Amostra de sangue pode indicar câncer em pacientes com sintomas inespecíficos

câncer hematológico

O diagnóstico precoce é fundamental para o melhor prognóstico de pacientes oncológicos. Quando detectado precocemente, via de regra, o câncer pode ser mais facilmente tratado e tem melhores resultados, visto seu provável estágio inicial, menor envolvimento nodal e menor propensão a metástases.

As vias de encaminhamento do câncer são baseadas predominantemente em torno de sintomas específicos de órgãos, como hemoptise ou hematúria, ou anormalidades clinicamente palpáveis, como nódulos mamários ou massa abdominal. Logo, o diagnóstico precoce pode ser difícil em pacientes com sinais e sintomas inespecíficos.

Em vista disso, um grupo da Universidade de Oxford buscou avaliar a capacidade de marcadores diagnósticos tumorais em biópsia líquida em pacientes sem sintomas específicos. O artigo foi publicado em janeiro desse ano na revista Clinical Cancer Research, e vamos falar sobre os principais achados do trabalho.

Biópsia líquida no contexto do câncer

O rastreamento ideal para neoplasias deve apresentar alta sensibilidade e especificidade, sendo capaz de detectar o tumor em estágios iniciais e detectando de forma correta a presença ou não de câncer, além do baixo custo. E se possível, minimamente invasivo.

Esse exame dos sonhos ainda não existe, infelizmente. Entretanto, a biópsia líquida tem sido alvo recente de estudos para essa finalidade, e bons resultados têm sido observados com essa abordagem.

Tumores liberam constantemente material genético na corrente sanguínea, seja por células tumorais circulantes (CTCs), DNA livre (cf-DNA) ou outras moléculas em decorrência dos processos apoptóticos no tecido tumoral. Avaliar o material genético do tumor em fluidos biológicos vêm mostrando grande potencial para sinalização precoce de neoplasias, como câncer de mama, colorretal, pancreático, fígado, bexiga e tumor cerebral, além de denunciar a presença de metástases.

Com isso em mente, um grupo da Universidade de Oxford resolveu testar esta abordagem para a detecção precoce de cânceres em pacientes sem sintomas específicos, permitindo a identificação de pacientes com câncer do grupo controle, em uma coorte mista com sintomas inespecíficos. Ainda, o grupo teve o objetivo de distinguir pacientes com e sem metástases. Entretanto, o foco da avaliação não foi puramente o material genético livre no sangue, mas os metabólitos no soro.

câncer

Uma (nova) nova abordagem

A principal hipótese dos pesquisadores foi de que biomarcadores dentro do metaboloma sanguíneo poderiam identificar cânceres em uma população mista de pacientes encaminhados da atenção primária com sintomas inespecíficos. Eles chamaram esses pacientes de “baixo risco, mas não sem risco”.

Aqui, um comentário: metaboloma é o conjunto os metabólitos de um organismo. A metabolômica (área que estuda os metabólitos) busca fornecer uma compreensão geral, qualitativa e quantitativa, destas moléculas e de suas atuações biológicas.

Voltando…

Os pesquisadores analisaram pacientes que não correspondiam aos quesitos para encaminhamento padrão, ou seja, não apresentavam sintomas ou sinais que indicassem um tipo específico de câncer. Foram analisadas amostras de sangue de cerca de 300 indivíduos, cujos sintomas inespecíficos apresentados variaram desde perda de peso e fadiga inexplicáveis, até “relato de um médico de cuidados primários com suspeita clínica de câncer ou doença grave”.

O soro dos pacientes foi analisado por uma técnica que os pesquisadores chamam de metabolômica por ressonância magnética nuclear (NMR, do inglês magnetic resonance metabolomic). Em resumo, este procedimento determina os níveis de pequenas moléculas (metabólitos) presentes na amostra biológica. A vantagem deste procedimento é que a técnica empregada é conceitualmente simples e barata.

A análise de indivíduos com e sem a doença permite estabelecer padrões específicos para cada grupos. De fato, foi visto uma separação entre os pacientes com câncer do grupo controle. O modelo foi capaz de identificar a presença da doença com uma sensibilidade de 94% e especificidade de 82%, e a ausência de câncer com 99% de eficácia.

 

Mas o câncer é uma doença heterogênea! Agrupar diversas neoplasias como um grupo só e conseguir separar, dá certo?

A distinção entre os grupos de pacientes foi feita a partir da detecção de níveis inferiores de lipoproteínas e lipídios saturados e níveis elevados de glucose, N-acetilglucosamina (NAC1) e treonina no plasma de pacientes com tumores sólidos. No grupo de pacientes identificados com câncer, o modelo ainda foi capaz de detectar a presença de metástase, com uma acurácia de 91%.

Outro ponto interessante do estudo é que os pesquisadores continuaram acompanhando os pacientes sem câncer. Ao longo de um ano de acompanhamento, os pacientes foram avaliados por exames de imagem e pelo método NMR.

Cinco destes pacientes vieram a desenvolver câncer. Mas o que chamou atenção foram dois destes cinco casos – o método NMR foi capaz de detectar o câncer 7 e 9 meses antes dos exames convencionais nos dois pacientes.

Considerações finais

Embora muito promissores, sabemos que os estudos com biópsia líquida ainda não são robustos o suficiente para substituir exames de imagem – e esse não é o intuito. Identificar o possível aparecimento de tumores antes mesmo dos exames de imagem é, de fato, muito interessante, mas realizar tais procedimentos de rotina não é viável. Associar tais exames em pacientes com predisposições genéticas, de forma individualizada, pode ser um caminho mais sensato.

No entanto, o trabalho apresentado trouxe resultados interessantes. Mesmo com a heterogeneidade do câncer, este estudo mostrou que a análise metabolômica do sangue pode identificar, de forma sensível e específica, tumores sólidos em pacientes com sintomas inespecíficos, além de possibilitar a distinção entre cânceres não metastáticos e metastáticos, dentro da população de pacientes com tumores sólidos. A utilização desta técnica também permitiu identificar a presença de câncer mais precocemente do que a tomografia computadorizada inicial em dois pacientes.

Isso sugere que a análise metabolômica pode ser útil tanto para novas apresentações de malignidade quanto para recorrência. Além disso, o procedimento exige nada mais do que uma amostra de sangue na clínica e uma análise de RMN de baixo custo. Ao incluir potenciais economias de tempo e custos na análise, bem como as métricas convencionais de utilidade de detecção de câncer, a utilidade da metabolômica de RMN pode ser avaliada de maneiras mais amplas.

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Referências:

James R. Larkin, Susan Anthony, Vanessa A. Johanssen et al. Metabolomic Biomarkers in Blood Samples Identify Cancers in a Mixed Population of Patients with Nonspecific Symptoms. Clin Cancer Res January 4 2022 DOI: 10.1158/1078-0432.CCR-21-2855

New blood test can identify if a patient has cancer and if it has spread. University of Oxford. Jan 2022.

Ozawa PMM, Jucoski TS, Vieira E, Carvalho TM, Malheiros D, Ribeiro EMSF. Liquid biopsy for breast cancer using extracellular vesicles and cell-free microRNAs as biomarkers. Transl Res. 2020 Sep;223:40-60. doi: 10.1016/j.trsl.2020.04.002. Epub 2020 May 13. PMID: 32413499.

 

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