O câncer colorretal é a terceira principal causa de morte por neoplasias, e estima-se que no Brasil ocorram mais de 40 mil casos por ano. Sua etiologia é multifatorial, e inclui mutações esporádicas ou familiares, associadas a fatores ambientais. Estudos mais recentes também associam o desenvolvimento do câncer colorretal com bactérias pró-carcinogênicas.
Um estudo novo trouxe dados interessantes nesse sentido. Usando amostras de câncer de cólon humano, cultura e modelos murinos, foi visto que a infecção crônica com o patógeno entérico C. difficile é um contribuinte anteriormente não reconhecido para a tumorigênese colônica.
Microbiomas polimórficos: um novo marco no desenvolvimento do câncer
Os marcos para o desenvolvimento de um tumor já são amplamente estudados – conhecidos como hallmarks. Esse conceito aborda a complexidade de fenótipos que as células vão adquirindo, a fim de elucidar os mecanismos de desenvolvimento e progressão tumoral, e aplicar esse conhecimento à medicina oncológica.
Nesse ano, uma atualização dos hallmarks foi proposta, e um dos marcos atualmente conhecidos é o de microbiomas polimórficos. De forma simplificada, associa-se a variabilidade das espécies microbianas em indivíduos ao fenótipo do câncer, relacionando efeitos protetores ou deletérios no desenvolvimento da doença.
O microbioma intestinal tem sido o de maior foco dos estudos nesse sentido. E já são conhecidos microrganismos promotores de tumores, envolvendo espécies bacterianas particulares, que podem modular a incidência e a patogênese de tumores de cólon.
Alguns mecanismos pelos quais a microbiota confere esses papéis são propostos, como a produção de toxinas bacterianas que rompem os sistemas que mantêm a integridade genômica, ou estressam as células de outras maneiras que indiretamente prejudicam a fidelidade da replicação e reparo do DNA.
Em um novo estudo, cepas toxigênicas de Clostridioides difficile conduziram o fenótipo tumorigênico em câncer colorretal. Os autores sugerem que a colonização crônica com esse microrganismo é um potencial indutor de câncer colorretal em pacientes.
Presença de C.difficile pode ser um evento driver em câncer de cólon
O uso de antibióticos pode permitir o crescimento de forma excessiva de um grupo de bactérias e resultar em inflamação intestinal; dentre elas, a Clostridioides difficile. Na colite induzida por esta bactéria, há alta produção de toxinas e sintomas como diarreia com sangue, dor abdominal e febre. Em pacientes oncológicos, é considerado um patógeno oportunista.
O grupo de pesquisadores que estudou a relação entre o patógeno e o câncer colorretal, e identificaram que C. difficile toxigênico (o tipo que causa diarreia) estava presente nas amostras tumorigênicas e ausente que não causaram tumores em camundongos. Ao adicionar a toxina bacteriana estudada em amostras que originalmente não tinham potencial cancerígeno, foi induzido o processo tumoral nos camundongos.
Dessa forma, a infecção foi necessária e suficiente para conduzir efeitos promotores de tumor nos modelos estudados.
Foi proposto que a exposição prolongada da mucosa à toxina do microrganismo pode promover de forma contínua o processo de alteração celular. Isso também foi observado com o aumento da presença de microadenomas concordante com o aumento de tempo de exposição nos experimentos.
No trabalho, os autores destacam os mecanismos celulares envolvidos no processo de tumorigênese. Não vamos entrar em detalhes moleculares nesse artigo, mas é importante mencionar que a presença de C. difficile promoveu alteração gênica, modificação nas células epiteliais progenitoras e produção de espécies reativas de oxigênio – moléculas instáveis que podem danificar o DNA e estimulam a inflamação promotora de tumor.
Como lidar com esses achados na prática?
A associação direta proposta entre a C. difficile e o câncer colorretal ainda precisa ser confirmada por estudos de coorte, para que possamos pensar em estratégias terapêuticas. No entanto, limitar a infecção primária ou sua recorrência pode reduzir os riscos das consequências posteriores – e potencialmente limitar o risco de câncer colorretal.
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Referências:
Julia L. Drewes, Jie Chen, Nicholas O. Markham, et al; Human Colon Cancer–Derived Clostridioides difficile Strains Drive Colonic Tumorigenesis in Mice. Cancer Discov 2022; https://doi.org/10.1158/2159-8290.CD-21-1273
Johns Hopkins University School of Medicine. Study suggests that C. difficile drives some colorectal cancers. July 14, 2022. MedicalXPress.
Douglas Hanahan; Hallmarks of Cancer: New Dimensions. Cancer Discov 1 January 2022; 12 (1): 31–46. https://doi.org/10.1158/2159-8290.CD-21-1059