O transtorno do espectro do autismo (TEA) pode ser caracterizado por interações sociais prejudicadas, bem como uma variedade de outras dificuldades comportamentais e intelectuais. É um transtorno altamente heterogêneo, e identificar diferenças individuais pode auxiliar em informar diagnósticos e intervenções personalizadas
Com isso em mente, um grupo de pesquisadores buscou identificar padrões diferentes na neuroanatomia de pacientes com TEA, utilizando inteligência artificial. O artigo foi publicado no início de junho na revista Science, uma das mais renomadas da área científica.
Transtorno do espectro do autismo (TEA)
O transtorno do espectro autista é uma condição relacionada ao desenvolvimento do cérebro que afeta a forma como uma pessoa percebe e socializa com os outros, causando problemas na interação social e na comunicação. O transtorno também inclui padrões de comportamento limitados e repetitivos.
Algumas pessoas com TEA têm uma diferença conhecida, como uma condição genética. Outras causas ainda não são conhecidas. Os cientistas acreditam que existem múltiplas causas que atuam juntas para mudar as formas mais comuns de desenvolvimento das pessoas.
Algumas crianças apresentam sinais de autismo na primeira infância, como contato visual reduzido, falta de resposta ao seu nome ou indiferença aos cuidadores. Outras crianças podem se desenvolver normalmente nos primeiros meses ou anos de vida, mas de repente se tornam retraídas ou agressivas ou perdem as habilidades de linguagem que já adquiriram. Os sinais geralmente são vistos aos 2 anos de idade.
O transtorno do espectro do autismo não tem uma causa única conhecida. Dada a complexidade do distúrbio e o fato de que os sintomas e a gravidade variam, provavelmente existem muitas causas. Tanto a genética quanto o ambiente podem desempenhar um papel.
Compreender a heterogeneidade do cérebro de pessoas com TEA pode ser essencial para melhorar sua qualidade de vida, pois permitiria diagnósticos específicos e intervenções comportamentais mais direcionadas.
Um grupo de pesquisa da Boston College analisou imagens cerebrais de ressonância magnética em busca de diferenças cerebrais que podem ser atribuídas ao TEA e não a outras causas de variação individual. Essa clareza sobre a variação do transtorno pode ajudar a ajustar as intervenções para pacientes individuais.
Diferenças neuroanatômicas no TEA
Uma equipe de pesquisadores usou inteligência artificial (IA) para estudar dados de ressonância magnética de mais de 1.000 indivíduos com TEA e comparou essas imagens com simulações geradas por IA de como seriam os cérebros (dessas mesmas pessoas) se não tivessem autismo.
Desta forma, foi possível separar a variação relacionada ao TEA na anatomia do cérebro da variação não relacionada, o que revelou relações ocultas entre as diferenças individuais na anatomia do cérebro e nos sintomas.
O autismo difere – tanto nos sintomas quanto na neuroanatomia – de um indivíduo para outro. Pesquisas anteriores levantaram a hipótese de que pode não haver um único conjunto de correlações neuroanatômicas comuns a todos os indivíduos com TEA.
Este estudo, por sua vez, mostrou que diferenças de comportamento entre as pessoas com transtorno do espectro do autismo estão intimamente relacionadas às diferenças na neuroanatomia. Essa descoberta pode ajudar a entender as causas do TEA e desenvolver intervenções personalizadas.
A inteligência artificial reduz o viés genético
A técnica empregada foi essencial e inovadora. Os cérebros são diferentes devido a muitos fatores, incluindo variação genética não devido ao TEA, que é difícil de controlar em um estudo de pesquisa. Com o algoritmo de IA empregado pelos pesquisadores, foi possível, pela primeira vez, diferenciar as alterações anatômicas associadas ao transtorno de demais causas.
Estudos anteriores investigando diferenças individuais na anatomia cerebral dentro do TEA não separaram características específicas do transtorno de outras diferenças individuais não relacionadas na neuroanatomia, dificultando o estudo das relações entre neuroanatomia e sintomas.
Diferentes pacientes podem ter diferentes áreas cerebrais afetadas e, graças às simulações por IA, o estudo conseguiu identificar quais regiões específicas do cérebro variam entre os indivíduos, além de identificar padrões de variabilidade neural específicos do TEA, o que permitiu que a equipe identificasse as vias neurais afetadas.
Quais as principais contribuições desse trabalho?
Apesar de ver uma grande variação na anatomia do cérebro entre indivíduos com autismo em várias dimensões, os indivíduos não se agruparam em subtipos distintos e categóricos (por exemplo, Asperger, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Rett) como é feito normalmente. Ainda assim, a pesquisa não descarta a possibilidade destes subtipos categóricos.
O que este estudo trouxe de mais importante, neste primeiro momento, foi a capacidade de usar dados de imagens cerebrais para ajudar a desenvolver abordagens de saúde personalizadas para pessoas com autismo. Além disso, também mostrou que diferenças de estrutura no cérebro podem estar relacionadas aos sintomas desse distúrbio.
Para o futuro, os próprios pesquisadores indicam a necessidade de entender com mais detalhes como essas diferenças neuroanatômicas afetam o comportamento. Mas, mesmo que ainda haja trabalho a ser feito, as abordagens da medicina de precisão para TEA estão um passo mais parte de serem alcançadas.
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Referências:
AI Reveals Links Between Individual Differences Within Brain Anatomy and Those Within Autism Spectrum Disorder Symptoms. Jun 2, 2022.
AIDAS AGLINSKAS et al. Contrastive machine learning reveals the structure of neuroanatomical variation within autism. Science v,376, n.6597. 2022. DOI: 10.1126/science.abm2461