Dentre os diversos esforços na busca de um tratamento contra a COVID-19, a fluvoxamina tem destaque especial. No fim de dezembro de 2021, foi solicitado a agência reguladora Food and Drug Administration (FDA) a liberação do uso emergencial do medicamento para o tratamento de pacientes com Sars-Cov-2.
Já falamos em um post recente sobre a investigação dos benefícios da fluvoxamina em pacientes com COVID-19. Aqui, trouxemos os principais resultados e atualizações encontrados até o momento, bem como a solicitação recente à FDA.
Fluvoxamina – revisando seu mecanismo de ação.
Como mencionado, já falamos sobre a atuação da fluvoxamina no SNC em um outro artigo nosso. Você pode acessar clicando aqui. Mas é importante revisar os mecanismos de ação essenciais desse medicamento, e como seu uso pode auxiliar no tratamento da COVID-19.
A Fluvoxamina (Luvox®, Revoc®) é indicada no tratamento de depressão maior e transtorno obsessivo compulsivo. Seu efeito antidepressivo se dá pela inibição da recaptação da serotonina (ISRS) – ao bloquear o transporte de serotonina de volta à célula pré-sináptica, concentra essa molécula na fenda pré-sináptica.
No entanto, a modulação do receptor sigma-1 (Sig-1R) é o que chama atenção no caso da infecção por coronavírus. Esse receptor encontra-se no retículo endoplasmático e regula canais iônicos e modula liberação de neurotransmissores.
Os dados encontrados são suficientes?
Visto que os vírus desregulam a homeostase de cálcio nas células, regular esses canais via Sig-1R pode ser uma estratégia terapêutica em infecções virais. Ainda, a ativação desses receptores regula mecanismos importantes da resposta adaptativa ao estresse durante as etapas iniciais da replicação viral.
O que foi visto (e confirmado) até o momento inclui modelos animais e estudo em células humanas endoteliais e de macrófagos. Em modelos animais foi visto que, ao modular a resposta imunológica, a produção de citocinas é regulada. Os estudos com células humanas indicaram uma redução da expressão de genes inflamatórios com o uso da fluvoxamina. Portanto, sugere-se que a fluvoxamina atua como um anti-inflamatório.
Atualmente, há estudos em andamento para confirmar se, de fato, esse papel anti-inflamatório é relevante no contexto da COVID-19.
Estudo STOPCOVID
O estudo STOPCOVID é um ensaio randomizado duplo-cego controlado por placebo, com adultos não hospitalizados, diagnosticados com COVID-19 leve. Os pacientes incluídos receberam fluvoxamina na dose de 100mg três vezes ao dia por 15 dias.
Nesse estudo foi observada uma redução nos parâmetros avaliados: falta de ar ou hospitalização por saturação de oxigênio <92%.
O estudo clínico se manteve em andamento, com a fase III (STOPCOVID2), incluindo mais de 600 pacientes. No entanto, esse estudo foi interrompido por um comitê de monitoramento de segurança, com efeito abaixo do esperado.
Estudo TOGHETER
O estudo clínico TOGHETER é brasileiro! Inclui quase 1500 pacientes diagnosticados com COVID-19 não hospitalizados, mas com um fator de risco conhecido para desenvolvimento da doença grave.
O uso de fluvoxamina 100mg duas vezes ao dia foi associado a uma redução da necessidade de hospitalização e manutenção dos pacientes em admissões de emergência. Mas outros parâmetros, como eliminação viral, mortalidade e número de dias em ventilação não mostrou diferença entre pacientes tratados e placebo.
E não podemos deixar de destacar uma limitação importante: os pacientes que receberam fluvoxamina foram menos aderentes à terapia, devido aos efeitos colaterais e intolerância ao medicamento. É importante lembrar que estamos falando de um ISRS! Além dos efeitos gastrointestinais comuns, insônia, ansiedade, dor de cabeça e sonolência podem ocorrer.
Outra questão importante é quanto as interações medicamentosas, visto que a fluvoxamina é um substrato de CYP450 e um potente inibidor de CYP1A2 e CYP2C19. Logo, os efeitos serotoninérgicos podem ser potencializados em combinação com outros medicamentos (como os inibidores da MAO), resultando em síndrome serotoninérgica. Ainda, em associação com anticoagulantes e antiplaquetários, pode resultar em sangramento.
Considerações finais
Até o momento, não há recomendações quanto a utilização da fluvoxamina no tratamento da COVID-19. Inclusive, o National Institute of Health desencoraja seu uso.
Outra questão importante: em geral, as solicitações a FDA são realizadas pelas indústrias farmacêuticas responsáveis pelos medicamentos ou estudos clínicos. No caso da fluvoxamina, o médico responsável por um dos estudos clínicos foi quem redigiu a solicitação.
Agora, resta aguardar o pronunciamento da FDA.
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Referências:
ClinicalTrials. Fluvoxamine for Early Treatment of Covid-19 (Stop Covid 2). NCT04668950.
NIH. COVID-19 Treatment Guidelines. Fluvoxamine. Dec 2021.