O uso de rituximabe em pacientes com miastenia gravis é promissor, mas há poucos estudos robustos, randomizados e controlados que sustentem sua utilização.
No mês passado, um artigo publicado na JAMA Neurology trouxe resultados do estudo clínico RINOMAX, que avalia a eficácia e segurança do uso de Mabthera® nestes pacientes.
Rituximabe em miastenia gravis ainda é terceira linha de tratamento
O rituximabe é um anticorpo monoclonal direcionado contra o antígeno CD20 na superfície dos linfócitos B, regulando a iniciação do ciclo celular e ativando a citotoxicidade das células B dependente do complemento. Atualmente, é indicado para artrite reumatoide, linfoma não-Hodking, leucemia linfoide crônica, pênfigo vulgar, poliangeíte microscópica e granulomatose de Wegener.
De acordo com as últimas atualizações de recomendações dos especialistas da “Myasthenia Gravis Foundation of America” (MGFA), o uso de rituximabe deve ser considerado como proposta terapêutica para pacientes com miastenia gravis, na presença de anticorpos anti-musK, e resposta insatisfatória à imunoterapia inicial.
Porém, a maioria dos estudos que avalia o uso dessa droga em pacientes com miastenia são retrospectivos, e todos os efeitos e mecanismos de ação na doença ainda não foram completamente elucidados – razão pela qual este segue sendo um tratamento de terceira linha.
Ainda, para pacientes com anticorpos contra o receptor de acetilcolina (AchR+), a resposta a rituximabe ainda é questionada, e recomendada apenas para pacientes que não respondem ou não toleram outros tratamentos.
Um estudo publicado em novembro desse ano na JAMA Neurology foi inovador em sua abordagem, por ser randomizado, controlado e duplo cego. Dessa forma, a intervenção com rituximabe e a comparação com placebo pode nos trazer evidências de como essa droga pode beneficiar (ou não) pacientes com miastenia gravis.
Estudo RINOMAX
O estudo clínico RINOMAX (Rituximab in Patients With Myasthenia Gravis) teve início em 2016, com o objetivo de estudar o efeito do rituximabe (Mabthera®) comparado ao placebo no tratamento dos pacientes com miastenia gravis com sintomas moderados a graves, e de início recente.
O estudo incluiu 47 pacientes adultos, sendo que 25 fizeram parte do grupo tratado e os outros do grupo placebo. A droga/placebo foi administrada por infusão endovenosa, e paracetamol, cetirizina e prednisona foram utilizados em combinação.
Como principal desfecho, os pesquisadores avaliaram a proporção de pacientes com manifestações mínimas de doença ao final de 16 semanas, definidas pelos escores específicos da doença.
Do total de participantes, 71% do grupo tratado atingiu o desfecho primário, comparado a 29% no grupo placebo. Ao avaliar por um período maior, a resposta manteve o direcionamento em 24, 36 e 48 semanas.
Houve também um maior número de participantes no grupo placebo utilizando tratamentos de resgate, como prednisona. Os efeitos adversos foram maiores no grupo tratado, incluindo um evento cardíaco fatal, mas no grupo placebo também houve um evento cardíaco grave.
Como conclusão, o grupo afirma que o uso de rituximabe 500 mg via infusão endovenosa em dose única foi associada a melhores desfechos e maior probabilidade de manifestações mínimas da doença, reduzindo assim a necessidade de medicamentos de resgate.
É importante destacar que algumas limitações do trabalho ainda precisam ser superadas. Por ser um trabalho de randomização aleatória, os grupos de pacientes e controles ficaram desbalanceados nesse estudo, o que gerou um grupo placebo com títulos de anticorpos mais altos, e menor proporção de indivíduos tratados com prednisona. Embora corrigido por estatística, mais estudos são necessários para dar força aos achados.
Miastenia gravis – relembrando conceitos
A miastenia gravis é uma doença neuromuscular autoimune da placa motora que leva a episódios de fraqueza e fadiga dos músculos voluntários.
Relembrando: placa motora é a junção entre o segundo neurônio motor e o músculo em si. Quando realizamos um movimento, a informação sai do córtex cerebral até o primeiro neurônio motor, que se comunica com o segundo neurônio motor, que manda o sinal para o músculo realizar o movimento. Essa sinalização entre o segundo neurônio motor e o músculo é mediada pela acetilcolina, que se liga aos seus receptores no músculo, estimulando a contração muscular. Após a realização do movimento, enzimas chamadas acetilcolinesterases degradam a acetilcolina, sendo o produto reabsorvido pelo corpo.
Na doença, há produção de autoanticorpos contra esses receptores. Como resultado, os receptores ficam impossibilitados de receber a informação e, consequentemente, incapaz de orientar a contração muscular, levando a fraqueza.
Não obstante, esses autoanticorpos levam a alterações nesses receptores que ficam simplificados/achatados e levam ao aumento do espaço sináptico.
Ainda, a acetilcolina se acumula em repouso e é liberada em maior em quantidade nos primeiros movimentos, compensando os receptores lesados. No entanto, a acetilcolina após os primeiros movimentos começa a ser consumida, piorando gradativamente a fraqueza muscular. Dessa forma, os pacientes apresentam fraqueza muscular devido ao esforço repetitivo e contínuo.
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Referências:
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