INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020 e, apesar de todos os esforços globais, os números continuam alarmantes. Mais de 242 milhões de pessoas foram contaminadas por SARS-CoV-2 no mundo até o momento. A fim de comparação, é como se TODOS os habitantes do Brasil e do Peru fossem contaminados.
Mediante esse cenário, o mundo todo se viu forçado a encontrar novas soluções para conter a disseminação do vírus no menor tempo possível. As vacinas foram criadas e legalizadas em uma velocidade nunca vista antes, reduzindo os índices de transmissão e garantindo menor probabilidade de desenvolvimento dos quadros graves da doença.
Vale a pena conferir nosso post sobre a história das imunizações e a importância das vacinas no mundo.
Porém, como tratar adequadamente os infectados continua sendo uma questão importante, principalmente com o surgimento de mutações do SARS-CoV-2. Por isso, grupos de pesquisa têm se esforçado em encontrar substâncias e moléculas, sejam elas novas ou já conhecidas, que consigam, pelo menos, reduzir os sintomas mais severos dessa doença.
O caminho mais fácil e rápido no momento é a análise de moléculas já conhecidas e que tenham efeitos em quadros virais semelhantes ao causado pelo SARS-CoV-2.
Uma molécula que tem ganhado certo destaque nesse painel de drogas possíveis, é a melatonina.
MELATONINA
A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é uma molécula presente em quase todos os seres vivos conhecidos, ou seja, em termos evolutivos é uma molécula bastante antiga. Nos humanos, a principal estrutura responsável pela síntese de melatonina é a glândula pineal, localizada na extremidade posterior do terceiro ventrículo.
Outro detalhe muito importante na síntese de melatonina: sua produção se dá apenas durante a noite e em completa escuridão. O conselho que deixamos aqui é: melhor dizer adeus às olhadinhas no celular durante a noite para saber quantas horas ainda vai poder dormir!
Provavelmente, você já deve ter ouvido falar sobre o “hormônio do sono”. A melatonina é muito utilizada para promover o ajuste do ciclo de sono e vigília. Mas essa molécula vai além e apresenta outras características fundamentais, como o fato de ser um antioxidante natural muito poderoso, contribuir para a regulação do metabolismo corporal, mobilizar mecanismos reparadores de DNA, regular o sistema imune entre outros.
INFLAMAÇÃO DEMAIS, SAÚDE DE MENOS
Alguns quadros de infecção viral têm como uma das principais características a resposta exacerbada de processos inflamatórios, havendo muitas vezes a ocorrência das tempestades de citocinas. Como sabemos, os processos inflamatórios são essenciais para a nossa existência, mas não podemos exagerar! Resposta inflamatória intensa gera danos teciduais importantes, comprometendo ainda mais o quadro do paciente.
Por mais que essa seja uma tentativa do sistema imune de proteger o organismo e impedir a replicação viral, a resposta inflamatória intensa gera o efeito contrário, através da produção excessiva de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, promove danos. O acúmulo desses radicais livres pode gerar danos importantes aos tecidos, levando à piora do quadro do paciente.
Voltando à melatonina… Principalmente devido às suas ações anti-inflamatórias e antioxidantes, a ideia de utilizá-la como alternativa terapêutica no combate aos quadros infecciosos virais não é nova.
Em alguns estudos, essa molécula foi utilizada como estratégia terapêutica em infecções virais como Influenza A e Ebola, por exemplo. Em ambos os casos, a infecção resulta em resposta inflamatória intensa, com aumento da produção e liberação de quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, INFα, IL-6 e IL-8.
Nesses modelos experimentais, o tratamento com melatonina capaz de:
- reduzir citocinas inflamatórias (como IL-6, IL-8, TNF-α, INF-α)
- reduzir a quantidade de células CD8 (de ação citolítica) no baço e nos pulmões;
- aumentar a produção de citocinas anti-inflamatórias (como IL-1β, IL-10, INFγ);
- aumentar a atividade de células NK;
- inibir a replicação viral;
- sequestrar radicais livres formados e aumentar a atividade de outros agentes antioxidantes endógenos.
E a COVID-19? O que tem a ver?
Assim como os exemplos de infecções virais citados acima, a infecção por SARS-CoV-2 também gera resposta inflamatória e estresse oxidativo intensos, que irão resultar em danos teciduais associados à severidade do quadro de COVID-19.
Entendendo que a melatonina pode reduzir a tempestade de citocinas e o estresse oxidativo, essa se tornou uma molécula de interesse para estudos clínicos, visando principalmente a terapia complementar em pacientes com COVID-19.
