E se a depressão pudesse ser tratada por estimulação cerebral profunda?

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Depressão

A depressão é uma doença que ainda hoje segue estigmatizada por boa parte da população. Antigamente, a depressão recebeu nomes como melancolia e histeria. Apenas nas últimas décadas passou a ser encarada como uma condição médica que realmente necessita de muita atenção.

Por muitos anos, pessoas diagnosticadas com “melancolia e histeria”, eram internadas em hospitais psiquiátricos, onde, em geral, eram submetidas a tratamentos medicamentosos ineficazes, terapia com eletrochoque e outras situações degradantes.

Inclusive, se você tiver interesse nesse assunto, recomendamos a leitura do livro “Holocausto brasileiro – Vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil” da Daniela Arbex. Neste livro há passagens de como pessoas com depressão (e outros transtornos) foram tratadas no Hospital Colônia, um manicômio localizado em Barbacena, MG.

Felizmente, a compreensão e o tratamento de transtornos psiquiátricos evoluíram muito nas últimas décadas, mas ainda estamos em busca de soluções mais efetivas.

O transtorno de depressão é uma condição bastante comum, que afeta mais de 16 milhões de brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE em 2019. O tratamento da depressão maior costuma ser bastante complexo, uma vez que há altas taxas de resistência aos medicamentos.

Estimulação cerebral profunda – uma opção terapêutica para depressão?

A terapia de estimulação cerebral profunda (deep brain stimulation – DBS) tem sido utilizada em algumas condições neurológicas, como é o caso do tratamento de sintomas da Doença de Parkinson. A DBS é capaz de minimizar consideravelmente os tremores, rigidez e movimentos involuntários causados por essa doença.

Além do efeito biológico gerado, essa metodologia também é interessante se pensarmos no grande espectro de possibilidades para ajuste e no fato de não ser uma intervenção definitiva.

De maneira geral, essa metodologia conta com o implante de eletrodos em regiões profundas do cérebro, através de cirurgia realizada por neurologistas. Um gerador de impulsos elétricos, localizado na clavícula do paciente, é o responsável por estimular esses eletrodos. Essa eletricidade gerada permite a modulação da atividade cerebral de regiões específicas.

Apesar de se mostrar bastante promissora, a resposta do paciente ao tratamento ainda se mostra bastante heterogênea, graças a individualidade de cada um. Por esse motivo, os estudos clínicos realizados para verificação de eficácia da DBS no tratamento de depressão maior, ainda mostram, em geral, dados inconsistentes (até agora…).

Condução elétrica normal vs patológica

Atualmente, há duas modalidades de condução elétrica, sendo de ciclo aberto ou fechado. No sistema aberto, há uma estimulação fixa e constante de uma única estrutura cerebral (estratégia utilizada para tratamento de Parkinson e epilepsia, por exemplo).

Já na neuromodulação de ciclo fechado, a própria fisiologia elétrica intracraniana do paciente é utilizada para ativar a estimulação elétrica dos eletrodos. Quando uma alteração do padrão de atividade cerebral do paciente é detectada, há o disparo da estimulação elétrica de acordo com as características dessa alteração patológica.

Considerando que a atividade cerebral dos pacientes com depressão maior varia bastante de acordo com as instabilidades de humor, esse tipo de sistema se torna bastante interessante, uma vez que permite a regulação fina da estimulação elétrica.

Mas nem tudo são flores! Como o sistema irá saber quando a alteração é normal ou patológica, para então ativar a estimulação?

Uma desvantagem desse método é a necessidade de identificação de um biomarcador relacionado aos sintomas da doença em questão.

Na tentativa de contornar essa questão, um grupo de pesquisadores norte americanos, publicaram um trabalho na Nature Medicine propondo um sistema de ciclo fechado para uma paciente resistente ao tratamento contra a depressão maior.

Essa paciente, 36 anos, foi diagnosticada com depressão maior e não respondia adequadamente aos tratamentos medicamentosos propostos. Inclusive, nem ao tratamento eletroconvulsivo. Dessa forma, ela se tornou um modelo ideal para esse estudo.

