Doença de Chagas
A Doença de Chagas é uma doença causada pelo protozoário flagelado T. cruzi, e a transmissão pode ocorrer de diferentes formas. A mais comum é por insetos da família Reduviidae que infectam o hospedeiro mamífero durante o repasto sanguíneo, através das fezes contaminadas com o parasita. Outras formas incluem transfusões sanguíneas, transmissão materno-fetal, acidentes laboratoriais e ingestão de formas infectivas.
A doença se caracteriza por duas fases distintas.
Na fase aguda há febre, inflamação no local da infecção e nos nodos linfáticos, parasitemia elevada e hepatoesplenomegalia. No entanto, nem sempre os sintomas são perceptíveis, devido a sua fraca intensidade.
A fase crônica tem evolução lenta, com sinais surgindo somente depois de um período. Durante a fase crônica, podem ocorrer danos irreversíveis ao coração, esôfago ou colón.
O controle da doença é realizado principalmente através da tentativa de erradicação do inseto vetor de maior importância, o Triatoma infestans (popularmente conhecido como barbeiro), com uso de pesticidas. A abordagem terapêutica mais utilizada visa o controle da parasitemia com a utilização de quimioterapêuticos, já que não existe profilaxia eficiente.
Doença de Chagas congênita
A Doença de Chagas Congênita é uma doença de fase aguda no recém-nascido, e a maioria dos neonatos infectados são assintomáticos. Aproximadamente 10-40% apresentam sinais clínicos de infecção congênita, como prematuridade, hepatoesplenomegalia e trombocitopenia, mas nenhum é específico para a Doença de Chagas, dificultando o rastreio da doença.
Todos os recém-nascidos com Doença de Chagas congênita não detectada tem risco de futuro desenvolvimento de cardiomiopatia chagásica, uma manifestação clínica potencialmente fatal.
É importante ressaltar que a ocorrência da transmissão congênita depende das interações entre o T. cruzi e a placenta. Essa interação não é rara, uma vez que é descrito um tropismo tecidual para a placenta de diferentes cepas de T. cruzi.
A parasitemia aumenta durante a gravidez (2º e 3º trimestres), e a alta parasitemia materna está associada à transmissão congênita. A transmissão congênita do T. cruzi ocorre em média em 5% das crianças nascidas de mães cronicamente infectadas em áreas endêmicas, com variações dependendo da região.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu documento de “Prevenção e Controle da Transmissão Congênita e Gerenciamento de Casos de Infecções Congênitas com Trypanosoma cruzi”, estima-se que existam 1.125.000 mulheres em idade reprodutiva na América Latina com Doença de Chagas, e que cerca de 8.668 crianças com a doença congênita nascem anualmente na América Latina.
A Doença de Chagas congênita é relatada em crianças nascidas em vários países europeus, bem como no Canadá, nos Estados Unidos e no Japão.
Como combater a Doença de Chagas congênita
A OMS recomenda o foco em cinco grupos populacionais dentro ou fora da América Latina para eliminar a transmissão congênita do T. cruzi: (1) meninas e adolescentes do sexo feminino, (2) mulheres não grávidas, (3) gestantes por triagem pré-natal, (4) neonatos nascidos de mães e parentes infectados e (5) outras crianças nascidas de mães infectadas.
As mães com Doença de Chagas devem receber tratamento após o parto e o término da amamentação, para evitar a transmissão durante as gestações subsequentes. Os bebês devem ser avaliados para infecção congênita e todos os bebês com a doença congênita devem receber tratamento.
A triagem materna direcionada ou universal com testes infantis e tratamento materno e infantil para a Doença de Chagas confirmada seria uma economia de custo para sistemas de saúde. Os custos envolvem testagem, triagem materna, testagem infantil e tratamento, e resultaria em economia de aproximadamente US$ 1.314 por nascimento.
Um programa de triagem bem-sucedido requer acompanhamento, com encaminhamento de mães positivas para T. cruzi para avaliação cardíaca pós-parto e tratamento adequado ao fim do período de amamentação. Também é necessário realizar triagem de outras crianças e parentes maternos e garantir avaliação infantil, incluindo teste de PCR precoce.
A sustentabilidade também deve ser uma meta. Para isso, oferecer oportunidades de aprendizado acessíveis, como medidas educativas em comunidade, campanhas de conscientização e testagem, são um mecanismo eficaz para aumentar a conscientização e acompanhar a eficácia de prevenção destes casos.
Considerações finais
A transmissão congênita é uma importante fonte de infecção por T. cruzi em regiões endêmicas e não endêmicas onde residem mulheres sob risco de Doença de Chagas. A gravidez é o ponto de acesso ideal para a triagem da doença, porque tanto a mãe quanto o bebê têm contato com o sistema de saúde no momento do parto.
A implementação bem-sucedida de triagem sistemática do parasita baseada na gravidez em mulheres em risco que vivem em regiões não endêmicas, bem como a avaliação de bebês nascidos de mulheres positivas, o tratamento de mães e recém-nascidos com infecção confirmada e a triagem de parentes maternos, oferecem a oportunidade de que tais programas sejam implementados com sucesso, reduzindo a transmissão congênita, diminuindo os índices dessa transmissão e favorecendo a identificação e tratamento precoce de casos de transmissão.
Embora existam barreiras para a implementação e manutenção de tais programas, por meio da educação há maior chance de adesão a protocolos de coordenação de cuidados que resultem na identificação e cura de infecções congênitas e na redução da morbidade da Doença de Chagas crônica.
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Referências:
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