Discrepâncias entre os sistemas de saúde público e privado no Brasil
Existe grande desigualdade entre o tratamento oncológico recebido pelo paciente do sistema público e o do sistema privado, e isso não é novidade. A discrepância começa desde o acesso aos exames de rastreio e vai até a data de início do tratamento.
A repercussão é vista não só no maior número de diagnósticos tardios nos pacientes do sistema único de saúde (SUS), mas também na utilização de maior recurso, gastos hospitalares com internamentos e complicações nesses.
A discrepância de oportunidade de tratamento oncológico entre a população mais pobre e a com acesso ao sistema privado já é conhecida pela maioria dos profissionais de saúde e para aqueles que, infelizmente, tiveram um ente querido com câncer.
Uma estatística bastante debatida, especialmente no mês de outubro, é a que reconhece que mais da metade dos diagnósticos de câncer de mama em estágio avançado são feitos em mulheres negras no SUS. Há inúmeros fatores que contribuem para isso, como menor acessibilidade por custos de locomoção e dificuldade de realização de exames de rastreio.
No entanto, devemos sempre lembrar que o SUS só oferece mamografia para mulheres a partir de 50 anos, ao passo que, a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda o rastreio a partir de 40 anos para diagnóstico precoce e maior chance de tratamento (e maior sobrevida) quando se detecta um tumor em fase inicial. Isso, invariavelmente, limita o acesso de muitas mulheres entre 40 e 50 anos aos exames de mamografia de rastreio, enquanto no sistema privado, isso não acontece.
O atendimento pelos serviços de saúde não é homogêneo nas diferentes regiões brasileiras
Obviamente, existe grande empenho das organizações não lucrativas, do estado e dos próprios gestores hospitalares para mudar esse cenário, buscando ampliar, sempre que possível, o acesso aos exames de rastreio e tratamentos. Foi, inclusive, criada uma lei que estabelece o prazo máximo de 60 dias entre a data do diagnóstico anatomopatológico e data início de tratamento.
Infelizmente, sabemos que muitas vezes não é isso que acontece, pois a escassez de financiamentos e os milhares de processos burocráticos envolvidos na liberação da medicação adequada acabam por estender esse período de espera.
Quando falamos de escassez de financiamentos, é necessário entender que o valor pago pelo SUS por cada paciente oncológico é, na maioria das vezes, inferior ao valor mensal do tratamento instituído para ele, e essa conta não fecha, sobrando para o município ou instituição hospitalar inteirar o restante do orçamento. É isso que torna o SUS tão heterogêneo entre diferentes cidades e estados.
Por exemplo, no caso da oncologia, muitas vezes é o seu endereço que determina se você terá acesso ao melhor tratamento, ou não. É por isso que vemos, em alguns casos, migração de pacientes oncológicos e suas famílias de estados como Norte e Nordeste para o Sul e Sudeste afim de conseguir o melhor tratamento possível, já que instituições hospitalares dessas últimas regiões, frequentemente, possuem maior orçamento disponível para terapias oncológicas onerosas.
Desafios para equidade no tratamento oncológico
Um ponto importante a refletir é a discrepância existente também no sistema privado, já que o alto custo e rápido avanço das terapias-alvo, imunoterapias e outros tratamentos oncológicos inovadores que aumentam a sobrevida ou curam, faz com que a melhor opção, em muitos casos, só seja oferecida por seguros mais caros.
Por vezes o caminho encontrado pelo paciente é a judicialização, seja porque o prazo de tratamento pela rede pública parece demorar muito, ou pela falta de oferta da melhor opção na rede privada, a fim de que o estado custeie o tratamento o mais rápido possível, ou para que o plano de saúde ofereça a medicação mais inovadora. Infelizmente, entrar na justiça não é garantia de tratamento adequado, pois além de ter que ganhar a causa, a espera pode ser longa e nem todos têm esse tempo.
A segregação entre a população pobre dependente exclusivamente do SUS e àqueles com recursos financeiros abundantes para tratamento privado se faz especialmente palpável quando falamos da oncologia. O alto custo das medicações, a alta complexidade das cirurgias e a fragilidade física e emocional desses pacientes, que requerem inúmeros internamentos e acompanhamentos por especialistas, resulta em maior chance de sobrevida para aqueles com maior recurso financeiro ou que moram em estados e municípios com boa infraestrutura pública de saúde, o que fere um dos princípios mais básicos do SUS – a equidade.