Um estudo publicado na British Journal of Sports Medicine mês passado aponta: a atividade física deve ser uma abordagem essencial no manejo de transtornos mentais e sofrimento psicológico! Seus benefícios são substanciais para os sintomas de depressão e ansiedade e podem comparáveis ou potencialmente mais eficazes do que farmacoterapia ou psicoterapia.
Transtorno de saúde mental afeta 1 a cada 8 pessoas
As desordens de saúde mental estão entre as principais causas de problemas relacionados à saúde no mundo, com custos consideráveis tanto no âmbito individual quanto social.
Em 2019, 1 a cada 8 pessoas no mundo possuíam alguma doença mental. Projeções indicam que quase metade das pessoas (44%) terá alguma desordem desse tipo durante sua vida.
A depressão e a ansiedade são as doenças mentais mais comuns. As taxas de sofrimento psicológico aumentaram muito após a pandemia de COVID-19, com uma prevalência de cerca de 35%.
A influência do estilo de vida na saúde mental já é bem estabelecida, entretanto, as diretrizes clínicas com relação à atividade física, higiene do sono e dieta variam muito de acordo com o país em questão.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o tratamento inicial recomendado é psicoterapia ou farmacoterapia, com as mudanças no estilo de vida sendo consideradas “tratamentos alternativos complementares” em casos em que os tratamentos iniciais não foram efetivos ou aceitáveis.
Já foram publicados centenas de estudos mostrando os efeitos da atividade física na depressão, ansiedade e sofrimento psicológico – sendo que muitos deles sugerem que a atividade física tem efeitos similares à psicoterapia e à farmacoterapia (possuindo ainda muitas vantagens, como custo, efeitos colaterais e efeitos adicionais na saúde). Então, por que essa abordagem ainda não foi amplamente adotada como terapia?
Entre as razões para essa aparente incoerência, estão: a resistência do paciente, a dificuldade de prescrever e de monitorar a atividade física, assim como a grande quantidade de estudos incomparáveis entre si.
Assim, trataremos hoje de uma revisão que analisou o efeito de diversos tipos de atividade física nos sintomas de depressão, ansiedade e sofrimento psicológico em populações adultas.
Os benefícios da atividade física para a saúde mental são comparáveis à psicoterapia e à farmacoterapia?
Para definir quais estudos seriam analisados, foi adotado o seguinte conceito de atividade física: “qualquer movimento corporal produzido pela contração de músculos esqueléticos, resultando em um aumento substancial de necessidade calórica acima do gasto de energia em repouso”.
Com relação aos transtornos de saúde mental, foram considerados sintomas autorrelatados ou clinicamente diagnosticados. Dessa maneira, foi possível obter uma amostra significativa: mais de 128 mil participantes.
Quais eram as condições dos participantes e quais foram as modalidades de atividade física?
E quais foram os resultados obtidos com esse análise?
A prática de atividade física promoveu melhora nos sintomas de depressão, ansiedade e sofrimento psicológico, independente da condição que o paciente possuía. Entretanto, os resultados mais significativos foram encontrados nos seguintes subgrupos: indivíduos aparentemente saudáveis; indivíduos com depressão; pacientes com doença renal; HIV e DPOC.
Todas as modalidades de exercício foram efetivas. Entretanto, para a depressão, os resultados mais significativos foram observados nos exercícios baseados em força; enquanto para a ansiedade, os melhores resultados foram obtidos com alongamento, yoga e outras modalidades focadas em corpo/mente.
Também houve diferenças quanto a algumas características da atividade física:
– Intensidade: exercícios de alta intensidade foram mais efetivos para redução dos sintomas depressivos, enquanto uma intensidade média seria o mais indicado para os transtornos de ansiedade.
– Duração da intervenção: foram analisados 3 tipos de intervenção: de curta duração (menos de 12 semanas), duração média (12 a 23 semanas) e longa duração (mais de 24 semanas). Tanto para ansiedade quanto depressão, as intervenções de curta duração foram mais efetivas.
