O 35º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (CBEM) desse ano foi realizado em São Paulo, nos dias 3 a 7 de setembro. Nós da equipe WeMEDS® marcamos presença no evento, e trouxemos alguns dos destaques das discussões.
Diabetes
Diabetes e Doença Renal Crônica
Alguns pontos baseados nas atualizações da Diretriz Luso Brasileira Diabetes Mellitus foram levantados no CBEM desse ano:
- Redução da TFG (taxa de filtração glomerular) mínima para início dos iSGT2: proposta de reduzir o limiar de 30 para 20 mL/min/1,73m²
- Considerar a Finerenona (droga em destaque!) para pacientes com doença renal crônica e TFG entre 25 a 90 mL/min/1,73m², sem hipercalemia, e que não tolerem o uso iSGLT2.
Diabetes tipo 1 e Risco Cardiovascular
O risco cardiovascular é maior quanto mais precoce o diagnóstico de DM1, sobretudo naqueles com diagnóstico antes dos 10 anos de idade.
Além de estratégias já consolidadas (como ecocardiografias com escore de cálcio), no evento foi sugerido que medidas simples como a observação da circunferência abdominal fossem consideradas.
Sabemos que a obesidade centrípeta é a que associada a maior risco metabólico, de forma que uma relação circunferência abdominal / altura do indivíduo superior a 0,5 seria um índice simples, porém eficaz, para considerar que aquele paciente tem mais risco de doença cardiovascular, insuficiência cardíaca, e complicações microvasculares do diabetes.
Diabetes gestacional – estudo LINDA-Brasil
Um estudo que trabalhou na prevenção de DM tipo 2 em mulheres que tiveram diabetes gestacional teve destaque.
Os pesquisadores recrutaram mulheres com DM gestacional e as dividiram em dois grupos: alto e baixo risco – baseado na necessidade ou não do uso de insulina.
Concluiu-se o esperado: mulheres com DM gestacional que precisaram de insulina tenderam a evoluir para DM2 no período pós-gestação de forma mais importante do que aquelas que não foram insulinizadas. Logo, o que ficou em evidência foi a necessidade de intervenção!
A ideia é investir mais em mudanças no estilo de vida, sobretudo, naquelas mulheres que precisaram de insulina na gestação para manter bons índices glicêmicos, visando tentar frear sua evolução para DM2 futura. Intervenções medicamentosas não foram, por ora, colocadas em pauta.
O estudo clínico LINDA-Brasil (Lifestyle INtervention for Diabetes prevention After pregnancy) pode ser acessado na plataforma Clinical Trials pelo identificador NCT02327286.
Carcinoma papilífero de tireoide
As neoplasias da tireoide são as doenças endócrinas malignas mais comuns, e o carcinoma papilífero da tireoide (CPT) corresponde a 80% dos casos.
CPT com menos de 1 cm de diâmetro são chamados de microcarcinomas, e ocorrem em 30% dos casos. Em geral, são indolentes e não precisam ser biopsiados, exceto em casos de extensão extratireoidiana, metástase linfática, exposição prévia à radiação ionizante ou história familiar de câncer.
No evento, um dos destaques foi a discussão sobre o seguimento de pacientes com que apresentam microcarcinoma papilífero de tireoide e estão em vigilância ativa.
Uma das mais novas recomendações é a de realizar ultrassom cervical semestral por um período de dois anos, seguido de ultrassom cervical anual. Se durante o acompanhamento houver aumento superior a 3 mm do nódulo, acometimento linfonodal ou qualquer evidência de extensão extratireoidiana, deve-se optar por encaminhamento para tratamento cirúrgico.
Desmame de corticoide: como evitar insuficiência adrenal
A endocrinologia é uma especialidade que raramente prescreve corticoides, mas não raramente lida com suas consequências. Não é incomum recebermos pacientes que fazem acompanhamento multi-especialidade em uso de corticoides, por vezes em doses altas – necessárias em situações de pré-quimioterapia ou pulsoterapia, por exemplo – o que alavanca consequências metabólicas muito além da hiperglicemia medicamentosa induzida.
Nesse sentido, um ponto levantado durante a CBEM desse foi sobre a melhor maneira de realizar desmame de corticoide, visando evitar evolução para insuficiência adrenal.
Uma sugestão foi que ao chegar numa dose de 10 mg de prednisona, o desmame seja menos brusco, com reduções de 2,5mg.
Outra ideia, ainda pouco adotada, mas com grande potencial, seria o uso de prednisolona, cuja posologia permitiria reduções de 1 mg.
Metabolismo Ósseo
Durante o evento da CBEM 2022, foram muitas palestras e mesas de discussão envolvendo metabolismo ósseo.
Um dos pontos levantados em discussão com especialistas foi como conduzir pacientes com osteoporose que tiveram o uso de denosumabe suspenso.
