Anifrolumabe em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)

LES

O uso crônico de corticoides por paciente com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) já tem sido associado ao aumento do dano acumulado medido pelo Systemic Lupus Erythematosus International Collaborating Clinics Damage Index (SLICC-DI), mostrando a grande importância do desenvolvimento de terapias que auxiliem no desmame e na redução da dose cumulativa dos corticoides sistêmicos.

Nesse sentido, o anifrolumabe (ANF) (um inibidor dos interferons do tipo 1) recentemente recebeu a aprovação do Food and Drug Administration (FDA), para atuar juntamente com a terapia padrão já utilizada para o tratamento de LES em adultos que apresentem a doença de forma moderada a grave.

Esse foi o primeiro novo tratamento para LES que recebe aprovação da agência em mais de 10 anos.

Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória autoimune, apresentando-se desde a forma leve até a forma grave. A inflamação ocasionada por essa doença acomete todo organismo do paciente, podendo comprometer diversos órgãos e ou sistemas, como a pele, os rins, coração, pulmões e articulações.

A etiologia definitiva do LES ainda não é bem compreendida, porém já se sabe que essa é uma doença multifatorial, em que tantos fatores ambientais quanto genéticos contribuem para o desenvolvimento da doença.

As principais alterações genéticas envolvidas incluem HLA-DR2 e HLA-DR3, deficiência em proteínas da cascata do complemento e receptores de imunoglobulinas e alteração de mecanismos envolvendo citocinas. Mas vamos deixar para discutir com um pouco mais de detalhes essas alterações em um próximo post!

O LES é observado mais frequentemente em mulheres (9:1), em indivíduos que apresentem idade entre 15-40 anos, e em afro-americanos, hispânicos e asiáticos.

O LES pode ser manifestado de diferentes formas, dependendo do órgão ou tecido afetado pela doença. Os sintomas apresentados por essa doença normalmente se apresentam de forma intermitente, um dos fatores que pode dificultar o processo de diagnóstico do paciente. Entre os principais sintomas encontrados estão:

  • Sensação de cansaço;
  • Articulações doloridas e inchadas;
  • Febre;
  • Erupções cutâneas, particularmente uma erupção em forma de borboleta sobre as bochechas;
  • Feridas na boca ou nariz;
  • Dor no peito ao respirar profundamente, e
  • Sensibilidade ao sol ou luz.

LES

Quais são os tratamentos utilizados até o momento?

Assim como para outras doenças crônicas, o tratamento para LES tem como objetivo controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento vai ser diferenciado para cada caso e varia de acordo com a intensidade da doença.

Casos leves:

  • Anti-inflamatórios não esteroides;
  • Protetor solar para as lesões de pele;
  • Corticoide tópico para pequenas lesões de pele;
  • Hidroxicloroquina e corticoides de baixa dosagem para os sintomas de pele e artrite.

Casos graves:

  • Alta dosagem de corticoides ou medicamentos para diminuir a resposta imunológica sistêmica do organismo (imunossupressores);
  • Drogas citotóxicas (que bloqueiam o crescimento celular), em casos que tratamento com corticoides não surtirem efeitos, ou quando após a interrupção do medicamento os sintomas piorarem.

Novo medicamento é aprovado pelo FDA

Recentemente um novo medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de adultos com LES moderado a grave que estejam recebendo a terapia padrão. O novo medicamento (anifrolumabe) aprovado, é um anticorpo monoclonal administrado por infusão intravenosa (IV) que atua inibindo uma proteína-chave do sistema imunológico chamada de receptor IFNAR.

O receptor IFNAR atua como um transmissor, amplificando sinais de pequenos mensageiros chamados interferons do tipo I. Esse processo ativa diversas partes do sistema imunológico e pode desencadear uma grande inflamação, sendo que a sinalização aumentada do interferon tipo I (IFN) está associada ao aumento da atividade da doença em pacientes com LES.

O anifrolumabe atua amortecendo os sinais excessivos do interferon tipo I, encontrados em até 80% dos adultos com lúpus e em até 90% das crianças com a doença.

Para aprovação do medicamento foram analisados dados de três ensaios clínicos (MUSE, TULIP-1, TULIP-2) realizados em grande escala que mostram que os pacientes que receberam o medicamento tiveram uma melhora significativa do que os pacientes que receberam o placebo.

