tido infecção por um vírus da imunodeficiência humana com capacidade de replicação.”
Ainda, revelou que em contrapartida, os achados dos estudos genéticos (deleções e mutações) poderiam ser “mais compatíveis com um evento de infecção abortiva – quando células são infectadas pelo vírus, mas não produzem nenhuma progênie viral infectante”.
Ainda que haja controversas acerca dos achados, os mecanismos pelos quais o sistema imunológico da paciente utilizou para que obtivesse a cura devem ser explorados e mais bem compreendidos, para que, eventualmente, melhores tratamentos ou estratégias terapêuticas possam ser utilizadas.
_______________________________________________________________________
Referências:
‘Esperanza Patient’ Offers Hope for a Sterilizing HIV-1 Cure. Medscape. 2021.