Esse resultado pode ser um reflexo do declínio na aderência em intervenções longas. Além disso, é possível que, após ter obtido uma melhora nos sintomas depressivos e ansiosos com exercícios de curta duração, a expectativa de melhora pode ter diminuído ao longo do tempo.
Outra explicação seria que intervenções longas podem não oferecer progressão suficiente da quantidade de exercício físico, levando a uma redução na sua efetividade. Os benefícios encontrados com intervenções de curto prazo mostram que não é necessário um longo período para que a melhora terapêutica seja observada, além de facilitar a oferta desses serviços à população devido ao custo reduzido.
– Duração semanal: tanto para a ansiedade quanto para a depressão, treinos com duração semanal de menos de 150 minutos parecem ser efetivos. Esse resultado foi uma surpresa, visto que é o oposto da relação dose-benefício encontrada entre atividade física e saúde do indivíduo.
Novamente, é possível que durações curtas sejam mais fáceis para os pacientes cumprirem, enquanto durações semanais mais longas são mais pesadas e podem impactar os benefícios psicológicos. Essa observação gera uma mensagem muito útil: não é preciso realizar grandes quantidades de atividade física para que haja melhora de humor. Alguma atividade é melhor do que nenhuma!
– Frequência semanal: 5 a 7 sessões por semana constituem uma alta frequência, 4 a 5 uma frequência moderada, enquanto menos de 4 sessões por semana é considerado baixa frequência. Uma frequência moderada parece ser o mais adequado para melhora dos sintomas em casos de depressão e ansiedade.
– Duração da sessão: Considerando uma sessão longa como mais de 60 minutos, uma sessão moderada com 30 a 60 minutos e uma sessão curta com menos de 30 minutos, uma sessão moderada é o mais efetivo para pacientes com sintomas depressivos. Já para pacientes ansiosos, não foi observada uma diferença significativa. Entretanto, é necessário considerar que apenas 1 estudo informou dados de duração da sessão.
Alguma atividade física é melhor do que nenhuma!
Esses efeitos benéficos podem ser um resultado de uma combinação de mecanismos psicológicos, neurofisiológicos e sociais, sendo que cada modalidade ativa um determinado conjunto.
A prática de atividade física melhora a depressão através de vários mecanismos neuromoleculares, como: aumento da expressão de fatores neurotróficos, aumento de serotonina e norepinefrina, regulação do eixo adrenal-pituitário-hipotalâmico e redução da inflamação sistêmica.
Entretanto, atividade física de baixa intensidade pode não ser suficiente para estimular as mudanças neurológicas e hormonais que estão associadas a melhora na depressão e ansiedade. Dessa maneira, os resultados desse estudo estão de acordo com as diretrizes de saúde pública que recomendam atividade física multimodal, de intensidade moderada e vigorosa.
A prática de atividade física auxilia no tratamento dos sintomas depressivos e ansiosos em várias populações, incluindo a população geral, pessoas com doenças mentais e vários outros grupos de pacientes. Mas apesar de o benefício do exercício para os transtornos mentais ser amplamente reconhecido, é comum que seja esquecido no manejo desses transtornos.
Os efeitos obtidos pelo exercício são comparáveis ou até mesmo um pouco maiores do que os resultados observados com psicoterapia e farmacoterapia. Ou seja, a atividade física deve ser considerada parte da abordagem principal para o tratamento de ansiedade e depressão. Ainda, são necessários mais estudos a fim de entender a relação entre a eficácia do exercício físico comparado (e em combinação) com outros tratamentos.
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Referências:
SINGH, B. et al. Effectiveness of physical activity interventions for improving depression, anxiety and distress: na overview of systematic reviews. Br J Sports Med, v. 0, p. 1–10. 2023. doi:10.1136/bjsports-2022-106195.
Exercise Is Even More Effective Than Counselling or Medication for Depression. Neuroscience News.com, March 11, 2023.