No momento ainda não temos dados conclusivos de ensaios clínicos acerca da utilização de melatonina, porém, alguns dados de estudos anteriores indicam uma provável contribuição positiva.
A entrada do vírus SARS-CoV-2 nas células do organismo se dá através de proteínas de membrana denominadas spikes (S1 e S2). Para garantir a entrada do vírus nas células do trato respiratório, S1 se liga aos receptores de membrana ACE 2 das células do hospedeiro e S2 facilita a fusão entre as membranas da célula e do vírus. A expressão e distribuição de ACE2 na membrana pode ser regulada pela calmodulina.
E aí vem o pulo do gato: a melatonina é capaz de reduzir a expressão de calmodulina!
Imagina-se então que, mediante administração de melatonina, haverá redução de ACE2, levando à redução do acoplamento entre SARS-CoV-2 e a ACE2, resultando na diminuição da probabilidade de entrada do vírus nas células.
Supondo que o vírus consiga entrar, haveria aí outra frente de defesa: o tratamento com melatonina é capaz de reduzir proteases semelhantes a quimiotripsina, uma proteína vital para a replicação viral.
Estudos também mostram que o tratamento com melatonina é capaz de inibir angiotensina II e facilitar a ação da angiotensina 1-7!
Ao se ligar em ACE2, o SARS-CoV-2, promove a ativação de uma cascata, formando angiotensina-II que reduz os efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e antifibróticos da angiotensina 1-7. O aumento de angiotensina II e redução da angiotensina 1-7, leva à ruptura das células pulmonares, aumentando ainda mais as respostas pró-inflamatórias.
Por inibir a angiotensina II e aumentar os níveis de angiotensina 1-7, a melatonina conseguiria proteger a célula pulmonar, reduzindo a resposta inflamatória.
Além disso, durante o pico da infecção por SARS-CoV-2, há também ativação da resposta dos inflamassomas que são complexos multiprotéicos intracelulares do sistema imune inato. A ativação desses complexos promove a ativação das vias de sinalização de mecanismos de morte celular. Uma vez que o conteúdo da célula em processo de morte é liberado, a inflamação se intensifica ainda mais.
Ao inibir o inflamassoma, o tratamento com melatonina reduziria a resposta inflamatória causada pelo SARS-CoV-2.
Outro mecanismo pelo qual a melatonina exerce seu papel anti-inflamatório é a redução da produção de citocinas pró-inflamatórias, através de algumas estratégias, como inibição de NF-kB, de óxido nítrico sintase, ciclooxigenase 2 e ativação de TLR4. A ativação da sirtuína-1 pela melatonina, também seria um mecanismo útil na redução da inflamação, através da inibição de produção de macrófagos hiperinflamatórios.
A infecção por SARS-CoV-2 leva à sinalização anti-viral na mitocôndria, resultando em produção excessiva de radicais livres, que promove danos teciduais importantes, o que por sua vez ativa ainda mais as células do sistema imune (que também irão produzir radicais livres, alimentando esse sistema).
Além do efeito antioxidante próprio, a melatonina também promove síntese de outras enzimas antioxidantes (como SOD, catalase e GSH), sendo uma boa candidata para a redução do estresse oxidativo gerado durante a COVID-19, evitando ou reduzindo o dano oxidativo das células pulmonares que contribui para o quadro de hipóxia dos pacientes.
Agindo nessas três frentes (efeitos antiviral, anti-inflamatório e antioxidante), a melatonina seria, em tese, uma boa indicação para terapia complementar em qualquer fase da infecção por SARS-CoV-2. Inclusive, há na literatura evidências apontando para a segurança e ausência de adventos adversos graves durante a administração de melatonina.
Sabemos que até aqui foram muitas informações! Então, as três supostas frentes de ação da melatonina em pacientes com COVID-19 foram resumidas no esquema abaixo:
ESTUDOS CLÍNICOS
O que falta para o tratamento com melatonina ser oficialmente autorizado é a publicação de estudos clínicos a fim de confirmar ou descartar a eficácia dessa molécula em pacientes com COVID-19. Além disso, com esses trabalhos poderemos entender melhor sobre a segurança desse tipo de tratamento e quais seriam as dosagens mais adequadas. No momento, temos alguns ensaios clínicos em andamento e você pode ver alguns na tabela abaixo:
Por ora, só nos resta aguardar e ficar de olho nas futuras publicações desses resultados para sabermos se a melatonina será de fato considerada um tratamento complementar barato, seguro e eficaz.
Você já leu nosso post sobre Molnupiravir no tratamento da COVID-19? No nosso Portal você pode encontrar diversos posts e atualizações sobre a pandemia por coronavírus.
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Referências: