O Ministério da Saúde incorporou recentemente a vacina contra a dengue no Sistema Único de Saúde (SUS), tornando o Brasil o pioneiro mundial a disponibilizar o imunizante no âmbito do sistema público universal.
No entanto, embora haja previsão de ampliar a vacinação, alguns estados já decretaram epidemia da doença pelo aumento do número de casos, declarando estado de emergência.
Atualmente, não há um tratamento específico para a dengue – a terapia é de suporte. O principal objetivo no combate à doença são as medidas de controle, visando a erradicação do vetor (o mosquito Aedes aegypti).
Trouxemos aqui uma proposta de abordagem em casos de paciente com dengue, considerando a classificação da gravidade da doença.
Revisando a classificação da Dengue
Recentemente falamos sobre como diagnosticar um paciente com dengue (veja aqui). De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, um caso pode ser confirmado de acordo com alguns critérios. Cerca de 5 – 6 dias (período de incubação) após a picada do mosquito o paciente começa a ter o quadro.
Quanto a classificação, a doença pode ser categorizada nos seguintes grandes grupos:
Grupo A – sem complicações. É uma dengue “normal” – febre entre dois e sete dias, prostração, mialgia etc.
Grupo B – pacientes com condição moderada – sangramento de pele (espontâneo ou prova do laço), em risco social, em situação especial (< 2 anos, gestantes e > 65 anos) ou portador de comorbidades.
Grupo C – dengue com pelo menos um sinal de alarme. Lembre-se do mnemônico ALARMES – Aumento de hematócrito, Letargia e hipotimia, dor Abdominal, vômitos (Raaaaul), hepatoMegalia, Edema e Sangramento de mucosas.
Grupo D – dengue grave (extravasamento plasmático grave, insuficiência respiratória, sangramento grave ou comprometimento grave de órgãos).
Abordagem para grupo A – sem complicações
Pacientes dessa gravidade devem ser tratados ambulatorialmente (tratamento domiciliar) com o devido acompanhamento e orientações. Prescreve-se a terapia de hidratação via oral e tratamentos sintomáticos.
Terapia de hidratação: volume total de 60 ml/kg/dia; sendo 1/3 feito com soro de reidratação oral (SRO) e 2/3 com diversos líquidos – água, suco etc.
É muito importante que o médico escreva essas orientações na receita, calculando o quanto deve tomar de líquido pela manhã, tarde e noite. O tratamento deve ser mantido até o período mais crítico do paciente: ou seja, por até 48 horas após a interrupção da febre.
Como tratamento de sintomas, sugere-se prescrever antitérmicos/analgésicos, antieméticos e anti-histamínicos (devido ao rash). Lembrando: evitar uso de salicilatos (ácido acetilsalicílico) e anti-inflamatórios não esteroidais como ibuprofeno e cetoprofeno, por ter potencial hemorrágico.
Veja um exemplo:
Paciente masculino, 30 anos, 75 kg, morador do Rio de Janeiro, iniciou quadro de febre, mialgia, dor retro ocular. Diagnosticado com Dengue grupo A.
- Sal para reidratação oral (SRO) – 1 caixa.
Dissolver o conteúdo do envelope em um litro de água filtrada ou fervida. Pela manhã tomar 0,5 litro de SRO mais 1 litros de líquidos caseiros como água, suco, chá. Pela tarde tomar 0,5 litro de SRO mais 1 litro de líquidos caseiros como água, suco, chá. Pela noite tomar 0,5 litro de SRO mais 1 litro de líquidos caseiros como água, suco, chá. Manter por 48 horas após a interrupção da febre.
- Dipirona 500 mg – 1 caixa.
Tomar 1 comprimido via oral a cada 6 horas se dor ou febre.
Abordagem para grupo B – condição moderada
Pacientes dessa gravidade devem ser inicialmente mantidos em LEITO DE OBSERVAÇÃO. Deve-se solicitar no mínimo um hemograma completo para verificar a presença de hemoconcentração – o resultado deve sair em 2 horas.
Se o hematócrito for normal, o paciente pode ser tratamento em casa (ambulatorialmente) conforme o grupo A, no entanto com reavaliação diária – deve receber o “Cartão de Acompanhamento da Dengue“.
Se o hematócrito vier aumentado em mais de 10% do valor basal do paciente, ou se em crianças maior que 42%, mulheres maior que 44% ou homens maior que 50%, o paciente deverá ser internado para receber hidratação.
Após a hidratação em 4 horas, solicitar outro hemograma. Hematócrito normalizou? Tratar conforme grupo A + reavaliação diária. Não normalizou? Tratar como grupo C.
