

O transplante cardíaco pediátrico representa uma das alternativas terapêuticas mais desafiadoras e definitivas para o tratamento de cardiopatias congênitas complexas e miocardiopatias terminais. No entanto, fatores prognósticos relacionados ao momento ideal da intervenção permanecem em constante debate.
Estudo retrospectivo conduzido no Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), divulgado recentemente pelo Jornal da USP, investigou o impacto da idade no momento do transplante na sobrevida a longo prazo em uma coorte de 163 crianças transplantadas entre 1992 e 2022.
Transplante Cardíaco Pediátrico – quando é o melhor momento?
A análise evidenciou que crianças submetidas ao transplante cardíaco antes de completar 1 ano de idade apresentaram sobrevida significativamente superior. Após dez anos de seguimento, 90% desses pacientes encontravam-se vivos, comparados a 74% daqueles transplantados entre 1 e 13 anos.
Essa diferença manteve-se estatisticamente relevante mesmo após considerar avanços tecnológicos e terapêuticos ocorridos nas últimas três décadas, sugerindo que a idade precoce no momento do transplante constitui fator preditivo independente de melhor prognóstico.
O Transplante de Coração em Lactentes parece ser a melhor opção
O estudo sugere múltiplos mecanismos para explicar a maior sobrevida dos lactentes transplantados:
- Imaturidade imunológica: Lactentes apresentam sistema imunológico ainda em desenvolvimento, o que favorece maior tolerância ao enxerto, reduzindo a incidência de rejeição crônica e doença vascular do enxerto — principais determinantes da falência tardia do transplante.
- Adaptação anatômica e hemodinâmica: Em crianças muito pequenas, o novo coração pode se integrar de maneira mais eficiente às demandas metabólicas e ao crescimento corporal, minimizando disfunções mecânicas futuras.
- Menor carga de doença associada: Pacientes transplantados precocemente tendem a ter menor exposição cumulativa a danos orgânicos secundários à insuficiência cardíaca prolongada, infecções graves ou suporte circulatório invasivo, preservando melhores condições pré-operatórias.
Embora a cirurgia em neonatos represente um desafio técnico — devido à menor dimensão dos vasos, instabilidade hemodinâmica e complexidade anatômica — o estudo demonstra que os benefícios em longo prazo superam os riscos imediatos, quando realizados em centros de alta especialização.
Transplante de Coração em Bebês: Limitações do Estudo
Por tratar-se de estudo retrospectivo de centro único, seus resultados estão sujeitos a viés de seleção e limitações na generalização para outras realidades assistenciais.
Além disso, o período analisado inclui grandes avanços em técnicas cirúrgicas, imunossupressão e cuidados intensivos, que poderiam ter influenciado positivamente os desfechos mais recentes.
Ainda assim, o estudo reforça com robustez a associação entre idade precoce no transplante e maior sobrevida, mesmo em diferentes períodos tecnológicos.
Implicações Clínicas do Transplante Cardíaco Infantil
Os achados apontam para a necessidade de revisão das práticas atuais de listagem para transplante cardíaco infantil no Brasil. Pacientes com cardiopatias congênitas complexas ou miocardiopatias irreversíveis deveriam ser avaliados precocemente para transplante, evitando deterioração clínica prolongada.
Além disso, os dados evidenciam a importância de protocolos de imunossupressão adaptados à faixa etária, respeitando as particularidades farmacocinéticas e imunológicas dos lactentes.
No plano da saúde pública, os resultados também sustentam a criação de programas nacionais específicos de transplante cardíaco neonatal, com incentivo ao diagnóstico precoce de cardiopatias e agilização dos processos de listagem e captação de órgãos.
Conclusão
A realização do transplante cardíaco pediátrico antes do primeiro ano de vida associa-se a sobrevida substancialmente superior em longo prazo em crianças com indicação cirúrgica.
A idade do receptor, portanto, emerge como variável crítica para o sucesso do transplante e deve ser incorporada de forma estratégica nas diretrizes clínicas e nas políticas públicas voltadas à assistência de cardiopatias pediátricas no Brasil.
—
Referências:
SILVA, Gabriel Almeida da. Transplantados na infância que recebem coração antes de um ano de idade vivem mais. Jornal da USP, São Paulo, 2025. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/transplantados-na-infancia-que-recebem-coracao-antes-de-um-ano-de-idade-vivem-mais/.
Hayes, E. A., Koehl, D., Cantor, R., Fisher, L. A., Azeka, E., Mokshagundam, D., Asante-Korang, A., Rusconi, P., O’Connor, M. J., Nandi, D., Kirklin, J. K., & Boyle, G. J. (2025). Long-Term Survival in Children Following Heart Transplantation. Pediatric transplantation, 29(2), e70042. https://doi.org/10.1111/petr.70042