O câncer de mama ocorrendo durante a gravidez e no pós-parto geralmente é diagnosticado em estágios mais avançados, piorando seu prognóstico. Com isso em mente, cientistas buscaram identificar como a análise do leite materno pode auxiliar nesse cenário, possibilitando uma detecção precoce de câncer de mama em comparação à análise do plasma.
Câncer de mama diagnosticado durante a gravidez e pós-parto
O câncer de mama é a malignidade diagnosticada mais comum e a principal causa de morte relacionada ao câncer durante a gravidez e a lactação. Duas situações são identificadas de acordo com o momento do diagnóstico:
– Câncer de mama diagnosticado durante a gravidez (CMG);
– Câncer de mama diagnosticado até 5 a 10 anos pós-parto (CMPP).
Ambos os subtipos compreendem até 55% dos cânceres de mama diagnosticados em mulheres com menos de 45 anos. Considerando que o envelhecimento aumenta o risco de câncer de mama e que mulheres em países desenvolvidos apresentam uma tendência em adiar a gravidez, espera-se um aumento de casos novos nos próximos anos.
CMG e CMPP estão associados a uma baixa sobrevida, mas por razões diferentes: no caso do CMG, isso se deve principalmente a um atraso no diagnóstico – que ocorre quando a paciente já apresenta um estágio avançado.
A incapacidade de detectar o tumor precocemente resulta da insensibilidade das ferramentas de imagem utilizadas para o diagnóstico, que não conseguem detectar confiavelmente tumores em meio às mudanças morfológicas que as glândulas mamárias sofrem. Além disso, ocorre uma subestimação dos sintomas pelos pacientes e profissionais de saúde durante esse período.
Já o CMPP apresenta alto risco metastático, potencialmente relacionado à involução da glândula mamária após o desmame.
Câncer de mama pós-parto
Em estágios I e II ou em malignidades do subtipo receptor de estrogênio positivo (geralmente com bom prognóstico), um diagnóstico no pós-parto foi associado a um aumento do risco de metástase e morte.
As causas biológicas envolvem, provavelmente, a involução mamária: a morte programada do epitélio alveolar espelha um cenário de cicatrização de feridas, gerando um ambiente estromal pró-tumorigênico. Além disso, a agressividade do câncer de mama pós-parto luminal em tumores humanos foi recentemente associada a uma assinatura distinta de expressão gênica e um aumento do risco de apresentar metástases no fígado.
As pacientes com CMPP representam uma população que necessita urgentemente de métodos inovadores, sensíveis e não invasivos de triagem para detecção precoce, a fim de reduzir a mortalidade. Além disso, a idade jovem dessas pacientes as exclui dos programas de diagnóstico precoce baseados na população, que geralmente começam a partir dos 50 anos.
Biópsia líquida para detecção precoce de câncer de mama
A biópsia líquida sanguínea, envolvendo análise genética e epigenética do DNA tumoral livre de células (ctDNA, ou DNA circulante) no plasma das pacientes, representa uma abordagem promissora: em pacientes com câncer de mama metastático, o ctDNA é detectado em até 85% das amostras de sangue. Em contraste, o câncer de mama localizado libera comparativamente pouco ctDNA no sangue, complicando seu uso para a detecção precoce do câncer de mama.
Esse cenário gerou a hipótese de que utilizar um fluido corporal alternativo, que esteja em contato íntimo com o tumor, pode fornecer uma abordagem alternativa (como foi aplicado com sucesso usando urina para malignidades da bexiga ou saliva para câncer oral).
Assim, os pesquisadores do trabalho em questão hipotetizaram que o leite materno poderia representar uma fonte confiável de ctDNA, podendo ser usada como um método estritamente pouco invasivo para a detecção precoce do CMPP.
O que os pesquisadores encontraram?
Pela primeira vez, foi detectada a presença de ctDNA no leite materno de mulheres diagnosticadas precocemente com CMG ou CMPP – mesmo em amostras coletadas antes do diagnóstico. Além disso, o leite materno é uma fonte superior de ctDNA em comparação com o plasma no câncer de mama em estágio inicial e poderia ser adaptado para a detecção precoce do câncer em um ambiente compatível com a prática clínica de rotina.
A análise do ctDNA do leite materno detecta variantes tumorais em 87% dos casos por PCR digital de gotículas, enquanto as variantes permanecem indetectadas em 92% das amostras de plasma correspondentes. A análise de sequenciamento de próxima geração no ctDNA do leite materno recapitula as variantes tumorais, com uma sensibilidade clínica global de 71,4% e especificidade de 100%.
Em duas pacientes, o ctDNA foi detectável no leite materno coletado 18 e 6 meses antes do diagnóstico padrão. Esses resultados abrem a possibilidade de usar o leite materno como uma nova fonte para biópsia líquida para a detecção do câncer de mama no pós-parto.
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Referências:
SAURA, C. et al. Early-Stage Breast Cancer Detection in Breast Milk. Cancer Discovery, 2181, 2023. https://aacrjournals.org/cancerdiscovery/article/13/10/2180/729382/Early-Stage-Breast-Cancer-Detection-in-Breast.