Abordagem para grupo C – condição grave
Paciente deve ser internado em enfermaria.
No mínimo o médico deverá solicitar hemograma, aminotransferases, albumina sérica, ultrassom de abdômen e raio-X de tórax. Manter o paciente internado por pelo menos 48 horas, e prescrever sintomáticos endovenosos para controle de dor, náuseas e febre. E principalmente – manter hidratação!
Fase de expansão: soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato 20 ml/kg via infusão endovenosa em 2 horas. Repetir por até 3 vezes se necessário. Na ausência de melhora após 3 repetições, considerar grupo D. Se houver melhora, manter fase de manutenção: soro fisiológico 25 ml/kg em 6 horas, seguido de 25 ml/kg de soro glicosado (2/3) + fisiológico (1/3), por mais 8 horas.
Veja um exemplo:
Paciente feminino, 40 anos, 60 kg, apresenta Dengue gravidade C com queixas de dor abdominal e irritabilidade. Interna em enfermaria para manejo clínico.
- Dieta leve – manutenção de nutrição.
- Ringer Lactato 1200 mL via endovenosa em duas horas. Fase de expansão – após isso, avaliar se o paciente repete ou passa para a fase de manutenção
- Dipirona 1 g – 1 ampola via endovenosa a cada 6 horas para controle da dor e da febre.
- Metoclopramida 10 mg ou Ondansetrona 4 mg via endovenosa a cada 8 horas se náuseas ou vômitos.
- Omeprazol 40 mg via endovenosa a cada 12 horas par profilaxia de úlcera hemorrágica.
- Oxigênio 3 litros por minuto para controle da saturação – cateter nasal se saturação < 95%.
- Dados vitais a cada 4 horas.
- Controle da diurese.
- Controle de eletrólitos.
Abordagem para grupo D – condição muito grave
Pacientes dessa gravidade devem ser internados em UTI – Unidade de Terapia Intensiva.
No mínimo o médico deverá solicitar hemograma, aminotransferases, albumina sérica, ultrassom de abdômen e raio-X de tórax. Manter o paciente internado por pelo menos 48 horas, e prescrever sintomáticos endovenosos para controle de dor, náuseas e febre. E principalmente – manter hidratação!
Fase de expansão: soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato 20 ml/kg via infusão endovenosa em 20 minutos. Repetir por até 3 vezes se necessário.
Após 2 horas, repetir o hematócrito. Se houver melhora clínica e laboratorial, conduzir como grupo C, fazendo inclusive a fase de expansão própria. Se não houver melhora avaliar hemoconcentração:
Hematócrito em ascensão e choque: utilizar expansores plasmáticos (albumina) ou coloide sintéticos na dose 10 ml/kg/hora.
Hematócrito em queda e choque: investigar hemorragia e coagulopatia de consumo. Se hemorragia, transfundir concentrado de hemácia 10 – 15 ml/kg/dia. Se coagulopatia de consumo, avaliar necessidade de plasma, vitamina K e crioprecipitado.
Hematócrito em queda sem hemorragia ou coagulopatia de consumo: se instável hemodinamicamente, provavelmente é um quadro de insuficiência cardíaca congestiva – diminuir infusão de líquido, utilizar diuréticos e inotrópico se necessário. Se estável, houve melhora clínica.
Quando dar alta?
Pacientes que foram internados devem preencher todos os critérios a seguir para se aventar a possibilidade de alta, que fica, evidentemente, sempre sob controle médico:
- Melhora do quadro visível.
- Ausência de febre por 48 horas mesmo sem uso de antitérmicos.
- Plaquetas > 50.000/mm³ e em ascensão.
- Hematócrito normalizado por 24 horas.
- Hemodinamicamente estável por 48 horas.
- Derrames cavitários em regressão sem repercussão clínica, se presentes.
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Referências:
World Health Organization. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention, and control – new edition. WHO, Geneva 2009.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Guia para uso de hemocomponentes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada e Temática. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 136 p.
Paciente feminino, 40 anos, 60 kg, apresenta Dengue gravidade C com queixas de dor abdominal e irritabilidade. Interna em enfermaria para manejo clínico.
Dieta leve – manutenção de nutrição.
Ringer Lactato 2400 mL via endovenosa em duas horas. Fase de expansão – após isso, avaliar se o paciente repete ou passa para a fase de manutenção
Nesse exemplo à cima não seria 1.200mL via endovenosa em duas horas na fase de expansão?
Perfeita observação – fase de expansão 20 ml/kg – peso 60 kg – fica 1.200 mL EV