Síndrome pós-covid: estudo aponta que 42% das pessoas desenvolvem problemas cardiovasculares após COVID-19

COVID-19 distúrbios cardiovasculares

Após quase dois anos desde o primeiro caso de COVID-19 registrado em Wuhan, na China, as informações sobre a síndrome pós-covid vêm se acumulando em um ritmo bastante forte.

Estudos apontam que até 80% dos pacientes que conseguiram se curar apresentam sequelas importantes nos primeiros meses seguintes à doença. Além do sistema pulmonar (principal sistema afetado pelo SARS-CoV-2), outros são acometidos, como o sistema nervoso (com prejuízo na função cognitiva), renal e cardiovascular.

O vírus e o sistema cardiovascular

A ação viral do SARS-CoV-2 se inicia com sua ligação no receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), o que permite a entrada desse vírus na célula do hospedeiro. A expressão deste receptor não se dá apenas nas vias aéreas superiores, mas também pode ser encontrado nas artérias coronárias, permitindo que esse vírus atue diretamente sobre o sistema cardiovascular.

Entende-se que essa infecção pode levar a danos no miocárdio, devido à agressão do vírus, podendo resultar em choque cardiogênico, arritmias, miocardite e pericardite. Essas alterações promovem o aumento de biomarcadores da função cardíaca, como os níveis de troponina, além de promover alterações nos resultados do eletrocardiograma do paciente.

Estudos mais recentes apontam que essas alterações da função cardíaca não se dão apenas durante a fase de infecção, mas podem durar (e inclusive aparecer) meses após a alta do paciente.

E ao contrário do que se imaginava no início da verificação da síndrome pós-covid não são só os pacientes com histórico de alterações cardiovasculares que sofrem danos nesse sistema após se curarem da COVID-19. Mesmo aqueles que não apresentavam histórico prévio, apresentaram algum grau de dano ao coração.

 

Distúrbios cardiovasculares pós-COVID

COVID-19 distúrbios cardiovascularesEm um estudo coordenado pelo cardiologista Roberto Kalil Filho (presidente do Instituto do Coração – InCor) e publicado esse ano, viu-se que 42% dos pacientes estudados apresentaram problemas cardiovasculares após se curarem da COVID-19.

Para chegar a esse valor, o grupo de Kalil Filho realizou um estudo multicêntrico, contando com 21 centros em todo o Brasil, avaliando as condições de 2546 pacientes com COVID-19. Os participantes apresentaram idade média de 65 anos e o estudo observacional foi realizado entre junho e outubro de 2020.

As principais alterações observadas no sistema cardiovascular dos pacientes hospitalizados com COVID-19 foram miocardite, síndrome coronariana aguda e falha cardíaca.

A fim de avaliar e acompanhar melhor os pacientes que tiveram COVID-19 leve ou moderada, 70 dias após receberem alta da COVID-19, os mesmos foram submetidos à realização de ressonância magnética do coração. Mesmo após mais de 2 meses de cura da COVID-19, 70% desses pacientes apresentaram pericardite, indicando a necessidade de acompanhamento clínico a longo prazo, mesmo em pacientes que apresentaram quadros leves e moderados de COVID-19.

Apesar de os mecanismos de agressão ao miocárdio provocado pelo vírus ainda não estar bem estabelecido, alguns estudos prévios apontaram a utilização de biomarcadores, exames de imagem e características clínicas dos pacientes como boas ferramentas de previsão para o desfecho dos pacientes hospitalizados com COVID-19.

CoronaHeart

Portanto, nesse trabalho, além de descreverem algumas características clínicas e laboratoriais dos pacientes e seus desfechos, os autores também construíram uma escala de risco denominada CoronaHeart para predizer o prognóstico desses pacientes, a fim de orientar os cuidados dispendidos pelos profissionais da saúde.

Eles observaram que 54,2% dos pacientes apresentaram níveis elevados de troponina, 57,5% mostraram aumento nos níveis de proteína D-dímero e níveis de proteína C reativa até 21 vezes maiores do que o limite máximo de referência.

Vale a pena conferir nosso post sobre como interpretar corretamente as troponinas!

Sendo assim, algumas variáveis foram incluídas para o cálculo do fator de risco de morte em pacientes hospitalizados com COVID-19. Essas variáveis foram classificadas em dois grupos:  preditores contínuos (incluindo gênero, idade e níveis plaquetários) e preditores categóricos (que incluem, necessidade de oxigenioterapia no momento da admissão, histórico ou presença de neoplasias ativas, presença ou ausência de mialgia e níveis de biomarcadores, como D-dímero, troponinas e proteína C reativa – CPR).

De acordo com essa escala, a idade avançada é um importante preditor em ambos os gêneros, porém a função entre idade e o alto risco de morte é diferente entre os sexos, de forma que o risco para mulheres jovens é maior do que para homens jovens, enquanto o avanço da idade impacta mais os homens do que as mulheres.

A escala CoronaHeart está sintetizada abaixo, caso você queira entender melhor:

COVID-19 distúrbios cardiovasculares

Para compreender essa escala na prática, vamos utilizar um exemplo.

De acordo com a escala CoronaHeart, qual é o risco de uma mulher, 35 anos, submetida a ventilação mecânica na admissão, nível plaquetário = 100000, e níveis de troponinas e CRP elevadas chegar ao óbito?

Nesse caso, baseando-se na escala acima demonstrada, temos a seguinte distribuição de pontos:

  • Mulher, 35 anos: aproximadamente 38 pontos;
  • Plaquetas = 100 000: aproximadamente 35 pontos;
  • Ventilação mecânica na admissão: 82 pontos;
  • Troponinas elevadas: 22 pontos;
  • CPR elevada: 31 pontos.

A somatória dessas características dá aproximadamente 208, e de acordo com a escala de risco CoronaHeart, isso representa 50% de risco de morte. Portanto, essa é uma paciente de alto risco, que demanda atenção especial dos profissionais de saúde.

O tratamento mais direcionado e feito o quanto antes possível, pode garantir a sobrevivência do paciente, reduzindo as taxas de mortalidade, e minimizar os efeitos da síndrome pós-covid.

 

Desmistificando fake news

Em algumas campanhas antivacina, o risco da ocorrência de miocardite causada pelas vacinas de mRNA das empresas Pfizer e Moderna tem sido usado como argumento a favor da não vacinação. Se ainda não está sabendo disso, dê uma lida no nosso texto sobre Miocardite e vacinas de mRNA.

Porém, como vimos no estudo citado acima, o risco de problemas cardíacos devido a infecção por SARS-CoV-2 é muito maior, tanto durante a hospitalização como durante o período pós-covid.

Sendo assim, mesmo com pequeno risco de ocorrência de miocardite não grave a partir da vacinação, tomar a vacina é muito melhor do que correr o risco de desenvolver miocardite grave devido à infecção pelo SARS-CoV-2.

 

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Referências:

The Impact of COVID-19 on the Cardiovascular System

High risk coronavirus disease 2019: The primary results of the CoronaHeart multi-center cohort study

Mortalidade de pacientes com problemas no coração após covid-19 é de 42%

 

 

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