Edição genética para doenças hematológicas é promessa para 2023

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No final de 2020, pesquisadores relataram que o tratamento de anemia falciforme e β-talassemia por edição genética teve sucesso. Os estudos utilizando a técnica de edição por CRISPR-Cas9 foram promissores, e os pacientes apresentaram reduções significativas (ou ausência total) das manifestações clínicas das doenças.

As empresas Massachusetts Vertex Pharmaceuticals em Boston e CRISPR Therapeutics em Cambridge estão desenvolvendo e aprimorando as técnicas, e espera-se que até o meio deste ano seja solicitada a aprovação para a Food and Drug Administration (FDA).

β-talassemia e anemia falciforme

A talassemia é um grupo de doenças genéticas que afetam a produção de hemoglobina. Existem dois tipos principais de talassemia: α-talassemia e β-talassemia, a depender do gene produtor da cadeia da hemoglobina afetado.

Existem algumas variações no gene produtor da cadeia beta da hemoglobina, alterando seus níveis:

  1. β/β (homozigose sem mutação) = Produção da cadeia beta de forma normal.
  2. β+/β+ (homozigose mutado) = Produção reduzida de cadeia beta.
  3. β0/β0 (homozigose mutado) = β-Talassemia Major ou Anemia de Cooley – ausência completa na produção da cadeia Beta (quadro muito grave).
  4. β+/β0 ou β/β0 (heterozigose) = β-Talassemia Minor

Havendo a mutação de troca do aminoácido “ácido glutâmico” pela “valina” na posição 6 do gene da cadeia beta da hemoglobina (mutação S), estamos falando de anemia falciforme. Nesse caso, há um defeito na estrutura da hemácia!

  1. β/β (homozigose sem mutação) = Produção da cadeia beta de forma normal.
  2. βS/βS (homozigose mutado) = Anemia Falciforme.
  3. β/βS (heterozigose) = Traço Falcêmico.
  4. βC/βS = Hemoglobinopatia
  5. βS/β0 = Heterozigose combinado com β-Talassemia.

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Como consequência das mutações, há destruição rápida das células, o que resulta na anemia. A gravidade da doença pode variar amplamente, desde uma forma leve que pode passar despercebida até formas graves, com dor óssea, infecções frequentes e outras comorbidades associadas, como insuficiência renal, cardíaca e problemas oftálmicos.

A β-Talassemia tem maior prevalência nos países do mediterrâneo, com destaque para Itália e Grécia, enquanto a anemia falciforme é uma condição muito mais comum na população negra, devido à alta incidência da malária na África.

Na presença de heterozigose para mutação do gene da cadeia beta βS (traço falcêmico), a malária acaba sendo destruída precocemente pela desnaturação da hemácia falcêmica, evitando que haja elevada parasitemia (protege contra as formas graves da doença). Assim, consiste em uma alteração genética favorável (seleção natural).

Ambas as doenças podem ser curadas por um transplante de medula óssea, mas a chance de encontrar um doador compatível não é alta. Para anemia falciforme, sugerem-se terapias modificadoras de doença, como aumento de hemoglobina fetal, e tratamento direcionado às complicações presentes. No caso de β-Talassemia, a transfusão de concentrado de hemácias é frequente.

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Por serem monogênicas, a técnica de edição genética chama atenção no tratamento destas doenças. Os estudos que estão em andamento e devem buscar aprovação esse ano estudaram o gene BCL11A que (dentre outras funções) é capaz de reduzir a produção de hemoglobina fetal. Dessa forma, sua inibição foi essencial para os resultados positivos encontrados.

Em um dos trabalhos, após 1 ano os pacientes ainda possuíam altos níveis de hemoglobina fetal e independência de transfusão, além de eliminação dos eventos vaso-oclusivos na anemia falciforme.

Além disso, há a Zynteglo®, uma terapia gênica já aprovada que auxilia na produção de hemoglobinas funcionais em pacientes com β-Talassemia. Em 2023, espera-se que novas aprovações sejam estabelecidas, inclusive para pacientes com anemia falciforme.

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Zynteglo® – terapia gênica já aprovada para pacientes com β-Talassemia

A técnica utiliza as próprias células-tronco do sangue do paciente, e adiciona cópias funcionais do gene beta-globina por edição genética. Após a reinserção no paciente, isso permite que ele produza hemoglobina de forma funcional e suficiente, eliminando potencialmente a necessidade de transfusões regulares.

Os estudos clínicos realizados avaliaram 36 pacientes, em 89% dos casos houve independência de transfusões.

Dentre os efeitos adversos mais comuns, foram observados aumento da frequência cardíaca, dor abdominal, dos braços e das pernas, além de trombocitopenia, leucopenia e aumento de risco de infecções.

É possível saber mais sobre a técnica e os ensaios clínicos na página oficial do Zynteglo®, ou clicando aqui.

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Edição genética por CRISPR-Cas9 – o futuro é promissor

Já falamos um pouco sobre a edição genética no nosso Portal. Em 2020, editar o DNA foi grande destaque nas ciências biológicas e médicas, e o desenvolvimento da técnica de CRISPR foi o tema do Prêmio Nobel de Química de 2020.

Revisando:

CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou repetições palindrômicas curtas regularmente interespaçadas agrupadas) é uma técnica adaptada de um mecanismo de defesa de bactérias. O sistema de defesa das bactérias inclui uma enzima chamada Cas9, que corta o DNA do vírus que a infecta, e uma sequência de RNA guia, que orienta a Cas9 para o local do DNA onde os fragmentos de vírus estão armazenados.

Dessa forma, CRISPR-Cas9 é uma técnica de edição de genes que permite a alteração do DNA de uma célula de forma precisa e controlada. É possível inserir ou excluir fragmentos de DNA na célula, ou até mesmo substituir um gene inteiro.

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Indiscutivelmente, CRISPR é um meio para um objetivo racional: consertar, curar ou reverter mutações genéticas que causam doenças ou de outra forma prejudicam vidas. Mas as questões éticas ainda devem ser amplamente discutidas na área médica, visto o potencial ambivalente da edição genética e suas implicações nas gerações futuras.

 

Referências:

Miryam Naddaf. The science events to watch for in 2023. Nature News. 19 December 2022. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-04444-3

Heidi Ledford. CRISPR gene therapy shows promise against blood diseases. News. Nature 588, 383 (2020). doi: https://doi.org/10.1038/d41586-020-03476-x

Haydar Frangoul et al. CRISPR-Cas9 Gene Editing for Sickle Cell Disease and β-Thalassemia. N Engl J Med 2021; 384:252-260. DOI: 10.1056/NEJMoa2031054

Erica B. Esrick. Post-Transcriptional Genetic Silencing of BCL11A to Treat Sickle Cell Disease. N Engl J Med 2021; 384:205-215. DOI: 10.1056/NEJMoa2029392

Zynteglo® – betibeglogene autotemcel. Suspension for IV infusion. © 2022 bluebird bio, Inc. https://www.zynteglo.com/

 

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