Implante de insulina com corrente elétrica: uma possibilidade no tratamento da diabetes

adesivo de insulina implante por corrente eletrica

Novas pesquisas para o controle da insulina estão sempre sendo realizadas, devido à prevalência mundial de diabetes. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores publicou na Nature Metabolism uma tecnologia inovadora em desenvolvimento: uma interface eletrogenética que programa a expressão gênica em mamíferos através de uma corrente contínua.

Dessa maneira, uma corrente elétrica poderia estimular a produção de insulina, em células humanas (através de um implante de insulina), auxiliando no tratamento de diabetes tipo 1.

Incapacidade de produção de insulina na diabetes tipo 1

A diabetes tipo 1 (DM1) corresponde a 10% de todos os casos de diabetes mellitus, e corresponde a uma doença endocrinológica em que as células β das ilhotas de Langerhans pancreáticas são destruídas totalmente em um último estágio, culminando com uma incapacidade de produção de insulina.

Uma vez que os pacientes não produzem insulina endógena em quantidade suficiente (ou mesmo não produzem nada), o tratamento é baseado com o uso de insulina exógena. O controle glicêmico deve ser rigoroso, mantendo os valores o mais próximo do normal, uma vez que tal conduta diminui bastante a morbimortalidade.

Leia também: Fisiologia do Pâncreas Endócrino.

insulina

Biologia sintética e o uso de Wearables

A relação entre sistemas biológicos e sistemas eletrônicos é mediada pela biologia sintética, que une os princípios da engenharia e biologia. Com o avanço dessa ciência, busca-se tornar possível a regulação da expressão de certos genes através de dispositivos eletrônicos. Essa metodologia já se mostrou útil no tratamento de diversas condições, como câncer, infecções bacterianas, dor crônica.

No geral, os circuitos possuem “interruptores de genes” que são controlados por gatilhos como antibióticos, vitaminas, aditivos alimentares, e outros. Isso permite uma regulação e programação do comportamento celular. No entanto, essas substâncias estão sujeitas a variações na biodisponibilidade, efeitos colaterais e farmacodinâmica. Logo, o objetivo das pesquisas nessa área tem sido buscar gatilhos físicos, como a eletricidade.

É nesse contexto que foi proposto o artigo em questão: a necessidade de um dispositivo que permita o ajuste elétrico direto e fino da expressão de genes de mamíferos, alimentado por bateria, sem a necessidade de cofatores e dependente do tempo e da voltagem. Com o uso desses dispositivos, busca-se controlar a expressão genética.

Essa tecnologia representa um potencial para conectar intervenções médicas à Internet do corpo (uso do corpo humano como ferramenta de dados) ou à Internet das coisas (capacidade dos dispositivos utilizarem a internet e interagir entre si numa nuvem).

Os dispositivos eletrônicos “vestíveis”, também chamados de wearables, são o foco desse estudo, e já possuem um lugar na intervenção médica personalizada – através da aquisição de dados da saúde do indivíduo. Entretanto, como ainda não havia uma interface eletrogenética direta, esses dispositivos não tinham a capacidade de programar uma terapia baseada em genes.

Wearables implante de insulina

Tecnologia de regulação acionada por corrente contínua

Os pesquisadores conseguiram desenvolver uma interface eletrogenética: a tecnologia de regulação acionada por corrente contínua, ou DART (direct current actuated regulation technology). Essa metodologia controla a expressão de transgenes através de um eletrodo.

A DART funciona utilizando uma corrente contínua de baterias que é enviada para células humanas, com tempo e voltagem controlados. Esse suprimento de corrente contínua é utilizado para gerar níveis não tóxicos de espécies reativas de oxigênio. Essas moléculas atuam através de um biossensor para ajustar reversivelmente os promotores sintéticos, regulando a expressão de genes – como, por exemplo, da insulina.

