Encontrar uma maneira de substituir com segurança as células β lesionadas em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) tem sido um grande desafio. Recentemente, alguns estudos relataram descobertas preliminares, nas quais pacientes com DM1 receberam implantes de células pancreáticas derivadas de células-tronco.
Diabetes tipo 1 e transplante de ilhotas pancreáticas
Diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica que afeta mais de 460 milhões de pessoas em todo o mundo. Quase 130.000 novos casos de diabetes tipo 1 (DM1) são diagnosticados a cada ano, e os pacientes enfrentam uma vida inteira de terapia com insulina exógena.
A terapia baseada em células pode oferecer uma alternativa mais eficaz à insulina injetada. Nos últimos 20 anos, o transplante de ilhotas forneceu dados relevantes. A produção de insulina e glucagon, quando regulada internamente, pode ser uma opção de tratamento segura e eficaz para indivíduos selecionados com DM1 de difícil controle.
Nos anos 2000, ocorreu um avanço científico importante, com o desenvolvimento de um protocolo de transplante de ilhotas que rendeu com sucesso independência de insulina para pacientes com DM1. Porém, apesar desses achados encorajadores, a ampla adoção desse procedimento permanece limitada devido à escassez de ilhotas de doadores falecidos.
Ainda, o transplante não é algo simples. A extração de ilhotas de órgãos de pâncreas de doadores é um processo complexo, altamente qualificado e não confiável, além de não disponível na maioria dos centros médicos. Somado a isso, a disponibilidade de doadores não acompanha a prevalência de diabetes.
Nesse sentido, o benefício da utilização de células-tronco é evidente. Elas podem ser diferenciadas em qualquer tipo de célula, incluindo células endócrinas das ilhotas pancreáticas. Além disso, a fabricação consistente e reprodutível pode ser realizada clinicamente compatíveis com controle de qualidade robusto. Assim, permitem um suprimento potencialmente ilimitado e em larga escala.
Implante de células-tronco
Dois principais estudos estão sendo conduzidos para avaliar a segurança e eficácia de células da endoderme pancreática derivadas de células-tronco pluripotentes (PECs) implantadas em dispositivos de encapsulação para o tratamento de DM1.
Em ambos os casos, os pacientes receberam células PECs na forma de implantes, utilizando dispositivos de encapsulação. Nesse sistema, as células implantadas foram blindadas de imunoproteção física – e os participantes recebem imunossupressão biológica (controlada) para evitar a rejeição autoimune. A configuração do dispositivo permite a vascularização direta das células, o que significa que os pacientes também receberam terapia imunossupressora. Após um período, o dispositivo é removido cirurgicamente e avaliado.
Em um dos estudos, foram avaliados 17 indivíduos entre 22-57 anos com DM1. A expressão de insulina foi observada em 63% dos casos em 3-12 meses pós-implante, e cerca de um terço dos indivíduos apresentou peptídeo C reativo 6 meses após o implante. Os efeitos adversos relatados foram, em sua maioria, relativos ao procedimento cirúrgico ou a imunossupressão.
Em outro trabalho, 15 pacientes foram avaliados com o uso subcutâneo das PECs combinado a um regime imunossupressor. Após a implantação, os pacientes aumentaram os níveis de peptídeo C em jejum e responsivos à glicose, e desenvolveram secreção de peptídeo C estimulada por refeição mista. Ainda, foram identificados aumentos transitórios relacionados à imunossupressão nas células T reguladoras circulantes.
Ao avaliar os explantes, as células apresentavam fenótipos de células β imunorreativas para insulina. Os pacientes avaliados toleraram a terapia celular sem eventos adversos graves provavelmente atribuíveis ao produto celular e tiveram necessidades reduzidas de insulina, melhor controle da glicose e melhor consciência da hipoglicemia. Todos relatam melhorias substanciais na qualidade de vida e taxas reduzidas de complicações diabéticas após o transplante.
As descobertas dos estudos são promissoras! Elas fornecem a prova de conceito de que as células-tronco podem ser diferenciadas e maturadas em células produtoras de insulina, oferecendo o potencial para uma terapia de reposição celular escalável para diabetes tipo 1. Os testes ainda estão em andamento, e mais dados estarão disponíveis ainda em 2022.
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Referências:
Greenhill, C. Stem-cell derived pancreatic endoderm cells in the treatment of T1DM. Nat Rev Endocrinol 18, 67 (2022). https://doi.org/10.1038/s41574-021-00620-z
Ramzy, A. et al. Implanted pluripotent stem-cell-derived pancreatic endoderm cells secrete glucose-responsive C-peptide in patients with type 1 diabetes. Cell Stem Cell 28, 2047–2061.e5 (2021). https://doi.org/10.1016/j.stem.2021.10.003
Shapiro AM, Lakey JR, Ryan EA, Korbutt GS, Toth E, Warnock GL, Kneteman NM, Rajotte RV. Islet transplantation in seven patients with type 1 diabetes mellitus using a glucocorticoid-free immunosuppressive regimen. N Engl J Med. 2000 Jul 27;343(4):230-8. doi: 10.1056/NEJM200007273430401.