Já sabemos que há diferenças entre a resposta imune de homens e mulheres. Mas será que o fenótipo imunológico é mais influenciado pelos cromossomos ou pelos hormônios?
De forma interessante, o grupo investigou proporção e função das células T regulatórias em indivíduos cisgênero e transgênero, e foram observadas diferenças entre homens e mulheres de forma geral, independente se cis ou trans. Os dados reforçam a importância do papel sinérgico dos cromossomos sexuais e dos hormônios na modulação da resposta imunológica.
O trabalho foi publicado na The Lancet Rheumatology esse ano.
Fenótipo imunológico é diferente entre os sexos
O estudo avaliou diferentes grupos de jovens:
– 53 indivíduos cisgêneros saudáveis, divididos em dois grupos: de 6-11 anos, e de 16-25 anos;
– 35 indivíduos cisgêneros, de 14-25 anos, com lúpus eritematoso sistêmico (LES);
– 10 indivíduos transgêneros em tratamento de afirmação de gênero: testosterona ou estradiol.
Dentro de cada grupo foram avaliados quase 30 subconjuntos de células imunes, incluindo células T, B e monócitos. Além disso, foi realizado um sequenciamento de RNA, a fim de comparar as diferenças no fenótipo das células T reguladores (Treg) entre todos os participantes.
Como primeiro achado, os pesquisadores conseguiram discriminar bem os grupos de homens e mulheres cisgênero por fenótipo imunológico – com ~82% de sensibilidade e especificidade. Foi visto uma frequência mais elevada de células Treg em homens cisgênero, comparado a mulheres cis da mesma idade. Essas células apresentaram uma maior capacidade supressora nessa população (homens cis), além de uma maior expressão de genes relacionados a via de sinalização de PI3K-AKT.
Ou seja, as células T de homens e mulheres cisgênero parecem ser numérica e funcionalmente distintas.
A utilização de hormônios sexuais para a afirmação de gênero foi relacionada a diversas mudanças de expressão das células Treg, tanto em homens quanto em mulheres transgêneros.
As células T foram significativamente aumentadas também em homens transgêneros em comparação com mulheres cis. Ao comparar com mulheres transgênero, essa diferença não é tão expressiva.
Além disso, grandes alterações na expressão gênica foram observadas nas duas comparações: homens transgêneros tratados com testosterona em comparação com mulheres cisgêneros, e mulheres transgêneros (tratadas com estradiol) em comparação com homens cisgêneros.
Veja o esquema abaixo, para simplificar:
O que isso pode significar?
Os genes mais diferencialmente expressos nos grupos estavam localizados nos cromossomos sexuais. Isso sugere uma influência dos cromossomos sexuais subjacentes. Mas é interessante notar que essa diferença do número de células Treg circulantes pode ser impulsionada principalmente pelos hormônios sexuais.
Outro detalhe interessante apresentados pelos autores na discussão do trabalho reforça o papel supressor do cromossomo X na proliferação das T regs. Mulheres com síndrome de Turner (apenas um X funcional) apresentam maior número de Tregs em comparação à mulheres com dois X intactos.
Logo, cromossomos sexuais e hormônios podem levar a mudanças na frequência e função das células T. Também já foi visto que a presença do estradiol pode aumentar as concentrações destas células durante o ciclo menstrual. Por outro lado, bloqueadores de testosterona podem reduzir esses níveis.
Nesse sentido, esse trabalho reforça que homens jovens têm um perfil de células Treg mais anti-inflamatório. Isso é visto após a exposição à testosterona, seja pela puberdade ou pela afirmação de gênero.
Mas e o LES nessa história?
Nesse trabalho, o grupo observou um aumento do número das células Treg em mulheres cisgênero que apresentavam a doença de início juvenil em comparação às saudáveis, mas não houve diferença entre homens e mulheres acometidos pela doença.
Sabemos que o perfil do LES é mais pró-inflamatório, com uma desproporção da razão de T helper e Tregs – logo, era de se esperar uma redução de Tregs. Os autores comentam que, embora levemente maior, esse aumento do número de células não foi suficiente para manter o controle da doença.
De todo modo, o trabalho é particularmente relevante ao buscar respostas em uma condição que afeta predominantemente mulheres jovens e tem início comum na puberdade. Ainda, destaca as diferenças sexuais nos perfis imunológicos em indivíduos saudáveis, o que pode sugerir influências na suscetibilidade diferencial e o viés à autoimunidade de mulheres cisgênero.
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Referências:
George A Robinson et al. Investigating sex differences in T regulatory cells from cisgender and transgender healthy individuals and patients with autoimmune inflammatory disease: a cross-sectional study. The Lancet Rheumatology. August 31, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/S2665-9913(22)00198-9