Devido a heterogeneidade do câncer, a busca por um tratamento eficaz para os pacientes é um esforço contínuo. Nesse mês, um grupo de pesquisadores inovou na busca por agentes imunoterápicos ao estudar a E. coli como um potencial terapêutico para os pacientes com câncer.
Desafios no tratamento contra o câncer
O câncer é uma doença complexa e heterogênea e, da mesma forma, os tratamentos para esta doença são muito diversos. Um dos mais conhecidos, a quimioterapia, provou ser uma ferramenta valiosa no combate a vários tipos de neoplasias. Entretanto, além de combater as células cancerosas, também pode atacar células saudáveis.
Para driblar estes efeitos colaterais indesejados, terapias celulares estão emergindo rapidamente e sendo usadas para o tratamento do câncer. Neste cenário, células imunes têm se destacado como agentes no tratamento de neoplasias hematológicas, embora o mesmo não tenha sido observado para tumores sólidos.
Tumores sólidos dificultam a penetração das células agentes da terapia celular e, consequentemente, reduzem o funcionamento da terapia no ambiente tumoral. Mas o que parecia ser uma fraqueza da terapia passou a ser seu ponto forte. Pelo menos é o que um grupo de pesquisadores do California Institute of Technology mostrou em um trabalho publicado na Nature Communications.
Bactérias quimioterápicas?
A eficácia das células imunes como agentes da terapia celular em tumores sólidos tem sido limitada pela capacidade reduzida das células terapêuticas de penetrar e funcionar no ambiente imunossupressor do tumor, especialmente em núcleos hipóxicos com privilégios imunológicos.
Entretanto, esta redução da atividade imunológica de alguns núcleos tumorais cria um microambiente favorável ao crescimento de certas bactérias, que podem atingir os tumores após administração sistêmica. Se utilizadas como agentes da terapia, essas bactérias podem ser projetadas para liberar cargas terapêuticas que afetem diretamente as células tumorais ou remodelar o microambiente para estimular a imunidade antitumoral.
Os pesquisadores do California Institute of Technology modificaram bactérias E. coli para expressarem uma carga útil terapêutica antitumoral de αCTLA-4 e αPD-L1. Estas moléculas bloqueiam a sinalização através das vias do receptor de checkpoint CTLA-4 e PD-L1, que estão fortemente implicados no silenciamento de células T em tumores sólidos imunossupressores.
Edição genética necessária
Mas isso não bastou para desenvolver uma terapia celular antitumoral. Muitas vezes, a eficácia terapêutica é acompanhada pelo risco de ativar involuntariamente a autoimunidade em tecidos saudáveis quando administrados sistemicamente. Para evitar danos a órgãos saudáveis, é crucial que a atividade terapêutica seja direcionada aos tumores.
Para evitar a liberação sistêmica das moléculas antitumorais, foram inseridos genes regulados por temperatura nas bactérias. Assim, as bactérias E. coli modificadas apenas produzem αCTLA-4 e αPD-L1 quando a temperatura atinge 42 – 43 ºC.
Como a temperatura corporal normal é de 37ºC, os agentes terapêuticos não começam a produzir seus compostos antitumorais quando injetadas no paciente. Em vez disso, eles crescem silenciosamente dentro dos tumores até que uma fonte externa os aqueça até sua temperatura de gatilho (como ultrassom focalizado, utilizado pelo grupo).
E. coli com função antitumoral?
Para testar se a terapia desenvolvida é eficaz, a equipe de pesquisa injetou células bacterianas em camundongos afetados por tumores. Depois de dar tempo para as E. coli se infiltrarem nos tumores, a equipe usou ultrassom para aquecê-las e iniciar a liberação dos compostos terapêuticos antitumorais.
A equipe observou um retardo no crescimento tumoral em tumores tratados com a terapia celular desenvolvida. Além disso, a análise do fígado e baço dos camundongos confirmou que a ativação das bactérias terapêuticas foi limitada aos tumores (onde foi aplicado o ultrassom), poupando tecidos espectadores.
Com estes resultados, os pesquisadores demonstraram que as células bacterianas projetadas para a terapia celular antitumoral foram capazes de se alojar em tumores sólidos após aplicação sistêmica, além de reduzir o crescimento do tumor após ativação com ultrassom.
Considerações finais
O trabalho estabelece um sistema para imunoterapia probiótica direcionada que combina a capacidade especial das bactérias terapêuticas de se alojar no núcleo de tumores sólidos com a capacidade do ultrassom de ativar localmente sua função terapêutica.
A ativação das bactérias terapêuticas é possibilitada por um interruptor gênico sensível à temperatura, desenvolvido por meio de engenharia genética, indução rápida após estimulação e atividade sustentada in situ.
Quando essa mudança de estado é usada para ativar a liberação de inibidores de checkpoint imunológico, os micróbios projetados resultantes podem ser ativados dentro de tumores por breve exposição a ultrassom para secretar sua carga terapêutica por um período prolongado e reduzir substancialmente o crescimento do tumor.
Embora seja um trabalho pioneiro, esta tecnologia fornece uma ferramenta para o direcionamento espaço-temporal de potentes terapias bacterianas em uma variedade de cenários biológicos e clínicos.
—-
Referências:
Abedi, M.H., Yao, M.S., Mittelstein, D.R. et al. Ultrasound-controllable engineered bacteria for cancer immunotherapy. Nat Commun 13, 1585 (2022). https://doi.org/10.1038/s41467-022-29065-2
Velasco, E. Researchers develop sound-controlled bacteria to fight câncer. Medical Xpress (2022). https://medicalxpress.com/news/2022-03-sound-controlled-bacteria-cancer.html