O abuso de álcool ou estado alcóolico agudo é definido como cinco ou mais doses de bebida alcoólica num período de 2 horas. Esse comportamento pode desencadear consequências a saúde, inclusive cardíaca.
O álcool pode ser o gatilho para arritmias cardíacas em pessoas com menos de 65 anos, não exclusivamente em cardiopatas, sendo a mais comum delas a fibrilação atrial (FA), e denomina-se “Holiday Heart Syndrome”.
Holiday Heart Syndrome
A síndrome do “coração de férias” é caracterizada por arritmias cardíacas, na maioria das vezes atrial, associadas a estados alcoólicos agudos. Foi chamada dessa maneira por Ettinger e colaboradores, que relataram uma maior incidência de arritmia atrial relacionada ao álcool durante os meses de dezembro e janeiro, e em finais de semana, atingindo picos às segundas feiras – consistente com a observação clínica temporal entre a ingestão de álcool e vulnerabilidade à fibrilação atrial.
Os mecanismos pelos quais a intoxicação aguda pode predispor para FA ainda não foram totalmente definidos, mas as possibilidades incluem:
– encurtamento do potencial de ação atrial e do período refratário
– desaceleração da condução
– lesão direta do miócito por inflamação alcoólica
– perturbações autonômicas
Observou-se que cerca de 1/3 das admissões em emergências com arritmias, principalmente naqueles com história prévia de fibrilação atrial, o álcool foi o gatilho. Porém, outras arritmias também são encontradas, como taquicardia sinusal e complexos atriais ou ventriculares prematuros.
Isso acontece porque o acetaldeído, produto de degradação do álcool, é tóxico para a célula cardíaca (miócito) e pode causar estresse oxidativo, prejudicando a fosforilação mitocondrial.
Em um estudo recentemente publicado, incluindo pacientes com ou sem fibrilação atrial prévia e realizado entre 2017 e 2019, algumas descobertas importantes aumentaram o entendimento da arritmogênese induzida pelo álcool:
- Há modificação significativa do sistema autonômico por até 48 horas após consumo excessivo de álcool;
- Durante a bebedeira e por até 24 horas após, há uma dominância do sistema simpático caracterizado por frequência cardíaca aumentada. No entanto, a variabilidade da frequência cardíaca é reduzida;
- No período de 24 a 48 horas após a ingesta de álcool, há a possibilidade de um fenômeno de rebote com atividade parassimpática elevada, caracterizado por uma frequência cardíaca mais lenta;
- Pacientes com história prévia de FA paroxística desenvolveram FA entre 11 e 34 horas pós bebedeira;
- Uma redução na função mecânica atrial foi observada em Ressonância Cardíaca no período pós ressaca;
- Não houve aumento significativo nas arritmias ventriculares (fibrilação ou taquicardias ventriculares).
Para os pacientes com fibrilação atrial, a história clínica é de extrema importância nos casos de Holiday Heart Syndrome, já que não a encontramos apenas em pessoas com histórico de consumo crônico de álcool, mas também em jovens saudáveis que consomem álcool em uso não regular.
Porém, não devemos esquecer que em muitos consumidores de etanol, fatores concomitantes podem predispor a arritmias, incluindo tabagismo, distúrbios eletrolíticos ou metabólicos, hipertensão e apneia do sono.
Pacientes com Holiday Heart Syndrome têm um prognóstico muito bom e a maioria dos casos são resolvidos após interrupção do consumo do álcool, se não houver outras condições subjacentes. Por essa razão é importante descartar outras patologias, como síndrome de Brugada, síndrome do QT longo ou cardiomiopatias que podem resultar em fibrilação atrial.
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Referências: