A enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) é uma proteína com diversos papéis em processos celulares, como atividades catalíticas e transportadoras de aminoácidos. Ainda, pode atuar como receptor viral, tanto no sistema cardiovascular como respiratório, sendo porta de entrada para infecções virais.
Nesse sentido, uma preocupação atual é quanto a influência do uso regular de inibidores de ECA durante a pandemia de COVID-19. Com isso em mente, pesquisadores investigaram a relação entre a ECA2 e a infecção por SARS-CoV-2.
SARS-CoV-2 e a ECA2
A enzima conversora de angiotensina é encontrada no endotélio vascular em diversos órgãos. Seu bloqueio tem sido amplamento usado no tratamento da hipertensão e insuficiência cardíaca.
Além disso, a ECA é uma proteína transmembrana utilizada pelo vírus SARS-CoV-2 para a entrada na célula a ser infectada. O vírus possui uma glicoproteína de ancoramento em seu envelope, denominada proteína Spike (S) que tem grande afinidade ao receptor ECA2, e a correta e estável ligação de proteína S viral e ECA2 da célula hospedeira é descrita como crucial para a entrada do vírus.
Um estudo publicado em janeiro deste ano buscou reguladores de expressão da ECA2, uma vez que sua interação com a glicoproteína S do vírus SARS-CoV-2 é um processo crucial durante o processo de infecção. Além disso é descrito que enzima conversora de angiotensina também interfere no processo de resposta inflamatória, em especial por gerar resposta de interferon tipo 1, que é alterado em muitos pacientes com quadros severos de COVID-19.
Para a busca destes reguladores foram utilizadas células de uma linhagem de tumor pulmonar que expressa de maneira endógena ECA2. Através da técnica de CRISPR de interferência foram selecionados genes que interferiam no processo de transcrição da ECA2, tanto positiva, quanto negativamente, sendo visto um aumento na infecção das células em cultura com o aumento de ECA2 disponível na superfície celular e diminuição de infecção das células com baixa expressão da enzima.
Proteína BRD-2 e interferência na via de expressão de ECA2
Após a seleção dos genes capazes de interferir na expressão de ECA2, este estudo identificou um regulador de transcrição chamado BRD-2. Essas proteínas são descritas na literatura como centrais no processo de regulação de transcrição gênica, e neste caso foi observado que a sua inibição diminui consideravelmente a expressão de ECA2 na superfície celular.
Para avaliar se havia diferença entre a ausência do receptor (ECA2) ou a interferência na via de expressão deste receptor, dois inibidores de BRD-2 foram utilizados em células de linhagem de tumor pulmonar (um deles atualmente em fase I de testes clínicos em humanos) e duas enzimas proteolíticas que degradam BRD-2. Em 24 horas já houve diminuição considerável nos níveis de mRNA de ECA2.
Ok, mas e aí? O que o coronavírus tem a ver com tudo isso?
Tanto as células nocaute (ou seja, silenciadas) para ECA2 e células com tratamento para inibição da BRD2 foram infectadas com vírus SARS-CoV-2 e obtiveram resultados similares na queda de infecção em cultura. Porém, ao analisar seus perfis de expressão, as células com interferência na via BRD-2 mantiveram baixa expressão de interferon I.
Quando comparado às células nocaute direto de ECA2, houve um pequeno aumento nos níveis de expressão de interferon I, indicando que a ausência de ECA2 realmente interfere na infecção pelo vírus SARS-CoV-2. A via controlada por BRD2 além de interferir na expressão de ECA2 também controla genes chave de resposta a interferon.
Foi avaliado também o tratamento com as drogas que inibem BRD2 e por consequência regulam negativamente a expressão da enzima conversora de angiotensina em cultivo primário de células e in vivo.
Em células modelo de cultivo primário de epitélio nasal não tratadas com inibidor de BRD2 foi observado aumento de RNA viral após infecção por SARS-CoV-2. Foram observadas alterações na integridade de barreira epiteliais e aumento de citotoxicidade. Nas células tratadas com inibidor de BRD2, houve inibição parcial da replicação de SARS-CoV-2 e recuperação das características das células.
Conclusão
Há cada dia mais estudos na literatura que relacionam a gravidade nos quadros de COVID-19 e os níveis de expressão de ECA2, incluindo a regulação de expressão de interferon.
Apesar de serem estudos em estágios iniciais, trabalhos com esse alvo são importantes para o desenvolvimento de possíveis novos tratamentos para COVID-19, uma vez que podem auxiliar no tratamento no caso do surgimento de novas variantes parcialmente resistentes as vacinas, além de ampliarem o conhecimento com relação ao processo patogênico da SARS-CoV-2.
Ainda, é importante destacar que os medicamentos inibidores da ECA2 são amplamente utilizados na rotina clínica. Investigar o potencial papel desses medicamentos em outros aspectos clínicos, que não apenas a hipertensão arterial e a insuficiência cardíaca, são essenciais no processo de farmacovigilância e reposicionamento de fármacos.
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Referências:
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Ali, A., Vijayan, R. Dynamics of the ACE2–SARS-CoV-2/SARS-CoV spike protein interface reveal unique mechanisms. Sci Rep 10, 14214 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-71188-3
Medina-Enríquez, M.M., Lopez-León, S., Carlos-Escalante, J.A. et al. ACE2: the molecular doorway to SARS-CoV-2. Cell Biosci 10, 148 (2020). https://doi.org/10.1186/s13578-020-00519-8