Marketing médico: quais os limites?
A remuneração pouco atrativa dos planos de saúde desanima os médicos e, especialmente, os recém-formados. Para não se tornarem escravos das agendas maçantes com consultas rápidas e sem diálogo, além de pagamentos irrisórios, muitos profissionais de saúde utilizam o marketing médico profissional como estratégia para fazer sua clientela, expor seus propósitos na medicina e produzir conteúdo relevante, identificando seu público-alvo e fidelizando os pacientes.
Essa busca por condições de trabalho e retorno financeiro decentes é decorosa, no entanto, muitos profissionais se distanciam desse objetivo e utilizam o marketing médico, único e exclusivamente, para promoção pessoal e benefício monetário.
As redes sociais, assim como as empresas de marketing, que enxergaram nesses profissionais um grande potencial lucrativo, ajudaram a banalizar esse método, muitas vezes convertendo-o em fonte de propaganda enganosa, divulgação de conteúdos ilegais e, especialmente, tratando com leviandade, assuntos sérios pertinentes à saúde.
O grande peso das redes sociais que atingem milhões de pessoas ao “viralizar” determinados conteúdos faz dessa mídia o aliado do marketing profissional, utilizando-a especialmente para aumentar o alcance dos conteúdos divulgados, mas também para permitir que a população tenha acesso a educação relacionada a saúde, como a importância de certas atividades, perigos de determinados hábitos, sinais e sintomas e conhecimento das mais diversas opções de tratamento.
As redes sociais também transformaram a maneira da população buscar por determinado profissional, facilitando seu acesso à formação acadêmica, método de trabalho e abordagem do profissional, inclusive munindo-a de conhecimento para realizar questionamentos e fugir de situações enganosas. No entanto, essa nova percepção converteu as midas sociais em condição “si ne qua non” para os médicos, especialmente àqueles que trabalham em consultórios, transformando um método que deveria ser um aliado do profissional em um pré-requisito, quase com mesmo peso que a sua formação acadêmica.
Em busca de se adequar à essa nova condição, muitos profissionais de saúde contratam empresas especializadas em marketing médico profissional, as quais, frequentemente, oferecem pacotes engessados, com métodos padronizados para produção e divulgação.
Além disso, alguns indivíduos não possuem perfil para realização de vídeos e palestras sobre determinados assuntos que, muitas vezes, dominam mais que a população médica geral. Porém, devido a uma questão de afinidade e didática, não conseguem expor esse conhecimento da forma que a mídia exige. Ou pior, certos profissionais, sugestionados pelas tendências do marketing, se expõe a situações constrangedoras, como fingir que estão ministrando aulas e palestras em congressos, sendo que esse cenário é completamente montado – não existe congresso ou público assistindo.
Temos visto até simulação de entrevistas em podcasts de longa duração, com microfones e conversas ficcionais em que não há entrevistador ou transmissão. Tudo isso é uma estratégia de marketing para posicionar profissionais como autoridades em determinado assunto, mesmo que seja no início da formação de sua carreira acadêmica, ou até mesmo sem carreira alguma em curso.
É claro que essa ferramenta auxilia diversos médicos a divulgarem seus excelentes trabalhos, permite a troca de informações entre o profissional e o público e até mesmo entre diferentes profissionais, permitindo que o médico tenha a liberdade de compartilhar nas mídias sociais a sua vivência e experiência da forma que mais se parece com ele. Agora, graças às mídias sociais, conseguimos escolher o profissional que mais se adequa às nossas expectativas e que se encaixa com nosso perfil.
No entanto, montar cenários fictícios e tentar transformar pessoas inexperientes em autoridades médicas somente com o uso de publicidade e propaganda é enganoso, pois a expertise médica se constrói ao longo de muitos anos, com aquisição de experiência, casuística e aprimoramento.
Preocupa o número de estudantes de medicina e recém-formados que não almejam realizar residência médica ou pós-graduação, pois pretendem somente investir grandes valores em empresas de publicidade e propaganda. Não podemos deixar que o árduo trabalho de uma boa e honesta carreira médica seja substituído por valores de merchandising. O marketing profissional, em muitos casos, pulou de ferramenta de auxílio para um mecanismo de enganação, promoção pessoal e antecipação de sucesso profissional, ainda que sem mérito.