É crescente o número de trabalhos que busca investigar o papel de programas de práticas meditativas na saúde física e mental, e as evidências trazem resultados cada vez mais robustos. Mas será que, a nível molecular, conseguimos observar os benefícios da meditação?
Um estudo publicado na revista Frontiers in Psychology no ano passado propôs que práticas de meditação, como atenção plena, poderiam afetar o envelhecimento celular. Para isso, os pesquisadores investigaram os níveis plasmáticos de telomerase, enzima capaz de prevenir o encurtamento dos telômeros.
A importância das técnicas de atenção plena para saúde física e mental
Nosso estilo de vida acelerado pode ser um fator de risco a saúde, já que o estresse crônico pode causar ou agravar problemas de saúde mental e física, incluindo a morte prematura. Com os transtornos de ansiedade e depressão cada dia mais presentes na sociedade, técnicas que possam acalmar nossa mente e nos trazer para o presente têm sido muito procuradas.
Entre essas técnicas, temos a atenção plena, também chamada de mindfulness. A proposta dessa ferramenta é trazer a atenção do indivíduo à tarefa que ele está realizando no momento, trazendo presença. Um exemplo do dia a dia para ficar mais fácil de entender: um dos exercícios propostos por esta técnica é tomar banho de maneira consciente, prestando atenção em todas as sensações percorrendo o corpo naquele momento. Sugere-se que o indivíduo se atente à temperatura da água, à sensação da água no corpo, ao aroma do xampu, do sabonete…
Além de existirem muitos estudos mostrando o efeito do mindfulness na saúde mental (inclusive, já falamos sobre isso aqui), alguns pesquisadores estão tentando entender o efeito dessa técnica em um nível mais molecular: será que as técnicas de meditação podem alterar estruturas como os telômeros?
A prática pode influenciar o tamanho dos telômeros?
Conforme exploramos em um artigo recente, os telômeros são a extremidade dos nossos cromossomos. Compostos por sequências repetidas de DNA, têm como função a proteção do nosso genoma. Conforme os ciclos de divisão celular vão acontecendo, nossos telômeros vão diminuindo de tamanho. Dessa maneira, diversos estudos já associaram a redução dos telômeros ao processo de envelhecimento.
Assim, se as técnicas de meditação conseguirem neutralizar essa redução, poderiam influenciar nesse processo. E foi com isso em mente que os pesquisadores da Universidade de Colombo no Sri Lanka propuseram o trabalho publicado na revista Frontiers in Psychology.
Os participantes do estudo tinham entre 18 e 65 anos, e foram divididos em dois grupos: meditadores e grupo controle (não meditadores).
Os meditadores deveriam ter frequentado pelo menos 1 semana de retiros contínuos ou uma sessão de meditação em um templo e deveriam ter meditado pelo menos 6 horas por semana nos últimos 3 anos. Os não meditadores foram pareados por idade (±2 anos), gênero e nível educacional; e foram selecionados se nunca tivessem praticado meditação, yoga ou prática de atenção plena, ou se o fizessem raramente (menos de uma vez a cada 3 meses).
Todos os participantes eram cingaleses, e sua religião era o Budismo Theravada. As técnicas praticadas pelos meditadores incluídos no estudo eram: amor-bondade, respiração e varredura corporal. O tamanho total da amostra para o estudo foi de 60 participantes (30 para meditadores e 30 para controle).
Quais foram os parâmetros analisados pelos pesquisadores?
A qualidade de vida foi um dos parâmetros analisados nesse estudo. Essa variável foi observada através do Questionário de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-BREF. A escala WHOQOL-BREF possui 26 itens, divididos em quatro domínios: saúde física, saúde psicológica, relacionamentos sociais e ambiente.
Também foi verificado o nível de atenção plena dos indivíduos, medido usando o Questionário de Cinco Facetas de Atenção Plena. Esse questionário consiste em 39 itens e avalia cinco facetas de prática que se concentram nos seguintes elementos:
- Observar – notar ou prestar atenção a experiências internas e externas, como sensações, cognições, emoções, visões, sons e odores;
- Descrever – rotular experiências internas com palavras;
- Agir com atenção – focar nas atividades no momento dado;
- Não julgar a experiência interna – adotar uma postura não avaliativa em relação a pensamentos e sentimentos; e
- Não reatividade à experiência interna – tendência a permitir que pensamentos e sentimentos venham e vão, sem se deixar levar por eles.
E quanto aos telômeros?
Essa variável foi observada através da medição dos níveis de telomerase plasmática. A telomerase é uma enzima que permite que os telômeros mantenham o seu comprimento. Ou seja, se ela estiver mais elevada em grupo do que em outro, os telômeros estarão com um comprimento maior (comparativamente).
Os níveis de telomerase plasmática são maiores em indivíduos que meditam
Os meditadores especialistas apresentaram níveis significativamente mais altos de atenção plena e qualidade de vida mais elevada do que os não meditadores.
Os resultados encontrados indicam que meditadores de longo prazo são mais hábeis em identificar e rotular suas experiências, aceitação própria e desapego de pensamentos e emoções negativos. Mostram também que os meditadores de longo prazo têm uma percepção mais elevada de seu bem-estar, saúde e satisfação com a vida, de acordo com o questionário.
Além disso, níveis significativamente mais altos de telomerase plasmática foram observadas no grupo que praticava meditação regularmente. A associação entre técnicas e os níveis de telomerase indicam uma possível relação entre a meditação e o envelhecimento celular.
Como os autores explicam esses achados?
Meditar melhora a atenção plena e a qualidade de vida, o que pode levar a uma diminuição do estresse e da ansiedade. A hipótese é de que baixos níveis de estresse e ansiedade estão associados a níveis mais altos de telomerase e maior comprimento dos telômeros, o que pode retardar o envelhecimento celular. Além de seus efeitos diretos na saúde psicológica, a meditação pode melhorar o bem-estar mental e físico por meio de seus efeitos positivos sobre o envelhecimento.
Estudos anteriores mostraram resultados semelhantes para a prática de mindfulness, da amor-bondade e da meditação Zen. Nesse trabalho, todas as técnicas foram consideradas, já que pesquisas sugere que a meditação tem efeitos benéficos independentemente do tipo de prática.
Quais os benefícios da meditação?
Os resultados deste estudo mostram que, além de a meditação a longo prazo promover diversos benefícios na qualidade de vida, também parece gerar mudanças bioquímicas (ou seja, os níveis de telomerase) que podem contribuir, em um certo nível, para um envelhecimento saudável.
Como o estudo se concentrou em uma população saudável, os resultados são mais aplicáveis a uma população mais ampla; as descobertas deste estudo podem servir como base para estudar os efeitos das práticas medidativas em uma população clínica. Além disso, o fato de a amostra ser constituída por indivíduos que praticam há um certo tempo mostra como a meditação possui efeitos também a longo prazo.
Evidentemente, estamos falando de um estudo caso-controle, apenas observacional. No entanto, os resultados sugerem que os benefícios de meditar possam ser maiores do que imaginamos.
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Referências
Dasanayaka NN, Sirisena ND and Samaranayake N (2022) Impact of Meditation-Based Lifestyle Practices on Mindfulness, Wellbeing, and Plasma Telomerase Levels: A Case-Control Study. Front. Psychol. 13:846085. doi: 10.3389/fpsyg.2022.846085