Marcador prognóstico no câncer de mama: você conhece a lnc-uc.147?

cancer de mama

 

Câncer de Mama

O câncer de mama é o segundo tipo de neoplasia mais frequente entre as mulheres em todo o mundo e estimativas para os próximos anos indicam um aumento no número de novos casos. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a taxa de incidência do câncer de mama no Brasil foi de 43,64 casos a cada 100 mil mulheres em 2020, sendo o segundo câncer mais incidente em mulheres, atrás dos tumores de pele. No entanto, é o câncer que proporcionalmente mais mata mulheres em quase todas regiões do Brasil (a exceção é o Norte).

Falamos um pouco dessas estimativas em nosso post sobre Câncer de Mama e a campanha Outubro Rosa

Esse tipo de câncer compreende um grupo heterogêneo de doenças, que apresentam características histopatológicas, moleculares e genéticas distintas, resultando em prognósticos e respostas clínicas diferentes.

Atualmente existem vários sistemas de classificação, em um dos sistemas mais usados os tumores de mama são classificados em quatro grupos, de acordo com o padrão de expressão imunoistoquimica, sendo eles: luminal A, luminal B, HER2+ e triplo negativo.

Essa classificação é essencial para um melhor prognóstico e a adequada terapia dos pacientes. Luminal A e luminal B são grupos sensitivos a terapia hormonal. Pacientes HER2+ se beneficiam de terapia com anticorpo monoclonal. O grupo triplo negativo é o mais heterogêneo, mas recentemente novas terapias alvo estão se tornando disponíveis como, por exemplo, o uso de inibidores de PARP.

Apesar da disponibilidade de sistemas de classificação, o progresso da doença ainda pode variar entre pacientes de um mesmo grupo. Por exemplo, alguns pacientes luminal A evoluem bem, alguns podendo até ser poupados da quimioterapia, e outros podem ser mais agressivos e resistentes a esquemas poliquimioterápicos.

Dessa forma, a identificação e validação de novos marcadores moleculares é importante para melhorar o diagnóstico e prognóstico, assim como para o desenvolvimento de tratamentos mais específicos para os diversos tipos tumorais.

 

RNAs não codificantes e as regiões transcritas ultraconservadas (T-UCRs)

Como dito anteriormente, testes genéticos auxiliam na escolha do método mais adequado para o tratamento do câncer de mama. Porém, esses testes envolvem uma parte do DNA que corresponde a apenas 2% de toda a nossa informação genética.

A molécula lnc.uc.147, é uma molécula derivada de regiões que por muito tempo foram definidas como “DNA lixo” (junk DNA, em inglês) e possui um alto grau de conservação entre diferentes espécies. Mas o que isso quer dizer?

O “DNA lixo” é a região do nosso genoma que não é transcrita, ou seja, não produz proteínas. Essas regiões foram negligenciadas por muito tempo, mas isso mudou ao longo dos últimos anos, quando foi descoberto que essas regiões também teriam importância na regulação dos nossos genes. Hoje, as moléculas derivadas dessas regiões são chamadas de RNAs não codificantes.

Essa classe de RNAs não codificantes participam na regulação de muitos processos celulares importantes, como no desenvolvimento, gametogênese, controle do ciclo celular, processos de reparo de dano ao DNA. Todos esses processos estão envolvidos no desenvolvimento e progressão de diversos tipos tumorais, indicando a importância dessas moléculas no diagnóstico e prognóstico do câncer de mama.

Ainda a respeito da lnc-uc147, além de ser derivada dessas regiões, ela possui um alto grau de conservação entre diferentes espécies, ou seja, no decorrer da evolução mantiveram a sua mesma estrutura em humanos e outros animais. Do ponto de vista evolutivo e biológico, o alto grau de conservação de uma molécula indica sua importância na regulação genica.

O estudo da lnc-uc.147

A ideia inicial foi da Professora Dra. Jaqueline de Carvalho de Oliveira, que tinha prévio conhecimento sobre os RNAs longos não codificantes e havia estudado moléculas derivadas de regiões ultraconservadas em leucemia. Junto com a aluna de doutorado na época e hoje Dra. Érika Pereira Zambalde, elas observaram a falta de estudo dessas regiões no câncer de mama e decidiram iniciar o projeto.

As análises começaram por uma busca em das moléculas não codificantes e com alto grau de conservação em banco de dados internacionais, onde foi buscado quais moléculas teriam uma possível influencia no câncer de mama.

Dessas, as pesquisadoras elegeram a Lnc-uc.147 para aprofundar os estudos, no Laboratório de Citogenética Humana e Oncogenética da UFPR e também no MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, Estados Unidos, onde a Érika ficou por um ano fazendo análises complementares dessa molécula e aprendendo novas tecnologias para trazer ao Brasil.

Já em uma parte mais avançada do projeto, as pesquisadoras conseguiram inibir o RNA Lnc-uc.147 e observaram uma diminuição o crescimento das células de câncer de mama e aumento da morte celular dessas células. Com isso, comprovou-se que a molécula Lnc-uc.147 atua nas células de câncer.

Além disso, foi provada que a alta concentração da lnc-uc.147 está associada a um pior prognóstico do paciente demonstrando seu potencial como biomarcador no câncer de mama. Sendo assim, um caminho possível para futuros estudos seja transformar a Lnc-uc.147 em um marcador nos exames genéticos do câncer de mama e um futuro potencial alvo terapêutico para essa doença.

O estudo completo intitulado: “A novel lncRNA derived from an ultraconserved region: lnc-uc.147, a potential biomarker in luminal A breast câncer” foi publicado na revista internacional “RNA biology” e uma reportagem com as pesquisadores está disponível no site Ciência UFPR. Além disso, a equipe da Ciência UFPR foi responsável pela criação do infográfico aqui disponível.

câncer de mama
Infográfico produzido Ciência UFPR

Outras notícias podem ser encontradas a respeito desse estudo no site na RPC/TV e nos instagrans da UFPR e Revista Ciência da UFPR.

 

Referências:

INCA – INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro, 2020.

BEJERANO, Gill et al. Ultraconserved elements in the human genome. Science, v. 304, n. 5675, 2004. 

CALIN, George A. et al. Ultraconserved Regions Encoding ncRNAs Are Altered in Human Leukemias and Carcinomas. Cancer Cell, v. 12, n. 3, 2007. 

KOBOLDT, Daniel C. et al. Comprehensive molecular portraits of human breast tumours. Nature, v. 490, n. 7418, 2012.

PEREIRA ZAMBALDE, Erika et al. A novel lncRNA derived from an ultraconserved region: lnc-uc.147, a potential biomarker in luminal A breast cancer. RNA Biology, [s. l.], 2021.

PEREIRA ZAMBALDE, Erika et al. Highlighting transcribed ultraconserved regions in human diseases. 2020.

TEIXEIRA, Luiz Antonio; ARAÚJO NETO, Luiz Alves. Câncer de mama no Brasil: medicina e saúde pública no século XX. Saúde e Sociedade, 2020. 

 

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