Os pesquisadores testaram essa tecnologia em camundongos machos com diabetes tipo 1, com uma estimulação transdérmica uma vez ao dia de células humana microencapsuladas que foram implantadas via subcutânea. A estimulação foi realizada com agulhas de acupuntura energizadas (4,5 V de corrente contínua por 10 s) e estimulou a liberação de insulina, restaurando os níveis de glicose no sangue.

Ou seja, ao tornar as células responsivas à uma corrente de energia, foi possível estimular a produção de insulina endógena, de forma suficiente para restaurar a normoglicemia.

diabetes

Vantagens do implante de insulina com corrente elétrica

O DART fornece uma interface eletrogenética reversível e ajustável operada por fontes de corrente contínua de baixa voltagem simples e prontamente disponíveis, como baterias amplamente utilizadas para alimentar dispositivos eletrônicos portáteis. Além disso, o DART requer uma baixa quantidade de energia para controlar a expressão de genes-alvo: como uma única estimulação elétrica usando dois eletrodos por apenas 10 segundos é suficiente para desencadear a produção e liberação diária de insulina, estima-se que a potência elétrica de corrente contínua necessária para uma dose diária de insulina seja de cerca de 0,06 W.

Isso permitiria que um simples pacote de baterias triplo AA de 4,5 V operasse por mais de 5 anos, fornecendo uma dose terapêutica diária. Além disso, o controle do DART requer apenas um simples interruptor elétrico ON/OFF manual.

 

Uma estimulação elétrica por 10 segundos é suficiente para desencadear a produção e liberação diária de insulina, restaurando a normoglicemia.

 

Nos EUA, a tecnologia utilizada (como as agulhas de acupuntura) já foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), tornando o controle remoto simples e não necessitando de implantes bioeletrônicos complexos e propensos a falhas.

A eletroestimulação por agulhas de acupuntura já é uma prática padrão na medicina tradicional chinesa para o tratamento de inflamações, dor crônica, espasmos musculares e distúrbios neurológicos, representando uma modalidade terapêutica aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e praticada em todo o mundo.

Implante de insulina com corrente elétrica

Expectativas

Acredita-se que essa tecnologia possa contribuir para a possibilidade de dispositivos wereables controlarem genes em um futuro não tão distante.

A metodologia do estudo exibiu uma eficácia comparável às terapias de insulina de longa duração, que podem manter níveis de açúcar no sangue relativamente estáveis por 24 horas. O controle do DART também forneceu insulina suficiente para atenuar rapidamente a excursão glicêmica pós-prandial. Além disso, o controle do DART é reversível e ajustável ao variar a voltagem e/ou o período de eletroindução.

O estudo também observou uma melhora nos níveis de cetonas em camundongos diabéticos, o que reduziria o risco de cetoacidose diabética.

Embora os pesquisadores tenham escolhido a produção de insulina controlada pelo DART para validação do conceito, acredita-se que seja possível vincular o controle do DART à produção e dosagem in situ de uma ampla gama de biofármacos.

Acredita-se que interfaces eletrogenéticas simples, como o DART, que interconectam funcionalmente sistemas biológicos analógicos com dispositivos eletrônicos digitais, têm grande potencial para diversas terapias futuras baseadas em genes e células, incluindo intervenções genéticas em circuito fechado, dosagem em tempo real e monitoramento global por equipes médicas ou algoritmos.

diabetes

Referências

News med. Implante experimental de insulina usa eletricidade para controlar genes. Disponível em: https://www.news.med.br/p/medical-journal/1443560/implante-experimental-de-insulina-usa-eletricidade-para-controlar-genes.htm. Acesso em 25 de setembro de 2023.

Huang, J., Xue, S., Buchmann, P. et al. An electrogenetic interface to program mammalian gene expression by direct current. Nat Metab 5, 1395–1407 (2023). https://doi.org/10.1038/s42255-023-00850-7

Experimental insulin implant uses electricity to control genes. Nature 2023. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-023-02461-4

 

 

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