

Atletas amadores e profissionais constantemente buscam formas de melhorar seus desempenhos e alcançar resultados de forma mais rápida. A busca pelo aumento de resistência, recuperação e hipertrofia permeia o uso de inúmeras substâncias, que varia de hormônios aos suplementos alimentares e farmacológicos. No entanto, você sabe o que a ciência diz sobre suplementação?
Suplementos no Esporte e Atividade física: O que é Ciência e o que é só Hype?
De acordo com as principais instituições de medicina esportiva (Australian Institute of Sport – AIS, American College of Sports Medicine – ACSM, Academy of Nutrition and Dietetics – Academy, Dietitians of Canada – DC, International Olympic Committee – IOC) os suplementos de maior robustez científica são: creatina, cafeína, beta-alanina, bicarbonato de sódio e nitrato. Estes correspondem ao grupo “A” da classificação “ABCD” da AIS.
Você pode checar os outros grupos clicando nesse link.
O que a Ciência diz sobre Suplementação de Creatina
A creatina é o ergogênico mais estudado na prática esportiva e atua aumentando a reserva de fosfocreatina no sarcoplasma.
A fosfocreatina consiste na ligação de uma molécula de ATP a creatina e é responsável pelo reabastecimento imediato de ATP nos primeiros segundos de atividade física, enquanto outras vias metabólicas são ativadas.
Durante atividades físicas de alta intensidade e curta duração, o subgrupo de fibras musculares do tipo IIa e IIx são recrutadas. Essas fibras possuem grande arsenal bioquímico para realização de respiração celular anaeróbica e possuem poucas mitocôndrias em seu interior.
O efeito dessa suplementação esportiva demanda uso crônico diário. Os protocolos de saturação ou sem saturação não apresentam relação de superioridade entre eles, sendo a dose recomendada de 3-5 g/dia, em qualquer horário. Por fim, indivíduos destreinados apresentam maior resposta ao uso.
Suplementação Esportiva com Cafeína
A cafeína atua como antagonista de adenosina. Esta, quando acumulada nas fendas sinápticas, gera sintomas de cansaço, sonolência, redução de foco e atenção. Ao antagonizar a adenosina, a cafeína aumenta a disposição, atenção e diminui a percepção de dor.
Uma vez que a prática esportiva apresenta importante relação com o estado mental do atleta, a suplementação com cafeína melhora a performance. A dose ideal é de 3-6 mg/kg de peso, 30-60 min antes da prática esportiva, seja ela aeróbica ou anaeróbica.
Suplementação Esportiva com Beta-alanina e bicarbonato de sódio
Estes suplementos podem ser vistos como uma dupla, pois ambos atuam como sistemas tampão (aqueles sistemas em que o pH é mantido em uma faixa estreita, mesmo com a adição de bases ou ácidos ao meio). A beta-alanina é responsável por fortalecer o sistema tampão intracelular, enquanto o bicarbonato de sódio o sistema extracelular.
Beta-alanina
O mecanismo da beta-alanina é indireto, pois a sua suplementação resulta na elevação dos níveis de carnosina no sarcoplasma. Dentre suas funções, a carnosina é um dos principais tampões intracelulares.
Durante atividades físicas intensas e duradouras ocorre redução do pH celular, o qual é um dos mecanismos que contribui com a fadiga e redução de performance. Portanto, com maior concentração de carnosina, mais lentamente o pH se altera e mais lentamente o atleta entra em fadiga.
Assim como a creatina, a beta-alanina é dependente do uso crônico diário para surgimento da resposta. A dose indicada é de 3,2 – 6,4 mg/dia, devendo ser dividida em 4 doses diárias, para redução dos efeitos colaterais, durante 4 a 10 semanas. Após isso, doses diárias de 1,2 mg/dia parecem ser suficientes como dose de manutenção.
A suplementação de beta-alanina está indicada para atividades que duram de 1 a 10 minutos – doses de 3,2 mg/dia são adequadas para atividades intensas de 1 a 4 minutos, enquanto doses de 6,4 mg/dia são adequadas para aquelas de 4 a 10 minutos de duração.
Bicarbonato
O bicarbonato atua no ambiente extracelular com a mesma função de regulação do pH intersticial. Diferentemente da beta-alanina, seu efeito é direto e relacionado com o momento do uso (não necessita de uso diário).
O ganho desta suplementação está nas atividades de alta intensidade com duração de 1 a 7 minutos. No entanto, a dose recomendada de 0,3 mg/kg de peso corporal, 60-90 minutos antes da prática, gera muitos efeitos gastrointestinais, o que dificulta a tolerabilidade a esta suplementação no esporte.
Suplementação Esportiva com Nitratos
A suplementação com nitrato está muito relacionada com o suco de beterraba, por ser o vegetal com maior concentração deste composto. No entanto, o nitrato é um precursor do óxido nítrico (NO), o qual é o responsável pelos efeitos ergogênicos.