De acordo com a hipótese dos pesquisadores, esse tratamento deveria ser completamente personalizado e, portanto, acompanharam a atividade elétrica da paciente durante 10 dias, a fim de se observar quais seriam as respostas padrões de sua circuitaria neural e como se daria a comunicação entre as diferentes estruturas cerebrais. Dessa forma, conseguiram mapear e classificar os diferentes graus de severidade dos sintomas exibidos pela paciente.

Como já mencionado, a identificação de um biomarcador que indicasse a piora ou melhora dos sintomas apresentados é essencial para a utilização de neuro estimulação com sistema fechado.

Após alguns testes, os pesquisadores consideraram que o melhor indicador biológico de severidade dos sintomas seria através da avaliação de alterações na intensidade da frequência gama proveniente da amígdala. Viram que a melhora nos sintomas exibidos estava correlacionada com a redução da frequência gama emitida por essa estrutura.

Monitorando a eletrofisiologia cerebral

Uma vez que o mapeamento do sistema eletrofisiológico da paciente foi realizado, os pesquisadores partiram para o implante dos eletrodos.

Os eletrodos foram implantados unilateralmente, no hemisfério direito do cérebro da paciente. Mais especificamente nas regiões da amígdala e na cápsula interna do corpo estriado.

Nesse momento, é importante enfatizar, que esse sistema contou com eletrodos de estimulação e sensores capazes de captar a atividade cerebral para regular a estimulação realizada.

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A fim de verificar a condição da eletrofisiologia cerebral dessa paciente após a realização da cirurgia de implante dos eletrodos, observou-se o perfil de atividade elétrica durante atividades corriqueiras, permitindo assim a identificação de padrões individuais e comparar com os padrões vistos na primeira etapa desse estudo.

Assim como no primeiro teste de 10 dias, os pesquisadores puderam observar uma correlação entre os sintomas exibidos pela paciente e a intensidade da frequência gama emitida por sua amígdala, validando assim o funcionamento do sistema implantado.

Nesse ponto, ainda resta responder a pergunta principal:

Após estimulação elétrica dessas regiões cerebrais, houve alteração na severidade dos sintomas exibidos pela paciente?

Lembra da associação entre intensidade da frequência gama da amígdala e severidade dos sintomas?

Vimos que quando os sintomas melhoravam, observava-se a redução da frequência gama emitida pela amígdala. Em contrapartida, o aumento dessa frequência foi associado à piora dos sintomas.

Portanto, com o pensamento nesse biomarcador, o sistema de eletrodos foi construído para perceber essas oscilações e responder adequadamente a essas situações, ativando a estimulação elétrica pelo sistema.

Ao longo de 2 meses, observou-se a redução da frequência de ativação do sistema, refletindo a melhora do quadro sintomático da paciente. Ou seja, isso significa que ao longo do tratamento, a paciente teve uma melhora observada pela redução dos sintomas.

Pela primeira vez, o quadro da paciente estava melhorando mediante tratamento.

Portanto, apesar de ainda ser um estudo pontual, essa publicação indica um marco importante nos tratamentos psiquiátricos. Afinal, os pesquisadores conseguiram demonstrar que o tratamento realizado com a DBS, de maneira personalizada (através da utilização de um biomarcador), pode impactar e melhorar o quadro sintomático de paciente com depressão maior que apresenta resistência ao tratamento medicamentoso.

 

 

Considerações finais

Lembremos sempre: a depressão maior tem que ser encarada como um processo dinâmico vivenciado pelo paciente. E como demonstrado por esse trabalho, aparentemente, os sintomas da doença aparecem quando há alterações eletrofisiológicas nas redes envolvendo a região límbica.

Além do número amostral reduzido, outro ponto importante que devemos levar em consideração como aspecto negativo desse estudo é a generalização do caso. Essas alterações estariam presentes em todos os indivíduos com depressão maior? Como fazer um estudo grande, com parâmetros rígidos, sendo que o biomarcador pode variar de pessoa para pessoa.

Por enquanto, esses obstáculos permanecem, apontando a urgência de mais estudos nessa área, nos restando a esperança de novas soluções para o tratamento de depressão.

 

 

Referências:

IBGE: crescimento da depressão é realidade no Brasil. Novos dados de pesquisa nacional indicam um país cada vez mais doente. 2020.

Scangos, K.W., Khambhati, A.N., Daly, P.M. et al. Closed-loop neuromodulation in an individual with treatment-resistant depression. Nat Med 27, 1696–1700 (2021).

 

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