EVALI, ou lesão pulmonar induzida por cigarro eletrônico, diz respeito a uma síndrome respiratória, cujos sinais e sintomas se dão pelo uso dos dispositivos de fumo eletrônicos (vapes). Os pacientes relatam falta de ar, dor no peito, tosse e hemoptise, além de sintomas extrapulmonares, como náuseas, vômitos e dor abdominal, febre e mal-estar geral.
Desde 2019, a Food and Drug Administration (FDA) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) investigam os casos de lesões pulmonares por cigarros eletrônicos, e já foram relatadas quase 3 mil hospitalizações em decorrência do uso dos dispositivos só nos EUA.
Entenda mais sobre a condição.
Os cigarros eletrônicos podem conter nicotina, THC ou CDB
Os cigarros eletrônicos funcionam aquecendo um líquido para produzir um aerossol, posteriormente inalado. Esse conteúdo líquido pode conter diversos componentes, e o mais comum é a nicotina, associada a aromatizantes e aditivos, como solvente de propilenoglicol e glicerina vegetal.
Quando aquecidos, ambos os solventes produzem um vapor espesso, que é semelhante a fumaça. Um dos grandes problemas é que há também a produção de outros compostos, como formaldeído, acetaldeído, acetona e nitrosaminas. Ainda, diversos vapes podem ser encontrados contendo tetraidrocanabinol (THC) e canabinol (CBD).
A proposta inicial do uso dos dispositivos eletrônicos de fumo era de auxiliar na cessação do tabagismo. Porém, grande parte dos usuários de cigarros eletrônicos não se consideram fumantes, o que potencialmente aumenta o consumo dos produtos – incluindo pessoas que antes não eram tabagistas.
EVALI: mais comum em homens brancos e jovens
O uso de cigarros eletrônicos já havia sido relacionado com um amplo espectro de doenças pulmonares, indicando uma toxicidade pulmonar. Com o acúmulo de relatos de casos, uma nova entidade de insuficiência respiratória devido ao uso destes dispositivos foi descrita,
A EVALI, da sigla em inglês e-cigarette, or vaping, product use-associated lung injury, foi oficialmente identificada como doença em 2019, e acomete pacientes que utilizam cigarros eletrônicos. A maioria dos pacientes com a condição são do sexo masculino (65%), e quase 70% dos usuários são jovens adultos brancos. Mais de 85% dos casos estão associados ao uso de produtos contendo THC.
Um recente mostrou que, embora a maioria dos pacientes esteja próximo aos 25 anos, quase 20% dos usuários sintomáticos estão na faixa dos 13 aos 17 anos! Abaixo da idade mínima para a compra de qualquer produto com nicotina.
No mesmo estudo, a maioria dos pacientes com EVALI relata não ter nenhuma condição subjacente. No entanto, dos que relatam, os distúrbios mais comuns referidos são os transtornos de saúde mental, incluindo ansiedade e depressão.
EVALI: sinais e sintomas
Primeiro, vale lembrar que não há um teste diagnóstico para a doença. Várias definições foram propostas, e dependem de uma combinação de características clínicas da história do paciente. O médico deve estar atento quanto aos principais sintomas e (claro) quanto ao uso dos dispositivos eletrônicos de fumo.
Os principais sintomas da EVALI incluem falta de ar, dor no peito, tosse e hemoptise. No entanto, a lesão pulmonar aguda observada foi associada a um padrão heterogêneo de sinais e sintomas clínicos, incluindo:
- Sintomas gastrointestinais – náuseas, vômitos e dor abdominal;
- Febre (≥ 38 °C);
- Frequência cardíaca > 100 batimentos/min;
- Frequência respiratória > 20 respirações/min;
- Saturação de oxigênio < 95% em ar ambiente ou com oxigênio suplementar;
- Leucocitose com predominância de neutrófilos;
- Biomarcadores inflamatórios aumentados;
- Ausência de infecções – bacteriana, viral ou fúngica;
- Ausência de doença autoimune.
Outros achados podem ajudar.
Nos estudos, a ausculta pulmonar foi positiva para crepitações difusas bibasilares, sibilos ou roncos. Quando realizada, a prova de função pulmonar revelou padrão obstrutivo ou restritivo, enquanto a gasometria arterial foi principalmente diagnóstica para alcalose respiratória primária, ambos documentados apenas em alguns pacientes.
As radiografias tórax e os achados da tomografia computadorizada também variaram entre os estudos com pacientes com EVALI, mas em cerca de 70% dos casos foi observado um padrão de opacidade bilateral difusa em vidro fosco. Alguns casos também apresentaram consolidação parenquimatosa, infiltrados intersticiais bilaterais ou espessamento dos septos interlobulares.
Para facilitar, segundo o CDC, um provável caso de EVALI se dá pela presença de infiltrados pulmonares na radiografia de tórax ou tomografia computadorizada, dentro de pelo menos 90 dias após o uso de cigarros eletrônicos, sem nenhuma outra causa justificável. O grau de insuficiência respiratória é variado, com até um terço necessitando de intubação e ventilação mecânica.
Qual o papel do acetato de vitamina E na EVALI?
Segundo o CDC, o acetato de vitamina E está fortemente ligado ao surto de EVALI. O componente foi encontrado em amostras de produtos testados pela FDA e em amostras de fluido pulmonar de pacientes. Ainda, quando comparado com fluido pulmonar de indivíduos sem a doença, o acetato de vitamina E não foi encontrado.
O acetato de vitamina E é comumente utilizado como suplemento, especialmente em multivitamínicos, e em cremes para a pele. É clivado enzimaticamente em vitamina E durante a absorção, e a ingestão e a aplicação dérmica não é associada a efeitos adversos à saúde.
O problema está na inalação.
Quando aquecida, a molécula do acetato de vitamina E pode formar “ceteno”, pela separação do grupo acetato. Esse composto reativo tem potencial irritante pulmonar, dependendo da concentração. Além disso, a inalação poderia resultar na perda da capacidade do surfactante em manter a tensão superficial necessária para apoiar a respiração no pulmão, fornecendo assim uma disfunção respiratória.
Recomendações
O CDC e a FDA recomendam que as pessoas não usem produtos de cigarro eletrônico ou vaporizadores que contenham THC, principalmente de fontes informais, como amigos e familiares. Ainda, o acetato de vitamina E não deve ser adicionado a nenhum produto de cigarro eletrônico ou vaping.
Lembrando que, independente das recomendações internacionais, no Brasil, a Anvisa proíbe a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos de fumo, de acordo com a Resolução RDC Nº 46/2009, e não há previsão de regulamentação. Empresas que descumprirem as normas, devem pagar multa diária de 5 mil reais.
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Referências:
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