

A Doença de Whipple é uma infecção bacteriana sistêmica rara e crônica causada por Tropheryma whipplei, uma actinobactéria gram-positiva presente de forma ubíqua no ambiente, mas que raramente causa doença clínica. Acomete predominantemente homens de meia-idade, embora possa afetar qualquer faixa etária.
A doença caracteriza-se por um espectro clínico amplo, frequentemente iniciando com manifestações reumatológicas, como artralgias migratórias ou poliartrite, que podem preceder os sintomas gastrointestinais por anos.
Veja mais sobre a Doença de Whipple, e como diagnosticar essa condição rara e potencialmente fatal.
A Doença de Whipple é uma condição rara, com pico de incidência na quinta década de vida
A Doença de Whipple é uma infecção bacteriana sistêmica crônica causada pela actinobactéria Tropheryma whipplei. É uma condição rara, e a incidência global é de aproximadamente 1-3 casos por milhão de pessoas. Acomete predominantemente adultos de meia-idade a idosos, com idade média de início dos sintomas aos 55 anos.
A doença é mais frequente em homens do que em mulheres, com uma razão de 4:1. No entanto, alguns estudos sugerem que a diferença de sexo pode ser menos pronunciada do que previamente relatado.
A maioria dos casos é esporádica, sem agregação familiar ou padrão sazonal definido. Alguns estudos sugerem maior incidência em regiões rurais, e maior prevalência entre agricultores (o patógeno parece habitar o solo).
As manifestações clínicas da Doença de Whipple são diversas
A doença caracteriza-se por um espectro clínico amplo. Os sintomas mais proeminentes são perda de peso, diarreia, artralgias, febre e dor abdominal.
Manifestações sistêmicas comuns: perda ponderal significativa, linfadenopatia (50% dos caso), febre (30-50%).
Manifestações reumatológicas: artralgias migratórias, não destrutivas e em grandes articulações, poliartrite, sacroileite (20-30% dos casos). Os episódios articulares geralmente têm início agudo e duram de horas a dias. Podem preceder os sintomas gastrointestinais por anos.
Manifestações gastrointestinais: diarreia crônica (geralmente tem características de esteatorreia (93% dos casos), mas pode ser aquosa) dor abdominal, sangramento gastrointestinal (geralmente oculto).
Manifestações cardíacas: acomete pelo menos ⅓ dos pacientes – incluindo pericardite, endocardite (50-75% dos casos), sopros sistólicos apicais (25%), atritos pericárdicos e insuficiência cardíaca congestiva (10%).
Manifestações neurológicas: sintomáticos 10-40% dos casos; no entanto, exames post-mortem revelam acometimento do SNC em 90% dos pacientes – podem ser sinais de liberação frontal, ataxia ou clônus, confusão, convulsões, delirium, comprometimento cognitivo, movimentos corporais anormais, hipersonia e sintomas extrapiramidais.
Manifestações dermatológicas: hiperpigmentação da pele (40-45% dos casos), hiperqueratose, púrpura.
Outras manifestações menos comuns: acometimento pulmonar, distensão abdominal, glossite, queilite, gengivite, sinais de Chvostek ou Trousseau, oftalmoplegia supranuclear.
O diagnóstico da Doença de Whipple não é simples
O diagnóstico da doença de Whipple não é simples, pois se trata de uma condição rara e com sintomas inespecíficos. Muitos órgãos podem estar envolvidos. Frequentemente, a doença só é suspeitada após a exclusão de outras condições clínicas mais comuns.
Quando suspeitar?
- Pacientes com a tétrade: artralgia + diarreia (esteatorreia) + dor abdominal + perda ponderal.
- Febre inexplicada, especialmente em homens de meia idade.
- Pacientes com poliartrite migratória soronegativa para fator reumatoide que não responde à terapia imunossupressora.
- Serosite crônica, doença progressiva do sistema nervoso central ou déficit cognitivo de início precoce com mioclonia ou oftalmoplegia.
- Linfadenopatia generalizada, anemia por deficiência de vitamina ou ferro, hipoalbuminemia ou linfopenia relativa – sem outras causas definidas.
- No diagnóstico diferencial de pacientes com sintomas reumatológicos inexplicados, diarreia crônica, perda de peso e manifestações sistêmicas, especialmente em homens de meia-idade.
A sensibilidade diagnóstica aumenta com a combinação de métodos histológicos e moleculares
O diagnóstico clássico é realizado por biópsia do intestino delgado (geralmente duodeno), evidenciando macrófagos PAS-positivos na lâmina própria.
A confirmação pode ser feita por PCR para T. whipplei em amostras de tecido, líquido sinovial, saliva ou fezes, embora a positividade isolada de PCR sem correlação clínica deva ser interpretada com cautela devido à possibilidade de portadores assintomáticos.
Importante destacar que todos os pacientes com diagnóstico da Doença de Whipple devem ser submetidos à punção lombar para PCR do liquor, a fim de avaliar acometimento do sistema nervoso central.
Critérios Diagnósticos para Doença de Whipple
Os critérios diagnósticos atuais exigem a presença de macrófagos espumosos PAS-positivos na biópsia do intestino delgado.
Caso esse achado seja negativo, o diagnóstico ainda pode ser estabelecido se houver positividade em dois testes diferentes:
- Coloração por PAS demonstrando macrófagos espumosos em biópsia de tecidos acometidos.
- Detecção de whipplei por PCR ou identificação do RNA ribossômico 16S específico da bactéria.
- Imuno-histoquímica positiva com anticorpos contra whipplei.
Se apenas um teste para T. whipplei for positivo, a Doença de Whipple é possível, mas o diagnóstico permanece incerto.
É importante destacar que o patógeno se torna rapidamente indetectável após o início do tratamento, o que pode levar a resultados falso-negativos, já que muitos pacientes recebem antibióticos antes da realização de uma investigação diagnóstica mais aprofundada.
A Doença de Whipple é progressiva, e pode ser fatal
O tratamento da doença de Whipple é baseado em antibioticoterapia prolongada, com o objetivo de erradicar o Tropheryma whipplei e prevenir recaídas, especialmente neurológicas, que podem ser fatais. A condição é progressivamente debilitante se não for diagnosticada e tratada, e danos cerebrais irreversíveis podem ocorrer.
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Referências:
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