

Um estudo recente publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) trouxe resultados promissores sobre a segurança do transplante renal de doadores com HIV para receptores também soropositivos. A pesquisa, liderada por Christine M. Durand, analisou 198 transplantes realizados entre 2018 e 2021 em 26 centros médicos nos Estados Unidos.
Contexto e Importância do Estudo
Historicamente, os transplantes de órgãos em pacientes com HIV eram considerados contraindicados devido ao alto risco de complicações. No entanto, com os avanços na terapia antirretroviral (TARV) e uma melhor compreensão da imunologia do HIV, práticas antes impensáveis estão se tornando uma realidade viável.
A insuficiência renal é uma complicação comum entre pacientes HIV+, muitas vezes causada pela nefropatia associada ao HIV, medicamentos antirretrovirais, ou outras comorbidades. Isso aumenta a demanda por transplantes renais nessa população específica.
Os rins não são considerados locais de alta carga viral, o que pode diminuir o risco de transmissão do HIV. Este fator, aliado ao controle viral proporcionado pela TARV, torna os rins uma escolha mais segura para transplante entre pacientes HIV+.
A necessidade de transplantes renais em pacientes com HIV é uma realidade crescente devido à maior longevidade proporcionada pela terapia antirretroviral eficaz. Este estudo foi crucial, pois buscou avaliar a segurança e eficácia do transplante de rins de doadores HIV-positivos para receptores igualmente soropositivos, um avanço significativo na medicina de transplantes.
Avaliação da Segurança e da Eficácia do Transplante Renal de Doadores com HIV
O principal objetivo da pesquisa foi avaliar a segurança e a eficácia do transplante renal de doadores com HIV para receptores com HIV, com foco na taxa de sobrevida do enxerto e dos pacientes, assim como na incidência de complicações infecciosas e imunológicas.
Os pesquisadores conduziram um estudo multicêntrico, prospectivo, envolvendo 198 transplantes renais realizados entre 2018 e 2021 em 26 centros médicos nos Estados Unidos.
Os critérios de inclusão abarcavam receptores HIV-positivos estáveis sob terapia antirretroviral com carga viral indetectável e CD4+ superior a 200 células/µL. A avaliação incluiu comparações com receptores HIV-negativos, utilizando análises de sobrevivência Kaplan-Meier e modelos de riscos proporcionais de Cox.
Os resultados indicaram que a sobrevida do enxerto e dos pacientes HIV-positivos aos 12 e 36 meses foi estatisticamente similar à dos receptores HIV-negativos (p>0,05). Além disso, as taxas de complicações graves, como infecções bacterianas e virais, rejeição aguda e neoplasias, não diferiram significativamente entre os grupos.
Mudança no Paradigma para Transplantes de Órgãos em Pacientes com HIV
O sucesso na política de transplante de órgãos para pessoas soropositivas para HIV é resultado de avanços significativos na medicina e tecnologia de transplantes, incluindo a terapia antirretroviral (TARV):
- Redução da Carga Viral: A TARV mantém a carga viral de HIV indetectável (<50 cópias/mL), minimizando o risco de transmissão durante o transplante.
- Imunidade Preservada: A TARV ajuda a manter uma contagem de linfócitos T-CD4+ acima de 200 células/mm³, garantindo um sistema imunológico funcional.
- Segurança da Transmissão: Estudos mostram que a transmissão de HIV é extremamente baixa quando tanto doador quanto receptor estão sob TARV eficaz.

Critérios e Contraindicações para Doação de Órgãos HIV+
Apesar dos avanços, existem contraindicações para que pessoas HIV+ sejam doadoras:
- Infecções oportunistas ativas.
- Histórico de Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP) ou Linfoma do Sistema Nervoso Central.
- Carga viral elevada ou incontrolável.
Para que uma pessoa com HIV seja considerada apta a doar órgãos, os seguintes critérios devem ser atendidos:
- Contagem de Linfócitos T-CD4 ≥ 200 células/mm³.
- Carga viral de HIV indetectável (< 50 cópias/mL).
- Uso contínuo e eficaz de TARV.

Técnicas utilizadas para evitar contágios
- Testagem Rigorosa: Testes múltiplos para HIV e outras infecções transmissíveis são realizados para garantir a segurança do órgão.
- Monitoramento Pós-Transplante: Monitoramento rigoroso de pacientes para detectar sinais de infecção ou rejeição do órgão.
- Protocolos de Imunossupressão: Ajuste dos regimes de imunossupressão para não interferirem na eficácia da TARV.
Implicações Clínicas
Essas descobertas têm implicações profundas para a prática clínica de transplantes. A viabilidade do uso de órgãos de doadores HIV-positivos poderia aumentar substancialmente a oferta de órgãos disponíveis, reduzindo o tempo de espera para pacientes HIV-positivos e melhorando suas taxas de sobrevivência e qualidade de vida.
Essas práticas exigiriam, entretanto, protocolos rigorosos de monitoramento pós-transplante para prevenir e gerenciar possíveis complicações infecciosas e imunológicas.
Conclusão e Próximos Passos
Em conclusão, este estudo demonstra que o transplante renal de doadores com HIV é seguro e eficaz, abrindo novas possibilidades terapêuticas para pacientes soropositivos.
Os próximos passos incluem a ampliação dos estudos para confirmar esses achados em diferentes populações e a implementação de políticas de transplante que incorporem doadores HIV-positivos.
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Referências:
Durand CM, Massie A, Florman S, et al. Safety of Kidney Transplantation from Donors with HIV. N Engl J Med. 2024;391(15):1390-1401. doi:10.1056/NEJMoa2403733
BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para Transplantes de Órgãos em Pacientes HIV+. Brasília: Ministério da Saúde, 2024.