COVID-19 como experiência adversa na infância

COVID-19 infância

A pandemia de COVID-19 teve impactos profundos na população mundial. Mas agora, especialistas têm olhado para as consequências disso sob um novo ângulo. Além de enfrentar os impactos do próprio vírus na saúde, o aumento do estresse familiar e as adversidades relacionadas à pandemia estão impactando negativamente a saúde mental das crianças. Poderia a COVID-19 se enquadrar como uma “experiência adversa na infância”?

Consequências “indiretas”

Com o agravamento da pandemia e a permanência do isolamento social por um longo período de tempo, as famílias ficaram reclusas em suas próprias casas. Dificuldades econômicas, insegurança quanto à moradia e à saúde logo começaram a assombrar os lares. Todos estes elementos associados levaram ao aumento de sintomas como estresse, ansiedade e depressão, além do aumento de uso de álcool e outras drogas. Em resumo, a saúde mental dos adultos foi impactada negativamente.

Mas e quanto aos jovens? Escolas e atividades pós-escolares permaneceram fechadas, por exemplo, impedindo a socialização entre amigos. Nestes indivíduos, particularmente vulneráveis, as consequências da pandemia podem ter sido mais significativas.

Grupos da faixa etária abaixo dos 18 anos são especialmente influenciados por fatores ambientais, que podem variar de de exposição a álcool ou drogas durante a gravidez, complicações no parto, discriminação e racismo e experiências adversas na infância, como abuso, negligência e exposição à violência comunitária. O impacto destes fatores é muito maior na saúde mental de crianças e adolescentes em comparação aos adultos.

Em particular, comenta-se muito sobre as experiências adversas na infância e como tiveram grande impacto devido à pandemia de COVID-19. Com o aumento da adversidade intrafamiliar (especialmente aquelas associadas à perda de emprego, insegurança alimentar e insegurança habitacional), houve uma exposição maior das crianças às ansiedades dos pais.

Ao ampliar o estresse tóxico, o aumento da adversidade familiar pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro da criança, principalmente durante os primeiros anos. E em meio a incertezas, o impacto social e econômico indireto da pandemia sobre o estresse familiar pode durar meses ou anos.

Ainda, é importante destacar que a COVID-19 e sua resposta estão afetando desproporcionalmente as populações de baixa renda e minorias étnicas, que já estão sob maior risco de doenças crônicas impactadas por eventos ocorridos durante a infância, como parto prematuro, diabetes, hipertensão e doença pulmonar crônica.

Tomados em conjunto, os efeitos indiretos da resposta à pandemia podem exacerbar cada uma das experiências adversas na infância comuns na vida das crianças.

Fuja do urso todas as noites

Um estudo conduzido pela organização sem fins lucrativos FAIR Health entre janeiro e novembro de 2020, encontrou um aumento acentuado nos problemas relacionados à saúde mental em pessoas com menos de 18 anos – especialmente transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior e automutilação intencional.

Esse aumento pode estar relacionado à pandemia. No atual cenário, onde a pandemia está constantemente presente atuando como um efeito adverso da infância, principalmente crianças têm sua resposta ao estresse aumentada e prolongada, criando danos nos indivíduos ainda em formação.

“As experiências adversas ativam o sistema de luta ou fuga do cérebro – uma resposta normal a um perigo físico imediato, como um urso correndo em sua direção. Mas o que acontece quando o urso vem todas as noites?”

Isso levou à observação de um aumento considerável de casos de suicídio e tentativa de suicídio em jovens, fenômeno que já estava em crescimento antes e foi intensificado pelo surgimento da COVID-19.

COVID-19 infância

Um passo importante

Na última semana, o cirurgião-geral Vivek Murthy emitiu um aviso sobre o assunto. Entre os tópicos do documento, há uma seção sobre a abordagem de profissionais da saúde frente ao problema:

  • Reconhecer que o melhor tratamento é a prevenção dos desafios de saúde mental. Implementar princípios de atendimento informado ao trauma e outras estratégias de prevenção para melhorar o atendimento a todos os jovens, especialmente aqueles com histórico de adversidades.
  • Realizar a triagem quanto a desafios de saúde mental e fatores de risco em crianças rotineiramente, incluindo experiências adversas na infância. Os exames podem ser feitos na atenção primária, escolas, departamentos de emergência e outros ambientes.
  • Identificar e atender às necessidades de saúde mental dos pais, cuidadores e outros membros da família.
  • Combinar os esforços do corpo clínico com os de parceiros da comunidade e sistemas de atendimento à criança.
  • Formar equipes multidisciplinares para implementar serviços adequados às necessidades das crianças e suas famílias.

Considerações finais

A pandemia atual serviu para reforçar muitos questões que estavam sendo esquecidas: a importância das vacinas e da ciência como aliadas na luta contra calamidades; a saúde pública de qualidade é um bem necessário para a população.

Talvez este também seja o momento de virada para superarmos a maior barreira para os cuidados de saúde mental: o estigma associado à procura de ajuda. Somente quando o fizermos, seremos capazes de proteger, fortalecer e apoiar a saúde e a segurança de todas as crianças, adolescentes e jovens – e garantir que todos tenham uma plataforma para prosperar.

E vale lembrar: O CVV — Centro de Valorização da Vida, em parceria com o SUS, presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio no Brasil. Os contatos com o CVV são feitos pelos telefones 188 (24 horas e sem custo de ligação), pessoalmente (nos mais de 120 postos de atendimento) ou pelo site www.cvv.org.br, por chat e e-mail.

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Referências

Sanders L.M. 2020. Is COVID-19 an adverse childhood experience (ACE): Implications for screening for primary care. The Journal of Pediatrics, 222:4–6. doi: 10.1016/j.jpeds.2020.05.064

Srivastav A., Richard C.L., McRell A.S., Strompolis M. 2021. The Unintended Consequence of Novel Coronavirus (COVID-19) Pandemic on Racial Inequities Associated With Adverse Childhood Experiences (ACEs): Findings From a Population-Based Study. Front. Public Health 9:701887. doi: 10.3389/fpubh.2021.701887

The Impact of COVID-19 on Pediatric Mental Health – FAIR Health. 2021.

COVID Is Driving a Children’s Mental Health Emergency – Scientific American. 2021.

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