Ensaios clínicos

O programa de fase III TULIP (Treatment of Uncontrolled Lupus via the Interferon Pathway) incluiu dois ensaios: TULIP-1 e TULIP-2, que avaliaram a eficácia e segurança do medicamento em pacientes com LES soropositivos com doença ativa moderada a grave, apesar do tratamento padrão (que incluía, glicocorticoides orais (GCs), antimaláricos e imunossupressores (metotrexato, azatioprina ou micofenolato mofetil).

No ensaio TULIP-1, foram incluídos 457 pacientes randomizados (1:2:2) e esses receberam uma dose de infusão intravenosa em dose fixa de 150mg ou 300mg do medicamento, ou placebo a cada quatro semanas, além da terapia padrão. Em um primeiro momento os pesquisadores não encontraram resultados satisfatórios com bases no índice de respostas para LES (SRI4). Porém, quando os critérios foram ajustados em uma análise posterior, as diferenças entre os grupos tratados com ANF e placebo aumentaram.

No ensaio TULIP-2,  foram incluídos 362 pacientes randomizados (1:1), que receberam uma infusão intravenosa de dose fixa de 300mg do novo medicamento ou placebo a cada quatro semanas, por 48 semanas. Nesse teste, foi observado que o anifrolumabe teve um efeito importante na redução da atividade da doença conforme medido pela escala BILAGBased Composite Lupus Assessment (BICLA) em comparação com os pacientes que receberam o placebo.

No ensaio MUSE, de fase II, foram incluídos 305 adultos com LES randomizados para uma infusão intravenosa de dose fixa de 300 mg ou 1.000 mg de ANF ou placebo a cada 4 semanas, com a adição de terapia padrão, por 48 semanas. Em ambas as doses os pacientes que receberam ANF apresentaram uma melhora significativa dos sintomas em relação ao placebo.

Em uma análise combinada de segurança dos ensaios de fase II (MUSE) e fase III (TULIP-1 e TULIP-2), foi observado quenão houve diferenças significativas entre os efeitos adversos entre tratamento e placebo:

  • 86,9% dos pacientes que receberam ANF (300mg) apresentaram efeitos adversos, comparados com 79,4% dos indivíduos que receberam placebo;
  • 11,8% dos pacientes que receberam ANF (300mg) apresentaram efeitos adversos graves, em comparação à 16,7% aos que receberam placebo;
  • Infecções foram observadas em 69,7% dos pacientes que receberam ANF (300mg) e em 55,4% dos pacientes que receberam o placebo;
  • Infecções graves ocorreram em 4,8% dos indivíduos que receberam ANF (300mg) e em 5,6% dos pacientes que receberam placebo.

As reações adversas que ocorreram com maior frequência em pacientes que receberam o anifrolumabe nos ensaios clínicos incluíram nasofaringite, infecção do trato respiratório superior, bronquite, reações relacionadas à infusão, herpes zóster e tosse.

 

Principais considerações

O uso do anifrolumabe nos diferentes ensaios de fase II e III demonstrou que, em conjunto com à terapia padrão de LES, esse tratamento é eficaz, recebendo aprovação do FDA. O efeito adverso que se destacou foram as infecções leves a moderadas ocasionadas por herpes zoster, resolvidas sem a interrupção do tratamento. O anifrolumabe não foi avaliado em pacientes com nefrite lúpica ativa grave, ou pacientes que apresentassem lúpus ativo grave de sistema nervoso central, não sendo recomendado o tratamento para esses pacientes.

 

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Referências

Lúpus: causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção – Ministério da Saúde.

Kiriakidou M, Ching  C L. Systemic Lupus Erythematosus. Ann Intern Med. 2020 Jun 2;172(11):ITC81-ITC96

Furie, R et al., Anifrolumab, an Anti–Interferon-α Receptor Monoclonal Antibody, in Moderate-to-Severe Systemic Lupus Erythematosus Arthritis Rheumatol 2017;69:376–86.

Furie, R et al., Type I interferon inhibitor anifrolumab in active systemic lupus erythematosus (TULIP-1): a randomised, controlled, phase 3 trial. The Lancet Rheumatology 2019;1: e208–19

Morand, E et al., Trial of Anifrolumab in Active Systemic Lupus Erythematosus. N Engl J Med 2020; 382:211-221.

Safety profile of anifrolumab in patients with active SLE: an integrated analysis of phase II and III trials Lupus Science & Medicine 2021;8:e000464. .

Burki, T FDA approval for anifrolumab in patients with lupus. The Lancet Rheumatology. VOLUME 3, ISSUE 10, E689, OCTOBER 01, 2021

Kemp A. Saphnelo (anifrolumab) approved in the US for moderate to severe systemic lupus erythematosus.

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