A recomendação final foi observar o tempo de uso. Caso o denosumabe tenha sido utilizado por um período de até 2,5 anos, o paciente poderia ser manejado com bifosfonato oral – como alendronato – durante 1 a 2 anos, iniciando 6 meses após a suspensão.
Na hipótese do uso de denosumabe ter sido mais extenso, a sugestão foi utilizar bifosfonato endovenoso (o ácido zoledrônico), sendo este guiado pelo CTX – níveis ainda altos mesmo após a primeira dose guiariam uma segunda.
Também tivemos ótimas mesas sobre osteoporose secundária.
A mensagem deixada foi que as causas de osteoporose secundária sempre devem ser lembradas, uma vez que (geralmente) a maioria pode ser identificada por meio de uma anamnese cuidadosa. No geral, poucos exames são necessários para excluir a maioria das causas, e pesquisas moleculares são reservadas para casos extremos.
Destaque também para lembrar sempre de osteoporose secundária quando há fragilidade óssea em homens!
Outros destaques – abuso de anabolizantes, hipogonadismo, obesidade e prolactinomas
Alguns outros temas tiveram destaque no evento da CBEM desse ano.
Falou-se muito sobre abuso de anabolizantes, consequências para o metabolismo, manejo de efeitos colaterais e estratégias para resgatar usuários, como por meio da nutrição adequada. Talvez tenha sido um dos temas mais comentados do CBEM 2022, sempre com salas cheias!
O posicionamento da sociedade segue firme a respeito do uso de implantes hormonais, considerados por especialistas de renome como uma forma dissimulada e equivocada de usar anabolizantes indiscriminadamente.
O hipogonadismo verdadeiro também foi um tema em alta, talvez por consequência do anterior. Muitas menções às reais situações que merecem o uso de testosterona, e sobre evitar estigmatizar pacientes nestes casos, inclusive tratando homens idosos quando necessário.
Sobre a obesidade, uma discussão foi a respeito de quando intervir farmacologicamente nos pacientes que realizaram cirurgia bariátrica e tiveram reganho de peso.
Apesar de pouco consensual, foram considerados como “cortes” que indicariam um reganho de peso significativo quando houvesse pelo menos 20% de reganho do peso perdido, ou então ganho ponderal numa velocidade > 0,5% ao mês. Nestes casos, medicações poderiam ser consideradas como intervenção.
Na neuroendócrino, uma das questões levantadas nas mesas do CBEM 2022 foi quanto ao tratamento de prolactinomas, baseada em uma publicação recente da Associação Italiana de Endocrinologistas Clínicos.
Na recomendação, caso o paciente não se sinta confortável em “permanecer indefinidamente” em tratamento conservador com agonistas dopaminérgico, não estaria errado considerar e oferecer ao paciente já no início o tratamento cirúrgico, mesmo em casos de microprolactinomas.
Poré, isso inclui apenas pacientes que estejam em um serviço onde há uma equipe de neurocirurgia experiente – aqui considerada como com histórico de, no mínimo, 50 cirurgias hipofisárias ao ano.
O trabalho é extenso, com 15 recomendações diagnósticas e 54 recomendações terapêuticas. Vale a pena conferir. Deixamos o link disponível nas referências (ou clique aqui).
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Referências:
Carpentieri GB, Gonçalves SEAB, Casagrande MZ, Mourad WM, Pinto LGC, Zanella MT. SGLT2 Inhibition with Empagliflozin as a Possible Therapeutic Option for Postprandial Hypoglycemia After Bariatric Surgery. Obes Surg. 2022 Aug;32(8):2664-2671. doi: 10.1007/s11695-022-06119-4. Epub 2022 Jun 8. PMID: 35674979. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35674979/
Brito JP, Hay ID. Management of Papillary Thyroid Microcarcinoma. Endocrinol Metab Clin North Am. 2019 Mar;48(1):199-213. doi: 10.1016/j.ecl.2018.10.006. Epub 2018 Dec 23. PMID: 30717902. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30717902/
Randomized Clinical Trial of Lifestyle Interventions to Prevent Diabetes in Women With Previous Gestational Diabetes (LINDA-Brasil). ClinicalTrials.gov Identifier: NCT02327286. https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02327286?term=Lifestyle+INtervention+for+Diabetes+prevention+After+pregnancy&cntry=BR&draw=2&rank=1
Cozzi R, Ambrosio MR, Attanasio R, Battista C, Bozzao A, Caputo M, Ciccarelli E, De Marinis L, De Menis E, Faustini Fustini M, Grimaldi F, Lania A, Lasio G, Logoluso F, Losa M, Maffei P, Milani D, Poggi M, Zini M, Katznelson L, Luger A, Poiana C. Italian Association of Clinical Endocrinologists (AME) and International Chapter of Clinical Endocrinology (ICCE). Position statement for clinical practice: prolactin-secreting tumors. Eur J Endocrinol. 2022 Feb 3;186(3):P1-P33. doi: 10.1530/EJE-21-0977. PMID: 35000899; PMCID: PMC8859924. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35000899/
