Um estudo publicado na revista BMJ trouxe dados curiosos sobre o comportamento de médicos no trânsito.
Segundo os autores, ao avaliar médicos que receberam multas de trânsito, os psiquiatras tinham maior probabilidade de serem multados por excesso de velocidade. Além disso, os cardiologistas eram os mais propensos a dirigir um carro de luxo quando foram multados – em contraste, a posse de carros de luxo foi menos comum entre médicos de medicina de emergência, clínica familiar, pediatria, cirurgia geral e psiquiatria.
Qual o padrão de comportamento de médicos no trânsito?
Segundo os autores, estima-se que quase 8 milhões de americanos foram parados pela polícia por excesso de velocidade só em 2015. Na população em geral, as infrações por excesso de velocidade estão mais associadas a certas características dos motoristas (sexo, profissão e traços de personalidade que assumem riscos).
Sem dúvidas, os médicos não são excluídos do grupo de indivíduos que pode receber multa por excesso de velocidade. No entanto, seus padrões de comportamento no trânsito ainda eram desconhecidos.
Com isso em mente, um grupo de pesquisadores avaliou dados de multas na Flórida, assim como os dados publicamente disponíveis sobre características dos médicos.
O objetivo foi avaliar se havia alguma especialidade médica com mais multas, que “corre mais”, ou quais as especialidades multadas que possuíam carros de luxo. Além disso, os pesquisadores avaliaram a conduta policial com os médicos – ou seja, se médicos de determinadas especialidades recebiam penalidades mais leves quando parados por excesso de velocidade.
Especialidades médicas, versão velozes e furiosos
O primeiro banco de dados avaliados foi o de multas de trânsito, emitidas entre 2004 e 2017 na Flórida. Nessa base de dados, foi possível observar dados do condutor, como idade, sexo, velocidade de condução, marca do carro etc.
Em seguida, foram analisados dados de especialidade médica, idade e sexo de todos os médicos registrados nos Estados Unidos. Ao cruzar os dados de médicos e infratores, a amostra do estudo incluiu mais de 5 mil médicos, que receberam no total quase 15 mil multas por excesso de velocidade – considerando dirigir pelo menos 32 km/h acima do limite de velocidade.
As diferenças foram observadas entre os grupos de médicos multados, de diferentes especialidades.
Os psiquiatras corresponderam a menos de 5% do total de multas. No entanto, estavam com pressa – 34% das multas nesse grupo foram por excesso de velocidade.
Cirurgiões gerais também não ficaram muito atrás, com quase 30% dos profissionais multados em razão de velocidade. Das especialidades, os ortopedistas foram mais rápidos, com média de 27 km/hora acima da média (16,8 mph). Pediatras estavam “na lanterna”, com 22,4% de infrações de velocidade.
Já profissionais de medicina da família (e outros não citados no estudo) foram os mais multados, com 12% de multas do total de infrações em médicos. Porém, menos de um quarto destas multas se tratam excesso de velocidade.
Ah, e o recorde de velocidade foi por um clínico geral, que estava 112 km/hora (70 mph) acima do limite!
Quase 1/3 dos médicos multados tinha carro de luxo – a maioria cardiologistas
Também foram avaliados motoristas não médicos (quase 20 mil pessoas) que receberam infrações por excesso de velocidade. Entre médicos e não médicos, não houve diferença na proporção de pessoas dirigindo acima do limite permitido (26,4% vs. 26,8%).
O que foi possível observar de diferente entre as duas populações foi quanto aos carros: 31,4% dos médicos multados tinham carros de luxo, em comparação com 11,8% de indivíduos não-médicos.
Dentre os especialistas multados com carros de luxo, a maioria (40,9%) eram cardiologistas. Nas análises ajustadas, cerca de um terço dos anestesiologistas multados também tinham carros de luxo, assim como mais de 30% dos radiologistas, ortopedistas e cirurgiões subespecialistas.
Médicos no trânsito: diferentes especialidades, diferentes personalidades
Segundo os autores, as diferenças poderiam ser explicadas pelos perfis dos profissionais. Alguns médicos (como obstetras e cirurgiões) podem ser chamados para atender emergências, o que poderia refletir na falta de cuidado com os limites de velocidade estabelecidos. Porém, os autores não souberam explicar por qual razão os psiquiatras foram os “que tiveram mais pressa”.
Seguindo o mesmo raciocínio, os pesquisadores comentam que agentes policiais poderiam ter uma preferência com profissionais que estariam prestando serviço de emergência. No entanto, não foi possível achar dados estatísticos sobre essa informação – sendo apenas uma hipótese dos autores.
Além disso, menos de 20% das multas foram aplicadas para mulheres, mesmo que estas representem um terço dos médicos nos Estados Unidos. O fato de as mulheres apresentarem taxas menores de excesso de velocidade já é bem conhecido e não é exclusivo da medicina.
Claro que o estudo apresenta diversas limitações, como análise apenas de dados de médicos no trânsito na Flórida, ausência de informação da marca do carro em algumas multas, e informações relativamente desatualizadas (2017 foi há 7 anos atrás).
Embora os dados sejam limitados e as explicações para tais comportamentos de condução sejam desconhecidos, o estudo é interessante e apresenta resultados curiosos.
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Referências:
Zimerman A, Worsham C, Woo J, Jena A B. The need for speed: observational study of physician driving behaviors BMJ 2019; 367 :l6354 doi:10.1136/bmj.l6354