Uma vez absorvido, o nitrato é secretado na saliva. A microbiota oral é responsável por transformar o nitrato em nitrito, que é deglutido e absorvido pelo intestino. O nitrito é, então, convertido a NO pelo endotélio e desempenha sua função.
Nos vasos, o NO é responsável por vasodilatação, permitindo maior aporte de oxigênio, nutrientes e maior escoamento de escórias metabólicas. No entanto, não é esta a principal justificativa para o efeito ergogênico do nitrato.
No interior mitocondrial, na cadeia transportadora de elétrons, o NO aumenta a efetividade do oxigênio na produção de ATP – aumenta a razão P/O (fosfato/oxigênio). Isso significa que o NO permite a produção de mais moléculas de ATP a partir de menos moléculas de oxigênio. Por estes mecanismos, o nitrato é um bom suplemento para atividade físicas aeróbicas.
Como dito anteriormente, as atividades anaeróbicas, que envolvem potência e pouca duração, são desempenhadas pelas fibras musculares do tipo IIa e IIx. Estas apresentam poucas mitocôndrias, além de possuírem pouca vascularização local, o que as levaram a serem denominadas “fibras brancas”.
Nas atividades aeróbicas, as principais fibras recrutadas são as do tipo I. Estas fibras apresentam muitas mitocôndrias em seu interior e são altamente vascularizadas, sendo denominadas “fibras vermelhas”.
A suplementação é feita com 300-600 mg de nitrato, de 2 a 4 horas antes da atividade física, principalmente em atletas de endurance. Importante notar que o uso de enxaguantes bucais pode reduzir a eficácia desta suplementação, por interferir na conversão oral de nitrato em nitrito.
Devemos oferecer suplementos para todos os pacientes que querem praticar atividades físicas?
O uso de suplementos alimentares permeia o imaginário popular e, até mesmo, o profissional. É um setor com grande apelo comercial e questionável regulamentação, devido sua natureza “alimentar” e “não farmacológica”. Assim, o seu uso de forma não racional e técnica impacta mentalmente e financeiramente a população atleta.
A suplementação nunca deve ser o ponto de partida do acompanhamento dos nossos pacientes e atletas, mas sim como a “cereja do bolo”. Fatores muito mais importantes envolvem o plano nutricional, treinamento consistente, sono, hidratação e saúde mental.
Portanto, sua prescrição deve ser feita de forma criteriosa, avaliando a robustez científica vigente, o nível do atleta, a periodização alimentar e de treinamento, bem como a saúde financeira. Mas, talvez, a principal questão deva ser: “será mesmo que esse atleta precisa de suplementação?”.
Referências:
Thomas DT, Erdman KA, Burke LM. American College of Sports Medicine Joint Position Statement. Nutrition and Athletic Performance. Med Sci Sports Exerc. 2016 Mar;48(3):543-68. doi: 10.1249/MSS.0000000000000852. Erratum in: Med Sci Sports Exerc. 2017 Jan;49(1):222. doi: 10.1249/MSS.0000000000001162. PMID: 26891166.
AIS Position Statement: Supplements and Sports Foods in High Performance Sport – https://www.ais.gov.au/__data/assets/pdf_file/0014/1000841/Position-Statement-Supplements-and-Sports-Foods.pdf
Valiño-Marques, A.; Lamas, A.; Miranda, J.M.; Cepeda, A.; Regal, P. Nutritional Ergogenic Aids in Cycling: A Systematic Review. Nutrients 2024, 16, 1768. https://doi.org/10.3390/nu16111768
Antonio, J.; Pereira, F.; Curtis, J.; Rojas, J.; Evans, C. The Top 5 Can’t-Miss Sport Supplements. Nutrients 2024, 16, 3247. https://doi.org/10.3390/nu16193247
Maughan RJ. IOC Medical and Scientific Commission reviews its position on the use of dietary supplements by elite athletes. British Journal of Sports Medicine 2018;52:418-419. – doi. org/ 10. 1136/ bjsports- 2018- 099199
Kreider et al. Journal of the International Society of Sports Nutrition (2017) 14:18 DOI 10.1186/s12970-017-0173-z
Wang, Z.; Qiu, B.; Li, R.; Han, Y.; Petersen, C.; Liu, S.; Zhang, Y.; Liu, C.; Candow, D.G.; Del Coso, J. Effects of Creatine Supplementation and Resistance Training on Muscle Strength Gains in Adults <50 Years of Age: ASystematic Review and Meta-Analysis. Nutrients 2024, 16, 3665. https://www.mdpi.com/2072-6643/16/21/3665
Milioni F, de Poli RAB, Saunders B, Gualano B, da Rocha AL, Sanchez Ramos da Silva A, Muller PTG, Zagatto AM. Effect of β-alanine supplementation during high-intensity interval training on repeated sprint ability performance and neuromuscular fatigue. J Appl Physiol (1985). 2019 Dec 1;127(6):1599-1610. doi: 10.1152/japplphysiol.00321.2019. Epub 2019 Oct 17. PMID: 31622158.